Amplamente noticiado, é de conhecimento geral que, no início de junho deste ano, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu entendimento que o rol de procedimentos preparado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para estabelecer cobertura mínima dos planos de saúde é taxativo. Sendo assim, as operadoras, salvo em situações excepcionais, não são obrigadas a arcar com tratamentos que não constem dessa lista se nela existir alternativa igualmente eficaz, efetiva, segura e já incorporada.
A tese vencedora pode ser resumida nos seguintes itens:
1) O rol de procedimentos em eventos da saúde suplementar é, em regra, taxativo;
2) A operadora de plano de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
3) É possível a contratação de cobertura ampliada ou aditivo contratual para cobertura de procedimento não incluindo no rol;
4) Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol, pode haver, a título excepcional, cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente desde que: a) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao rol da saúde complementar; b) Haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da Medicina baseada em evidencias; c) Haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros, tais como Conitec e NatJus; d) Seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrados com entes ou pessoas com expertise técnica na área de saúde, incluída a comissão de atualização do rol de procedimentos em saúde suplementar, sem o deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
O posicionamento do STJ é permeado por fundamentos de economia e leva em consideração a relação de viabilidade de todo o sistema de saúde complementar, como se pode ver do voto-vista do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva:
“A higidez do sistema de saúde suplementar depende da segurança jurídica, da boa-fé e de relevantes trocas de informação entre todos os atores envolvidos no setor. A adoção de um rol exemplificativo sem estudos e adaptações normativas que devem advir das funções legislativa e executiva do Estado pode causar disfunções aptas a erodir a própria prestação do serviço assistencial”.1
No entanto, como se pode ver, há brechas que permitem que os juízes e tribunais ainda continuem a determinar a realização e cobertura de tratamentos fora do rol da ANS. E isso vem se verificando com frequência.
Importante dizer, não é qualquer tratamento que vem sendo franqueado pelos tribunais, mas aquele que possui prescrição e que tenham eficácia reconhecida, mediante relatório médico.
Essas posições mais garantistas do judiciário representam, do ponto de vista da análise econômica do direito, uma ameaça a todo o sistema de saúde suplementar.
Mas não é só, o STF vem sendo acionado por diferentes agentes, dentre eles partidos políticos (afinal de contas, estamos em ano eleitoral) para que seja derrubado o julgamento de junho. Diante desse cenário, a ANS enviou ao STF uma manifestação dando o (óbvio) alerta: ampliar o leque de procedimentos médicos obrigatórios pode encarecer os produtos para o consumidor final.
“A pretendida natureza declarativa do rol amplia o grau de incerteza em relação aos custos de assistência à saúde porque afeta a identificação a priori dos procedimentos obrigatórios não previstos no rol”, diz a agência. “A consequência é a elevação do nível de preços das novas comercializações a patamares superiores à capacidade de pagamento de potenciais consumidores”.
A conclusão é evidente, como diz o saber popular “não existe almoço de graça”. Assim, a continuidade de se obrigar o custeio de procedimentos não originalmente amparados pelos contratos de seguro levarão ao inevitável aumento dos valores das prestações.
Isso causará um agravamento de um cenário já crítico: pesquisa recente da ANAB (Associação Brasileira das Administradoras de Benefícios) revela que 47% dos brasileiros precisaram fazer ajustes no orçamento para manter um plano de saúde, porém, muitos não conseguiram.
Tentando contornar as discussões no Judiciário e ganhar projeção antes das eleições sem demonstrar muita preocupação com a relação de equilíbrio econômico e viabilidade das empresas do ramo, encontra-se em trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL 2033/22) que estabelece hipóteses de cobertura pelas operadoras dos planos de saúde de tratamentos médicos não incluídos no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Entre os pontos da regulamentação, a proposta determina que a lista de procedimentos e eventos cobertos por planos de saúde será atualizada pela ANS a cada incorporação. O rol servirá de referência para os planos de saúde contratados desde 1º de janeiro de 1999.
Quando o tratamento ou procedimento prescrito pelo médico ou odontólogo assistente não estiver previsto no rol, a cobertura deverá ser autorizada se: existir comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; existir recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; existir recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
O PL está sendo feito a toque de caixa, com a justificativa de que “devido à urgência do tema e necessidade de rápida resposta do parlamento a questão, não foram realizadas audiências públicas”,2 fica claro que as discussões poderiam ter sido mais abrangentes.
É preciso se encontrar uma solução que abarque os anseios de todos, sem deixar as expectativas do segurado de lado, mas viabilizando, ao mesmo tempo, a perpetuação do fornecimento desse serviço do qual a população necessita tanto.
____________________
Referências
________________________________________
1. REREsp 1.886.929
2. Justificação do texto do PL – em original