A pessoa idosa e a proteção de dados pessoais

A pessoa idosa e a proteção de dados pessoais

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Com alteração desde 2022 quanto a sua nomenclatura, o Estatuto da Pessoa Idosa é uma legislação onde estão destacados os direitos das pessoas idosas e dos deveres dos demais agentes estatais e privados para com elas. A alteração do nome em toda lei foi colocada com intuito de promover a inclusão e combate ao preconceito.1 Ainda que pareça não ser algo tão distinto em favor da população idosa é importante comemorar pequenas mudanças, garantindo uma gradual conscientização dos demais grupos sociais.

A questão é que, enquanto mandamento constitucional previsto no art.230, caput: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.” sedimenta um dever aos demais agentes de proteção, permitindo concluir que esse fase etária possui condições que a tornam vulnerável, justificando essas atribuições a terceiros.

A compreensão, contudo, perceptível por alguns, acaba saindo da solidariedade esperada e se convertendo em preconceito para com pessoas maiores de 60 anos, ocasionando o que chamamos hoje de ageismo, que é essa depreciação de indivíduos em decorrência de sua idade.

Essa problemática ficou ainda mais evidente durante a pandemia, onde a doença, por atingir mais esse grupo, levou a comentários negativos e comparações, aludindo que pessoas idosas tinham menos valor por estarem em final de vida, ou serem consideradas gastos onerosos ao sistema de saúde.2 Há ainda relatos da idade ter sido utilizada como critério para terapia intensiva e uso de ventiladores à época.3 Dessa forma acendeu-se alerta à época sobre valorização da velhice em meio a um contexto tão difícil, compreendendo que a dignidade humana não é restrita a idade, mas direcionada a todos os indivíduos.4

Ainda que não estejamos mais em contexto pandêmico é certo que o dado “maior de 60 anos” carrega em si um marcador social, o qual se destaca em tempos difíceis.5 A proteção dessa informação não deve ser desconsiderada, tendo em vista o contexto de injustiças a que pessoas idosas são submetidas.

A idade não é, conforme art.5º, inciso II da Lei Geral de Proteção de Dados, considerada um dado pessoal sensível, caso se interprete o rol disposto na lei enquanto taxativo, o que também não é unanimidade entre os autores.6 A questão é, compreendendo o fundamento dessa categoria, qual seja, de um direito antidiscriminatório7 que busca a igualdade material nos tratamentos, questiona-se se essa informação não poderia ser enquadrada enquanto sensível. Tome-se por exemplo a Resolução nº2 da ANPD para agentes de tratamento de pequeno porte em seu art.4º. Nele estão apresentados requisitos para classificar se determinado tratamento pode ser considerado de alto risco. Em seu inciso II, alínea d é considerado requisito específico “utilização de dados pessoais sensíveis ou de dados pessoais de crianças, de adolescentes e de idosos”.

Em sentido contrário se destaca decisão proferida em 2023 pelo STJ em que, em determinado ponto do Agravo em Recurso Especial nº 2.130.619, entendem que a indenização não era devida à pessoa idosa, pois apenas dados sensíveis poderiam ter dano presumido. Nesse sentido trecho do voto destaca que “O art. 5º, II, da LGPD, dispõe de forma expressa quais dados podem ser considerados sensíveis e, devido a essa condição, exigir tratamento diferenciado, previsto em artigos específicos. Os dados de natureza comum, pessoais mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural não podem ser classificados como sensíveis”.

Em que pese a interpretação possível perante a dicção da lei é certo que se ater apenas ao texto normativo pode prejudicar o direito dos titulares, frente ao próprio fundamento dos dados pessoais sensíveis. Vale destacar que o tratamento diferenciado e preferencial à pessoa idosa é algo já exigido por outras legislações, como o próprio estatuto da pessoa idosa ou a Constituição Federal. Dessa forma, compreender que estar acima dos 60 anos é uma informação sensível é materializar a igualdade.

Ainda que isso não seja interpretação unânime entre juristas é importante estimular o debate para que critérios mais nítidos sejam debatidos pela ANPD, garantindo-se assim maior segurança aos agentes e protegendo os direitos da população idosa que constantemente é submetida a várias injustiças, de forma que isso não se repita no universo da proteção de dados.

 

Referências

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1. Brasil. Ministério dos Direitos Humanos. Estatuto da Pessoa Idosa. 2022. Disponível em: link. Acesso em: 26 jan. 2024.

2. Em pesquisa netnográfica realizada durante a pandemia, pesquisadores(as) constataram comentários depreciativos direcionados à população idosa, impactando na forma como essas pessoas se enxergavam no contexto pandêmico. Barbosa, I. B. et al.. “Vá para casa, seu idoso!” Ageísmo na pandemia da covid-19: netnografia na plataforma Youtube™. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 26, p. e230049, 2023.

3. Ayalon L. There is nothing new under the sun: ageism and intergenerational tension in the age of the COVID-19 outbreak. Int Psychogeriatr. 2020 Oct;32(10):1221-1224. https:// doi.org/10.1017/ S1041610220000575 apud. Barbosa, I. B. et al.. “Vá para casa, seu idoso!” Ageísmo na pandemia da covid-19: netnografia na plataforma Youtube™. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 26, p. e230049, 2023.

4. Dalsenter, Thamis. A proteção das pessoas idosas e a pandemia do Covid-19: os riscos de uma política de “limpa-velhos”. Portal Migalhas. Disponível em: link. Acesso em: 24 jan. 2024.

5. Vale destacar que de fato em situações de adversidade grupos historicamente marcados tendem a ser responsabilizados e fragilizados. Cf: Machado, J. de S.; NegriI, S. M. C. de Ávila; Giovanini, C. F. R. Nem invisíveis, nem visados: inovação, direitos humanos e vulnerabilidade de grupos no contexto da Covid-19. Liinc em Revista, [S. l.], v. 16, n. 2, p. e5367, 2020. DOI: 10.18617/liinc.v16i2.5367.

6. Negri, Sérgio Marcos Carvalho de Ávila; Korkmaz, Maria Regina Detoni Cavalcanti Rigolon. A normatividade dos dados sensíveis na Lei Geral de Proteção de dados: ampliação conceitual e proteção da pessoa humana. Rev. de Direito, Governança e Novas Tecnologias, v. 5 n. 1, p. 63-85. Goiânia, Jan/Jun. 2019.

7. RODOTÀ, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância: a privacidade hoje. Organização, seleção e apresentação: Maria Celina Bodin de Moraes. Trad. Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda). Renovar, Rio de Janeiro, 2008.

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