A propriedade intelectual como caminho do desenvolvimento econômico de comunidades locais

A propriedade intelectual como caminho do desenvolvimento econômico de comunidades locais

Iniciamos nossa conversa hoje para falar de algo ainda pouco conhecido entre os brasileiros. Lógico que não podemos negar os avanços do setor nos últimos 5 ou 10 anos, mas ainda assim não temos a exploração de todo o potencial desse instituto jurídico de Propriedade Intelectual.

Estamos falando da Indicação Geográfica (IG). Para você que ainda não conhece o que esse termo jurídico significa vamos dar alguns exemplos de produtos protegidos pela IGP (Indicação Geográfica Protegida) – equivalente europeu da nossa IG, que sei que você irá reconhecer, começando com o mais clássico de todos, a Champagne, passando também pelo Vinho do Porto, Roquefort, Gorgonzola, Grana Padano, Picorino Toscano, Mortadela Bologna, etc.

Vários são os autores que destacam a importância da IG no mundo, e principalmente a valorização dos produtos nacionais, como por exemplo, na obra de Pimentel,1 em que o autor destaca, dentre outros produtos, o Cedro do Líbano, que de tão importante está retratado na Bandeira Nacional daquele país.

Em outros trabalhos premiados,2 já falávamos que a IG é uma das formas de proteção previstas na Lei de Propriedade Industrial Brasileira (Lei 9.279/96) com um grande potencial de promoção ao desenvolvimento das economias locais e regionais, mas muito pouco explorado no Brasil. Destacamos inclusive o potencial dos Bordados da Região do Seridó do Rio Grade do Norte, que posteriormente foi reconhecida com a IG dos Bordados de Caicó.

Como estão percebendo, a IG se refere ao local de produção de um determinado produto, mas não pode ser qualquer local. Ao contrário das demais proteções de propriedade intelectual, a concessão da IG não cria o direito, ela o reconhece. Logo, o local deve ter desenvolvido características únicas nessa produção ao longo do tempo, seja por fatores geográficos (clima, solo, relevo, etc) ou pelo desenvolvimento de técnicas que se tornam, com o tempo, tradicionais e conseguem reconhecimento por tornarem os produtos únicos em determinadas características.

A primeira proteção jurídica que surgiu na história da humanidade que protegieu especificamente a designação de um determinado local atrelando-o à produção de um produto, com vista na manutenção do good will e características específicas da produção foi a Região do Porto, em Portugal, em 1756, “em face ao good will adquirido pelo Vinho do Porto, e o declínio das exportações para a Inglaterra, mas não pela diminuição da demanda do produto nas terras inglesas, mas pela inserção de outro produtores que acrescentavam o termo “Porto” em seus vinhos”3 que apresentavam características diferentes daquelas desenvolvidas pelos produtores da localidade.

Produtores de outros locais tentavam se aproveitar da fama da região do porto e vender seus produtos como se de lá fossem, mas não dominavam a técnica local, não produziam suas uvas com as mesmas características geoclimáticas da região, logo, os vinhos tinham sabores diferentes. Os ingleses, ao consumir esses vinhos, percebiam a diferença, mas acreditavam que a procedência era realmente da região do Porto, e atrelavam o problema a perda da qualidade da produção do local, logo isso passa a afetar a fama da região.

Notem que o problema em muito se assemelha a questão do uso indevido de uma marca, a questão da diferença é que não lidamos com uma produção individual aqui, e a marca é uma propriedade que tem o caráter de individualizar determinando sujeito, produto ou serviço no mercado. Aqui, o dano é coletivo, o reconhecimento é da região, não da para individualizar seu titular como na marca, tanto que foram os produtores da região do Porto, em conjunto, que buscaram o Marques de Pombal cobrando providências que pudesses sanar o problema.

Na ocasião, o Marquês agrupou todos os produtores na Companhia dos Vinhos do Porto, delimitou a área de abrangência onde poder-se-ia produzir tal vinho, e solicitou que, por meio de estudos, fosse estabelecidas as características da bebida e as regras para a produção do vinho. Tendo organizado o cenário, o Marquês de Pombal mandou registrar por meio de decreto o nome “Porto” como exclusivo de utilização (em vinho) dos produtores da Companhia dos Vinhos do Porto.4 

A IG nos apresenta elementos que nos permite visualizar o potencial para o desenvolvimento local, justamente o ponto da coletividade da proteção, e a partir da proteção a necessidade de manutenção da padronização da produção. Uma vez concedida a IG, regras de produção são estabelecidas, assim, produtores locais podem se adequar para alcançar um mercado maior, isto porque o reconhecimento é considerado um tipo de atestado de qualidade em alguns mercados externos.

Por exemplo, a IG do Melão Amarelo de Mossoró, reconhece a região do município de Mossoró, no Rio Grande do Norte, como notória produtora de melões, com características específicas. Para manutenção de tais características, a IG possui uma espécie de manual contendo as especifidades para o cultivo do produto, como solo, cuidados com a produção, tamanho, e limites geográficos para que produtores que obedeçam tais regras possam se associar aos demais e utilizar a IG em questão.

Outro elemento que nos permite a enxergar o potencial desenvolvimentista da IG é o tempo. Como falamos anteriormente, a IG é um reconhecimento de algo que o tempo, o local e o desenvolvimento de técnicas locais fez-se destacar. Essas técnicas são desenvolvidas pelos produtores locais, e permitem qualidades únicas ao produto, valorizando o conhecimento de produção local tradicional conhecido historicamente pelos produtores da região.

Vejamos o exemplo do Capim Dourado da região do Jalapão – TO. A combinação das propriedades do solo e do clima fazem com que o capim que nasce na região adquira tons dourados, mas apenas o clima e o solo não fazem o capim ser um produto especial. Historicamente ele foi utilizado para confecção de itens como bolsas, calçados, roupas, adornos, pelos descendentes dos quilombos da região, logo, o produto resultado da aplicação das técnicas ancestrais e do capim da região faz com que estes produtos tecidos a partir da palha do capim sejam únicos e passem a ser conhecidos pelo mundo e posteriormente reconhecidos com a proteção jurídica.

Assim, a IG seria uma forma de reconhecimento do conhecimento das comunidades tradicionais quando tais conhecimentos revertam-se em produtos ou serviços que adquiram notoriedade, contudo, a própria manutenção da forma exploração comercial tradicional, que sobreviveu ao decurso do tempo e as formas mais modernas de produção, já é um forte indício de uma IG em potencial.5 

As pessoas da região têm, então, um instrumento que reconhece caráter único – escassos – aos produtos daquela região quando protegidos pela IG, gerando um aumento de rendimentos para as populações locais quando bem geridos. “O que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas”.6

Aquilo que surge pela necessidade dos grupos quilombolas, de terem utensílios para o seu dia-a-dia, torna-se renda, a partir da implementação dos conhecimentos tradicionais, e precisa ser protegido para que free riders destruam o reconhecimento conquistado ao longo de tantos anos.

Vejamos o caso do Bordado de Caicó, onde ao longo de séculos, as bordadeiras desenvolveram técnicas delicadas como “Richelieu” e “Matiz” que dificilmente podem ser implementadas por meio de máquinas de produção automática. Mas a produção manual dos bordados não deixa de sofrer pressões com a mecanização da produção e a escalabilidade da indústria têxtil faz com que se descaracterize a produção tradicional em troca do volume.

A IG permite que valores sejam agregados a essa produção e que ela possa sobreviver a pressões de mercado. Reconhecer a IG também é reconhecer os conhecimentos tradicionais de determinadas regiões e valorizar os produtos locais. Isso permite que a indústria possa coexistir juntamente com o tradicional.

Contudo ainda temos um longo caminho pela frente em termos de valorização das produções locais e fomento à cultura da IG no Brasil. Nós, do direito, temos um papel importante na divulgação de sua existência e na cobrança das autoridades por mais divulgação da qualidade desses produtos locais à população em geral.

Nos últimos 10 anos o número de reconhecimentos mais do que dobrou, mas estamos longe do patamar de regiões como a dos países da U.E. Devemos ser porta-vozes dos nossos produtos locais, conhece-los, consumi-los, valoriza-los.

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Thomas Kefas de Souza Dantas

 

Referências

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1. PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio: módulo II, indicação geográfica. 4 ed. Florianópolis: MAPA; Florianópolis: FUNJAB, 2014. p.34

2. BRITO, L. DANTAS, T. SILVA, C. A indicação geográfica como promotora do desenvolvimento local e regional: o caso (em potencial) do bordado do Seridó. In: Proceeding of ISTI. v.3 n.1 Aracajú, 2015. p.419-424.

3. BRITO, L. DANTAS, T. SILVA, C. A indicação geográfica como promotora do desenvolvimento local e regional: o caso (em potencial) do bordado do Seridó. In: Proceeding of ISTI. v.3 n.1 Aracajú, 2015. p.419-424.

4. BRITO, L. DANTAS, T. SILVA, C. A indicação geográfica como promotora do desenvolvimento local e regional: o caso (em potencial) do bordado do Seridó. In: Proceeding of ISTI. v.3 n.1 Aracajú, 2015. p.419-424.

5. BRITO, L. DANTAS, T. SILVA, C. A indicação geográfica como promotora do desenvolvimento local e regional: o caso (em potencial) do bordado do Seridó. In: Proceeding of ISTI. v.3 n.1 Aracajú, 2015. p.419-424.

6. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p.19.

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