A organização internacional do trabalho (OIT) pode ser ré em uma ação trabalhista?

A organização internacional do trabalho (OIT) pode ser ré em uma ação trabalhista?

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A Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919, foi criada pela Conferência de Paz ocorrida após o término da Primeira Grande Guerra Mundial, sendo que a sua Constituição se converteu na Parte XIII do Tratado de Versalhes.

Já em 1944, ocasião em que o Mundo sofria os efeitos da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial, a OIT adotou a Declaração da Filadélfia como anexo da sua Constituição, sendo que a Declaração antecipou e serviu de modelo para a Carta das Nações Unidas e para a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O artigo 57 da Carta das Nações Unidas, adotada em 1945, estatuiu a possibilidade de organismos internacionais se vinculassem a ONU, sendo que em 30 de maio de 1946, em Nova York, as Nações Unidas reconheceram a Organização Internacional do Trabalho como um organismo especializado, competente para empreender a ação que considere apropriada, de conformidade com seu instrumento constitutivo básico, para o cumprimento dos propósitos neles expostos.1

Assim sendo, a Organização Internacional do Trabalho é a única das Agências do Sistema das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual os representantes dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo.

O Brasil ratificou o instrumento de emenda da Constituição da OIT em 13 de abril de 1948, conforme Decreto de Promulgação nº 25.696, de 20 de outubro de 1948.2

Conforme lição exposta por Arnaldo Süssekind3  as finalidades atuais da OIT correspondem ao que expressamente proclamam o Preâmbulo da sua Constituição e na Declaração da Filadélfia.

Se analisarmos os referidos textos se constata que ambos se fundam no princípio de que a paz universal e permanente só pode se basear na justiça social, assim a OIT busca a promoção da justiça social e o reconhecimento internacional dos direitos humanos e trabalhistas.

Para Durand e Jaussaud4 são três os motivos inspiradores da criação da OIT:

a) sentimento de justiça social, por ainda existirem condições de trabalho não dignas aos seres humanos;

b) o perigo da injustiça social, para a manutenção da paz;

c) a similaridade das condições de trabalho na ordem internacional, possibilitando assim uma condição equitativa de concorrência do mercado.

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida na Filadélfia (1944), traz os objetivos e os princípios da OIT:

a) proporcionar emprego integral para todos e elevar os níveis de vida;

b) dar a cada trabalhador uma ocupação na qual ele tenha a satisfação de utilizar plenamente, sua habilidade e seus conhecimentos e de contribuir para o bem geral;

c) favorecer, para atingir o fim mencionado no parágrafo precedente, as possibilidades de formação profissional e facilitar as transferências e migrações de trabalhadores e de colonos, dando as devidas garantias a todos os interessados;

d) adotar normas referentes aos salários e às remunerações, ao horário e às outras condições de trabalho, a fim de permitir que todos usufruam do progresso e, também, que todos os assalariados, que ainda não o tenham, percebam, no mínimo, um salário vital;

e) assegurar o direito de ajustes coletivos, incentivar a cooperação entre empregadores e trabalhadores para melhoria contínua da organização da produção e a colaboração de uns e outros na elaboração e na aplicação da política social e econômica;

f) ampliar as medidas de segurança social, a fim de assegurar tanto uma renda mínima e essencial a todos a quem tal proteção é necessária, como assistência médica completa;

g) assegurar uma proteção adequada da vida e da saúde dos trabalhadores em todas as ocupações;

h) garantir a proteção da infância e da maternidade;

i) obter um nível adequado de alimentação, de alojamento, de recreação e de cultura;

j) assegurar as mesmas oportunidades para todos em matéria educativa e profissional.

Com relação à competência ex ratione personae da OIT, o professor Süssekind5 defende que ela alcança o ser humano: a) como trabalhador em potencial; b) como homem que trabalha, ou em inatividade por contingências biológicas, sociais ou econômicas; c) como membro da família ou dependente das pessoas mencionadas no item anterior.

Já a relação da competência ex ratione loci da OIT será universal, com exclusão dos territórios dos Estados que não a integram, como seus membros.

Mas, a OIT, tendo em vista sua natureza de personalidade jurídica internacional, pode ser ré em ação trabalhista decorrentes de créditos trabalhistas de seus empregados?

O Ministro Vieira de Mello filho, ao analisar a referida matéria, assim trouxe luzes para a solução:

“O relator explicou ainda que, num primeiro momento, a jurisprudência consolidara-se no sentido da imunidade absoluta dos Estados estrangeiros.

Com o tempo, distinguiram-se duas espécies de conduta desses Estados: a prática de atos de gestão e de império. Desse modo, quando o processo no Judiciário brasileiro envolvesse causa de natureza trabalhista (conflitos próprios de atos de gestão), seria inaplicável a imunidade de jurisdição.

A novidade da Constituição de 1988 (artigo 114) foi garantir que, mesmo o empregador sendo ente de direito público externo, o julgamento de causa trabalhista, se transposto o óbice da imunidade jurisdicional, ainda assim permaneceria no âmbito da Justiça do Trabalho. Então, afirmou o ministro, na medida em que a imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros não era absoluta e estava vinculada aos seus atos, a questão era saber se essas considerações se aplicavam também aos organismos internacionais, no caso, o IICA.

Para o relator, a resposta é não. Somente na hipótese de previsão no tratado internacional firmado é que poderia haver jurisdição do Estado brasileiro. Diferentemente da imunidade do Estado estrangeiro que é regida pelo princípio da reciprocidade, a do organismo internacional é definida mediante tratado. A renúncia à imunidade até seria admissível em certas situações, desde que prevista no tratado.

O ministro citou precedente do Supremo Tribunal Federal que trata da impossibilidade de extensão aos organismos internacionais da flexibilização da imunidade jurisdicional permitida pelo STF aos Estados estrangeiros.

Para o Supremo, os organismos internacionais são pessoas de direito público internacional dotadas de características distintas dos Estados estrangeiros e em nenhum momento a evolução do tema da imunidade jurisdicional na Corte os alcançou, pois a imunidade para Estados estrangeiros nasceu de norma consuetudinária internacional (com base nos usos e costumes) e a dos organismos internacionais tem origem em tratados. Ainda segundo o Supremo, muitas vezes a Justiça do Trabalho interpreta, de forma equivocada, a jurisprudência do STF sobre o tema.

Foi o que aconteceu com o Tribunal do Trabalho da 7ª Região (CE) ao manter a sentença de primeiro grau e negar provimento ao recurso ordinário do organismo para extinguir a ação. O TRT aplicou à hipótese a jurisprudência do TST e do Supremo Tribunal Federal sobre imunidade de jurisdição em causas trabalhistas envolvendo Estado estrangeiro.

Depois dos esclarecimentos trazidos pelo relator, ministro Vieira de Mello Filho, a Primeira Turma, por unanimidade, acatou o recurso de revista do Instituto para julgar extinto o processo, sem exame do mérito.”6

Assim sendo, se verificarmos o artigo 40 da Constituição da OIT, constatamos que: “A Organização Internacional do Trabalho gozará, nos territórios de seus Membros, dos privilégios e das imunidades necessárias a consecução dos seus fins.”. Desta forma, há previsão expressa da imunidade da OIT, pelo que a OIT não poderá ser agente passivo de ação trabalhista, devendo o processo se extinto, sem resolução de mérito.

Portanto, ela dita as regras mas não está submetida a essas. Aliás, no que se refere a essas “regras”, com a Conferência Internacional do Trabalho, na qualidade de Assembléia Geral da OIT, a regulamentação internacional do Trabalho e das questões que lhe são conexas.

Para tal fim pode adotar três (03) tipos de instrumentos: convenção; recomendação; e, resolução.

As convenções adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho são tratados-leis7 (normativos), multilaterais e abertos, que visam a regular determinadas relações sociais.

Se a Convenção não estiver em vigência no plano internacional não há o que se falar em vigência interna nos Estados-Membros que a ratificaram.

As Convenções podem ser objetos de revisão pela Conferência e neste caso uma nova Convenção substituirá a antiga Convenção, todavia, a Convenção revista, embora não mais permaneça aberta à ratificação dos Estados-Membros, continua em vigor para os países que a ratificaram e não procederam da mesma forma com referência ao novo diploma.

Somente as Convenções são objeto de ratificação pelos Estados-Membros, ou seja, é a própria Convenção que ingressa no ordenamento jurídico interno do Estado-Membro que a ratificar.

As Recomendações materialmente não se distinguem das Convenções, todavia, a distinção ocorrerá em seus efeitos jurídicos, não aderindo ao ordenamento jurídico interno.

As Recomendações se destinam a sugerir normas que podem ser adotadas por qualquer das fontes diretas ou autônomas do Direito do Trabalho, embora visem, basicamente, ao legislador de cada um dos países vinculados da OIT.

As Resoluções não acarretam qualquer obrigação, ainda que de índole formal, para os Estados-Membros, destinando-se a convidar organismos internacionais ou governos nacionais a adotarem medidas nelas preconizadas; a comentar, apoiar ou combater determinada orientação suscetível de exercer influência na solução dos problemas sociais; a propor ao Conselho de Administração que inclua certa questão na ordem do dia da Conferência; sugerir estudos ou investigações sobre determinados assuntos, etc.

No âmbito nacional a questão do conflito das normas internacionais e nacionais e até em relação a Constituição Federal foi debatida pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1480-3, na qual contestava-se a compatibilidade de alguns artigos da Convenção n. 158 da OIT frente à atual Constituição Brasileira. O Ministro Celso de Mello novamente afirmou a superioridade da Constituição sobre os tratados internacionais.

No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em consequência, nenhum valor jurídico terá os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política.

No entanto, após a fundamentação acima ocorreu alteração no § 3º do artigo 5º da Constituição Federal acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, DOU 31.12.2004, passando os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo Congresso Nacional equivalência de emendas constitucionais:

3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, DOU 31.12.2004)

Surge neste ponto a questão de ser ou não ser os direitos dos trabalhadores equiparados a direitos humano. Porém, e se houver o descumprimento dessas convenções internacionais?

A Constituição da OIT, na redação de 1946, não estabeleceu quais sanções aplicáveis aos Estados-Membros que descumprem as obrigações referentes aos instrumentos internacionais.

Na prática, a inobservância das obrigações internacionais relativas à OIT tem ensejado a advertência da Conferência aos respectivos Estados-Membros, o que configura uma sanção de ordem moral.

Todavia, a Conferência pode representar à ONU contra o Estado que de forma grave e reiterada viole obrigações contraídas junto a OIT, podendo assim o Estado infrator ser alvo de sanção por parte da ONU, podendo inclusive ser expulso da Organização.

A teoria se apresenta irretocável, mas será que sua aplicação é utópica ou realmente aplicável? Nos últimos anos a magistratura trabalhista vem adotando, como fundamento de suas decisões, as convenções estabelecidas pela OIT, garantindo maior segurança ao jurisdicionado.

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Carolina Quinelato da Costa

 

Referências

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1. SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. LTr. Vol. II. Pág. 1474. 2002.

2. MARTINS, Sérgio Pinto. Convenções da OIT. Atlas. Pág. 3. 2009.

3. SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. LTr. Vol. II. Pág. 1474. 2002.

4.Traité de Droit Du Travali”, 1947, vol. I, pág. 278-279, citado por SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. LTr. Vol. II. Pág. 1475. 2002.

5. Ob. cit. Pág. 1478.

6. TST – RR 1865/2002-005-07-00-7.

7. SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. LTr. Vol. II. Pág. 1491. 2002.

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