Esta é a primeira matéria da coluna do Instituto von Bülow. A meu ver, não há como iniciá-la sem, em sede de prolegômenos, fazer a sua apresentação. Aos que não conhecem, é um grupo independente e virtual de pesquisadores de Direito Processual Civil, do qual fazem parte desde pessoas que estão há muito tempo na academia, simultaneamente com aqueles que estão no início de sua trajetória. O agradável do grupo é a constatação de que conseguimos reunir diversas pessoas, com posições distintas, de várias localidades diferente do Brasil, a partir de um propósito: fomentar o estudo do Direito Processual Civil brasileiro. O grupo está dando os seus primeiros passos, porém, todos são bem-vindos a integrá-lo – siga-nos no Instagram para acompanhar as nossas atividades e receber maiores instruções sobre a forma de ingresso. Agora, vamos ao tema de hoje.
A matéria de hoje se inicia com uma menção honrosa ao Prof. Marco Félix Jobim. Explico. A poucos dias (contando a partir da data que estou escrevendo, bem como, da publicação desta matéria), tive a felicidade de participar do “III Congresso Internacional de Coletivização e Unidade do Direito”, em homenagem ao Prof. Sérgio Cruz Arenhart, realizado na PUC/RS, em Porto Alegre. Além do evento ter sido extremamente agradável, com a oportunidade de rever e conhecer pessoas que tanto admiro, tive a possibilidade de trazer comigo a nova edição de um livro que estudo a muito tempo – e que, na verdade, gostaria que tivesse sido escrito por mim; cá, parafraseando o Prof. Araken de Assis –: “Processo Civil brasileiro: suas fases culturais e escolas”1, do Prof. Marco Félix Jobim.
O livro é brilhante – assim como o seu autor. Sua construção está em três pontos: (1) a cultura (e ela como elemento de caracterização do direito e processo – questão já superada e pacificada pela academia; (2) as escolas de processo; e, (3) as fases metodológicas do processo (além das já conhecidas – praxismo, processualismo e instrumentalismo –, algumas discussões atuais de possíveis novas fases, como o formalismo-valorativo, o neoprocessualismo, o neoinstitucionalismo, o pragmatismo processual (tese do Prof. Vicente de Paulo Ataíde Júnior) e o desenvolvimento e o Processo Civil (teorização do Prof. Antônio Pereira Gaio Júnior). Sem desprezar a relevância dos pontos 1 e 3, afinal, são temas que devem ser compreendidos por todos – motivo pelo qual recomendamos a aquisição da obra –, o nosso foco está no segundo ponto.
Vamos começar respondendo as afirmações do título de maneira inversa: por que é importante a compreensão desse assunto para quem não é teórico do Processo Civil? Da mesma forma como se analisam as decisões judiciais/acórdãos, em que se leva em conta o relator, câmara, tribunais, pressupostos intrínsecos e matéria, compreender as escolas processuais é se blindar contra a possibilidade de utilizar uma doutrina desconexa da sua argumentação (e essa salada de frutas é mais comum do que se imagina!) – por exemplo: supondo que eu estou refutando uma tese sobre a ideia de “processo justo” e colaciono um fragmento do clássico e indispensável “Curso de Direito Processual Civil” do Prof. Humberto Theodoro Júnior, a minha narrativa perderá coerência (vejam que o autor compactua com a posição, conforme fica claro, especialmente, no volume 1).
Assim como em outras áreas, entre teoria e prática, o Processo não é uníssono. Explico isso a partir da hermenêutica. Podemos partir do pressuposto de que ao considerarmos o Processo (e o Direito) como um produto social, estamos, também (conscientemente/inconscientemente), considerando que se trata de um objeto significado a partir do sujeito (processualista). Dependendo de onde for ensinado ou da doutrina utilizada para seu estudo, o sujeito (processualista) irá lapidá-lo de maneiras distintas. Claro, isso não significa que há desacordos em todo o Processo Civil, mas que a sua epistemologia poderá sofrer modificações a depender de quem significa esse objeto. Isso, no entanto, não significa, também, que aquilo que foi ensinado por “A” ou “B”, seja em aula/palestra/livro está errado ou é o certo.
Em outras palavras, uma escola processual significa uma unidade de pensamento, maior ou menor (a depender da quantidade de adeptos), sobre o processo – inclusive, possuindo fina sintonia com as fases metodológicas do processo (o terceiro ponto da obra). Assim como o Prof. Marco Félix Jobim, não pretendo, aqui, fazer menção à todas as escolas de processo brasileiras (até porque, a meu ver, além de ser algo extremamente complexo, é uma tarefa utópica).
Vamos falar sobre algumas escolas (e de algumas associações), começando pela Escola Paulista de Processo. Até para quem tem pouca familiaridade com o tema desta matéria, sabe o peso e a relevância da escola paulista para o Processo Civil brasileiro – um bom exemplo disso é a autonomização da Teoria Geral do Processo, enquanto disciplina, a partir de três significativos membros: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco. O referencial teórico dessa escola é o pensamento de Enrico Tullio Liebman. Foram seus discípulos, por exemplo, Alfredo Buzaid e José Frederico Marques. Daqui, por exemplo, podemos mencionar que os adeptos dessa escola desenvolvem as suas teorizações a partir de forte aspiração no instrumentalismo.
Ainda na região Sudeste, temos a Escola Mineira, unidade extremamente forte no Direito brasileiro, possuindo amplitude de adeptos que transcende Minas Gerais. Alguns, entre os seus membros, são o Prof. Humberto Theodoro Jr., o Prof. Dierle Nunes e o Prof. Flávio Quinaud Pedron. Caracterizada pela sua fundação no Estado Democrático de Direito e seu equilíbrio em garantias constitucionais-processuais fundamentais (especialmente no contraditório, ampla defesa e na isonomia), é dessa escola (pelo menos de parte dela), por exemplo, que emerge a corrente neoinstitucionalista do processo.
O Rio Grande do Sul é palco de pluralidade de pensamentos no processo. Temos, por exemplo, lá, a (1) Escola da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a (2) Escola da PUC/RS de processo, a (3) Escola Ovidiana, a (4) Escola Alternativa de Processo e a (5) Escola de Processo da Unisinos – da qual faço parte, porém, com filiações teóricas que a transcendem. Falarei sobre a primeira, terceira e quarta. A escola da UFRGS (a qual, curiosamente, possui fina sintonia com a Escola Paranaense) tem com o seu patrono o saudoso Prof. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Calcada na zetética, é dessa escola que surge o formalismo-valorativo – e a percepção metodológica é demasiadamente clara a medida em que lemos a Magnum Opus (fala-se da obra: “Do formalismo no Processo Civil: proposta de um Formalismo-Valorativo”) do seu fundador, o qual prioriza mais a pergunta do que a resposta. A Escola Ovidiana possui como referencial teórico o pensamento do Prof. Ovídio Araújo Baptista da Silva – possui diversos adeptos e que não estão exclusivamente no Rio Grande do Sul. A Escola Alternativa de Processo, criada na década de 70/80 (há discussão sobre a sua origem), possui, francamente falando, poucos adeptos e pouca relevância no cenário acadêmico. Quiçá, isso esteja ligado com a sua própria proposta: um rompimento com o positivismo jurídico (aos interessados que desejam compreendê-la, vejam, na narrativa dos adeptos, a alta carga discricionária nas mãos do intérprete.
Ainda no Sul do país, há a Escola Paranaense. Sendo o resultado de uma junção de marcos teóricos de São Paulo e do Rio Grande do Sul (com o devido aperfeiçoamento teórico de seus membros, como, exemplificativamente, o Prof. Luiz Guilherme Marinoni e o Prof. Sérgio Cruz Arenhart), em síntese, trata-se de uma unidade que busca compreender o significado, serventia e efeito do Direito na sociedade. Ainda no Paraná, encontramos a Escola Crítica de Processo. O referencial dessa escola está nas formulações do Prof. Luiz Fernando Coelho; busca-se renovar o conhecimento científico-processual a partir da revisão do Direito mediante corte epistemológico na dogmática (com fins de alcançar uma justiça social).
No Norte e Nordeste do país, temos uma belíssima (e muito bem orquestrada) cadeia ampla de pesquisadores que se complementa e formam (o que acredito ser) a maior unidade brasileira. Essa escola tem a peculiaridade de pautar a relação processual a partir da incidência da boa-fé objetiva e na teoria do fato jurídico. Aqui, por exemplo, está o Prof. Fredie Didier Jr. Essa escola também é conhecida pelo nome da sua célebre associação: a ANNEP (Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo).
Já que entramos no assunto das associações, vamos finalizar a matéria de hoje pontuando outras três que são amplamente reconhecidas no Brasil. Começando pelo IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual). Embora fundado no Rio Grande do Sul (em 1958), o instituto é marcado pela chegada de Liebman no Brasil. A segunda é a ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual). Essa associação é caracterizada por ser uma corrente garantista (uma teoria dogmática-constitucional unitária do devido processo legal). Por fim, a PROCNET (Rede Internacional de Pesquisa ProcNet – Justiça Civil e Processo Contemporâneo). Não é bem uma associação, mas uma rede organizada de pesquisadores, ligando-se diversos grupos de pesquisa de todo o Brasil (e traços de diálogo com a pesquisa estrangeira).
E aí, você já conhecia esse tema? Conseguiu perceber a riqueza de pensamentos no Processo brasileiro e o cuidado que precisamos ter na utilização das teorias? O que achou da matéria? Entre em contato conosco para continuar esta discussão e integrar o nosso grupo (@instutovonbulow). Até mês que vem!
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Referências
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1. JOBIM, Marco Félix. Processo Civil brasileiro: suas fases culturais e escolas. 5. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2022. 246p.