A novidade média na Idade Mídia: a publicidade digital exagerada e o consumo desenfreado

A novidade média na Idade Mídia: a publicidade digital exagerada e o consumo desenfreado

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Será que eu sou medieval?
Baby, eu me acho um cara tão atual
Na moda da nova Idade Média
Na mídia da novidade média

– Cazuza, Medieval II, “Exagerado”, 1985

 

A sociedade contemporânea é, dentre outras acepções, caracterizada pela facilidade de conexão, atrelada a sua amplitude, que promove o consumo desenfreado marcado por um caráter sedutor.

A internet se introjetou profundamente no cotidiano e, nesse viés, Pierre Lévy suscita a existência de um fenômeno participativo e socializador do ciberespaço, em que a facilidade de acesso à internet ocasionou a massificação da conexão, originando, assim, uma sociedade digitalizada.1

Entretanto, “se os louros dos recentes avanços tecnológicos para a humanidade são amplamente notáveis, não raro este progresso tecnoeconômico é recebido com gigantesca desconfiança”.2 Sob este espectro, chama atenção o ambiente digital, e sua própria hiperconectividade como palco para que sejam moldados novos padrões de comportamento e hábitos intrínsecos a essa nova realidade, marcada pela própria natureza da interação dos indivíduos com o corpo social que o rodeia.

Isto pois a publicidade em ambiente digital, notavelmente exagerada, é prejudicial aos indivíduos, que, por muitas vezes, não conseguem discernir se o conteúdo apresentado nas plataformas digitais se tratam de verdadeira publicidade, sendo levados, por vezes, ao consumo desenfreado e irracional.

O marketing nas mídias sociais, não por menos, é pensado de maneira neurológica, sendo que os anúncios “conseguem de fato influenciar e fazer o consumidor pensar que ele necessita daquele bem ou serviço que está sendo mostrado, instigando, assim, ao consumismo”.3 Ainda sob esse panorama, o marketing se alia ao “espaço-mercado” digital para criar a chamada publicidade comportamental, criada de forma personalizada por meio de coleta de dados e organização algorítmica das redes.

O ciberespaço é definido pela manipulação de vontades de acordo com o perfil traçado pelo cruzamento entre dados, representando, assim, violações às disposições normativas consumeristas e constitucionais, pautando-se como novos danos na era tecnológica, tais como a moldagem forçada de padrões sociais e de consumo, que, em seu turno, se amoldam pela irracional eficácia de dados, ocasionando a chamada discriminação algorítmica e os impulsos ao consumismo, violando o dever constitucional de proteção das pessoas em decorrência da extrema fragilidade do consumidor moderno, apresentando deste modo um novo contexto de hipervulnerabilidade.

Neste sentido:

A publicidade direcionada pela racionalidade algorítmica tem por objetivo explorar a irracionalidade e a compulsão do consumidor. Consequentemente, em razão da vulnerabilidade comportamental do consumidor ante as práticas predatórias de marketing, o direcionamento e a subjetivação do ciberespaço influenciam diretamente o poder de escolha do consumidor.4

Para além da publicidade comportamental, personalizada, anunciantes também se utilizam de personalidades engajadas nas mídias sociais para promover seus produtos e serviços de maneira sincronizada e “despercebida”, atacando o subconsciente do consumidor de forma sútil, ainda que com o exagero de pessoas envolvidas nos anúncios, quase que como uma espécie de “spam”5 moderno. É uma forma que as empresas tem encontrado de gerar “hype” em seus produtos e serviços, buscando a fuga dos demais anúncios padronizados, que em primeiro momento não despertariam a curiosidade do consumidor.

Emblemático caso envolveu a renomada griffe de roupas “Lord & Taylor”, que “contratou influencers (com polpudo cachê entre mil a quatro mil dólares cada) para realizarem postagem de foto no Instagram usando um de seus vestidos no mesmo lapso temporal”.6 A ação da marca foi considerada, em primeiro momento, verdadeiro sucesso comercial, ocasião em que fornecedores de produtos perceberam que ações programadas com personalidades digitais possuíam alto impacto no público-alvo – em sua maioria, jovens que passam grande parte do dia nas mídias sociais –, posto que transpassavam um ideal de pertencimento.

Posteriormente, contudo, o Federal Trade Commission abriu uma representação para análise do caso, uma vez que os anúncios não estavam sendo sinalizados como publicidade (velados justamente para transmitir uma falsa naturalidade), sendo que posteriormente fora realizado um acordo para liquidar as acusações, de forma em que a marca ficou “proibida de deturpar que os anúncios pagos são de uma fonte independente e é obrigada a garantir que seus influenciadores divulguem claramente quando foram compensados ​​em troca de seus endossos”.7

A superexposição publicitária nas mídias sociais promove ainda o chamado “assédio de consumo”,8 marcado pela publicidade excessiva e patológica, em que os consumidores se encontram expostos e vulneráveis ao conteúdo exacerbado, com as ofertas sendo consideradas onipresentes e agressivas. Nota-se, portanto, a necessidade de se conferir a adequada tutela jurídica ao assédio de consumo, que se eleva à categoria de dano digital.

Na chamada “idade mídia”, é preciso, portanto, que sejam conferidos elementos efetivamente protetivos aos consumidores, transcendendo a extensão protecionista dos direitos básicos dos consumidores, considerando esse cenário tecnológico marcado pela necessidade de eficazes respostas jurídicas aos incontáveis e hodiernos avanços.

 

Referências

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1. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34. 1999. Disponível em: site. Acesso em: 12 jun. 2023.

2. EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; ACIOLI, Bruno de Lima. Privacidade e os desafios de sua compreensão contemporânea: do direito de ser deixado em paz ao direito ao esquecimento. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de; TEPEDINO, Gustavo (Coords.). Autonomia privada, liberdade existencial e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 160.

3. SOARES, Dennis Verbicaro; LEAL, Pastora do Socorro Teixeira; GILLET, Jéssica. Consumidor e redes sociais: a nova dimensão do consumismo no espaço virtual. Revista Pensamento Jurídico, v. 14, n. 1, 2020, p. 12.

4. VERBICARO, Dennis; VIEIRA, Janaína. A nova dimensão da proteção do consumidor digital diante do acesso a dados pessoais no ciberespaço. Revista de Direito do Consumidor. vol. 134. ano 30. p. 195-226. São Paulo: Ed. RT, mar./abr. 2021, p. 205.

5. Neste sentido, ensina Arthur Pinheiro Basan: O spam pode ser conceituado como técnica de publicidade virtual consistente no envio de anúncios publicitários de forma não solicitada pelo consumidor. O surgimento do termo e apontado como derivado do nome de uma empresa norte-americana que produz uma famosa carne enlatada e que em um seriado de comedia britânico, denominado de Monty Python, era servido em todas as refeições do cardápio. In: BASAN, Arthur Pinheiro. Publicidade digital e proteção de dados pessoais: O direito ao sossego. Indaiatuba: Editora Foco, 2021. E-book, p. 299.

6. BARBOSA, Caio César do Nascimento; BRITTO, Priscila Alves de; SILVA, Michael César. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais pela publicidade ilícita por eles veiculada. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Lisboa, a. 7, n. 3, p. 341-380, 2021, p. 364.

7. FEDERAL TRADE COMISSION. Lord and Taylor settles FTC charges it deceived consumers through. 2016. Disponível em: site. Acesso em: 24 maio 2023.

8. Neste sentido, conferir: BARBOSA, Caio César do Nascimento. Assédio de consumo e a responsabilidade civil do influenciador digital. Magis – Portal Jurídico. 2021. Disponível em: site. Acesso em: 24 maio 2023.

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