A Propriedade Industrial é um ramo do Direito da Propriedade Intelectual, no qual visa proteger as invenções humanas e os seus avanços tecnológicos. Essa proteção e o direito de uso exclusivo por um determinado período incentivam àqueles que investiram e se dedicaram para uma descoberta que beneficiará todo o meio social.
Uma forma comum na Propriedade Industrial de garantir essa proteção é por meio do registro de Patentes, que no direito brasileiro está descrito na Lei de Propriedade Industrial1 no título I. Nele há a designação de quais elementos são patenteáveis e quais não podem ser, a extensão da proteção e o processo de registro e patente.
Durante a Pandemia, muito se discutiu sobre a proteção por intermédio das patentes, das tecnologias desenvolvidas para a vacina do vírus da COVID-19, pois é de interesse das farmacêuticas e dos laboratórios o direito de exclusivo e comercialização das suas novas descobertas e invenções.
No entanto, deve-se pensar também no contributo social que esse desenvolvimento traz, no início da pandemia, discutiu-se muito a concessão de patentes para os laboratórios, pois isso implicaria na dificuldade de desenvolvimento de medicamentos por terceiros, e a criação de um monopólio em pleno estado de calamidade. A partir disso, vários países decidiram não proteger as suas vacinas para que elas pudessem estar disponíveis de forma justa em todo o mundo. Como afirma Jorge Bermudez:2
O mundo começou a discutir a estruturação de uma série de ações de solidariedade global, presentes nas discussões das Nações Unidas, da reunião de ministros da Saúde do G-20 e da Organização Mundial da Saúde. Sob a liderança inicial do presidente da Costa Rica e do diretor-geral da OMS, foi lançada a proposta de que todas as vacinas, testes, diagnósticos, tratamentos na resposta à pandemia deveriam estar disponíveis universalmente como bens públicos globais. Na abertura da Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2020, o presidente da China afirmou que as vacinas desenvolvidas em seu país seriam colocadas disponíveis universalmente para a população mundial, sem proteção patentária.
Os Estados Unidos da América propuseram a suspensão de patentes, enquanto a União Europeia sustentou a criação de um plano de acordo de licenças obrigatórias, a fim de criar um desenvolvimento justo. A empresa de biotecnologia Moderna durante a pandemia declarou que não utilizaria as suas patentes para que todas as empresas conseguissem desenvolver as suas próprias vacinas.
Contudo, ela denunciou a Pfizer e a BioNTech por violação de propriedade industrial, ao utilizarem a mesma tecnologia de RNA mensageiro para a produção das vacinas, apesar de ter afirmado que não utilizaria as patentes durante a pandemia, no comunicado divulgado, a Moderna afirmou que Pfizer e a BioNTech se apropriaram de dois tipos de propriedade industrial. Um envolveu uma estrutura de modificação química de mRNA no qual a Moderna afirma que seus cientistas começaram a desenvolver em 2010 e foram os primeiros a validar em testes em humanos em 2015. E a segunda suposta violação envolve a codificação de uma proteína Spike de comprimento total que a Moderna diz que seus cientistas desenvolveram ao criar uma vacina para o coronavírus.
A farmacêutica Moderna afirma que essas tecnologias foram patenteadas entre os anos de 2010 e 2016, ou seja, bem antes dos atuais acontecimentos, e por isso, a Pfizer e sua parceira estariam violando a propriedade e o direito de exclusivo da utilização desse tipo de desenvolvimento. Em relação as alegações em comunicado a CNN as farmacêuticas acusadas declararam:3
Por meio de nota à CNN a Pfizer/BioNTech informou que ainda não revisou totalmente a alegação, mas está surpresa com o litígio, dado que a vacina contra a Covid-19 da Pfizer/BioNTech foi baseada na tecnologia de mRNA de propriedade da BioNTech e desenvolvida pela BioNTech e pela Pfizer.
Não é incomum que litígios em relação a patente de medicamentos que possuam tecnologias parecidas possam surgir, é necessária uma análise profunda para descobrir se houve ou não cópia e violação de propriedade intelectual. Também é importante, pensar nas funções existentes na propriedade intelectual, e mais especificamente, na propriedade industrial, tal como a proteção do inventor e do seu desenvolvimento e a sua função social de auxílio a sociedade.
Com todo o esforço para o desenvolvimento e comercialização justa das vacinas, para a rápida solução e a democratização dos imunizantes, já era possível perceber um mercado predatório, quem dirá sem os acordos de patenteabilidade. Importa salientar que a Moderna busca a indenização dos valores a partir de março de 2022, quando a situação da doença já estava mais controlada. Não se pode afirmar ainda que houve violação, visto que, não é impossível a criação de uma tecnologia própria pela Pfizer e BioNTech. Mas, essa disputa judicial abre a possibilidade de refletir sobre a extensão da proteção da propriedade industrial e até qual momento o direito de exclusivo tem igual valor a função e proteção da coletividade.
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Victoria Emily da Silva Oliveira Castro
Referências
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1. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.
2. BERMUDEZ, Jorge. Pandemia, solidariedade e vacinas: disputa predatória no mundo. E o Brasil?. Disponível em: https://bit.ly/3RxwTST.
3. TROTTA, Daniel. Moderna processa Pfizer e BioNTech por violação de patente sobre vacina da Covid. Publicado em: 26 de ago. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3RCwLSf.