MUNTANGE1
Tudo aconteceu através de um passeio de bonde.
Dois antigos jogadores do Centro Sportivo Alagoano
(Polichinelo – Odulfo Ribeiro – e Virgílio de Brito),
fizeram uma companha para construção de um campo.
O sonho dos jogadores era transformar
o terreno onde ficava o Grande Ponto Parque
em um estádio do Muntange, que hoje é um marco.
O bairro é acordado toda manhã pelo trem,
que vai levando esperança e deixando um amém.
Seus morros históricos avistam a lagoa Mundaú.
Hoje a Avenida Major Cícero de Góes Monteiro
faz o bairro pulsar. Tudo passa por ela:
as histórias e os folclóricos sonhadores .
Ari Lins Pedrosa
Maceió é uma das capitais mais lindas do Nordeste. Carinhosamente chamada “Caribe Brasileiro”, se destaca no litoral por suas paisagens estonteantes, que seduziram os navegadores europeus, quando encontram a terra que viria a ser o Brasil. Local que abrigou Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Raquel de Queiroz, sendo um verdadeiro tesouro cultural de nosso país.
Porém, como uma grande marca das colônias, logo se descobriu um grande potencial extrativista na região. Maceió é o centro econômico e administrativo do Estado do Alagoas, no “extremo” Nordeste brasileiro, em uma região que foi colonizada já nos anos 1600 e, seguindo a regra geral do período colonial, foi um local de muita exploração e violência contra os povos originários.
Atualmente, é uma cidade com quase um milhão de habitantes, que vem em franco crescimento. Explorando desde o turismo até o cultivo de cana-de-açúcar, possui um setor industrial potente, bem como um grande potencial para atividade extrativista, destacando-se a exploração de “sal-gema”.2
O “sal-gema” é uma espécie de sal mineral que é encontrado no subsolo de algumas regiões. A sua extração se dá através de abertura de poços com a injeção de água, que dissolve o sal e cria uma espécie de salmoura, que posteriormente pode ser utilizada na fabricação de PVC’s, soda cáustica, cloro e outros produtos.3
Esse grande potencial mineral não foi ignorado, muito pelo contrário, foi amplamente explorado pela empresa BRASKEM e outras empresas desde os anos 1970. Segundo informações de sua página oficial, a Braskem S.A. é uma empresa criada no ano de 2002, pela fusão das empresas Copene, OPP, Trikem, Proppet, Nitrocarbono e Polialden, em uma espécie de desdobramento da Odebrecht, em um processo que teria começado já nos anos 1970.4
De acordo com as suas informações, é a maior empresa petroquímica das Américas e a 6ª maior do mundo, sendo líder na produção de resinas termoplásticas (PE+PP+PVC). Ou seja, com certeza uma corporação gigante.
A Braskem é a última empresa responsável pela extração de sal-gema em Maceió, no Alagoas. Diz-se a última, porque as minas foram exploradas por mais de quarenta anos, tendo como princípio em 1976, pela empresa Salgema Indústrias Químicas, sendo que a extração foi interrompida em 2019. Considerando que a extração do sal ocorre a nível de subsolo, a medida que a retirada do minério avança vão se criando “cavernas” subterrâneas, ou seja, porções de solo, antes preenchidas pelo sal-gema, ficam “ocas”. A atenuação do impacto estrutural dessa atividade econômica se dá pelo preenchimento dessas cavernas, reintegrando a estrutura do solo.
Contudo, desde 2018, a capital do Alagoas, principalmente nas regiões dos bairros do Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Muntange e Farol, começaram a registrar pequenos abalos sísmicos, que eram sinais do colapso das galerias que se formaram pela exploração de sal-gema. Então, em 29 de novembro desse ano, a Defesa Civil emitiu um alerta de possível colapso da região, forçando a evacuação de mais de sessenta mil pessoas, que agora estão sem os seus imóveis e onde morar, tendo sido decretada situação de emergência.
Ao que parece, o destino da região tem duas opções: uma acomodação gradual, em que o solo simplesmente se ajustaria lentamente com o tempo; uma acomodação abrupta, ou seja, o colapso total da região com a posterior acomodação do solo. Seja como for, a receita para o desastre foi seguida à risca.5
As autoridades políticas estão visivelmente perdidas. Inicialmente, parece que existe um acordo entre Braskem e Prefeitura Municipal de Maceió, firmado em julho desse ano, em que a Braskem indenizou o Poder Público local, em troca de quitação de qualquer dano, bem como com a transferência do dever de indenizar ao Município.6 Inobstante esse acordo já esteja em revisão, pelo absurdo que representa frente à catástrofe atual, já se mostra um péssimo começo entre empresa e Poder Público.
O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas multou a Braskem em setenta e dois milhões de reais, pela omissão de informações referentes a movimentações sísmicas das minas.7 O Governo do Estado do Alagoas reagiu colocando a culpa no Prefeito e na Braskem.8
O Congresso Nacional vacila na criação da CPI, para a apuração dos fatos. Vale lembrar que a Braskem possui contratos e relações comerciais muito ativas com a Petrobrás. Muito do setor petroquímico brasileiro passa pela Braskem, até pela sua proximidade com a própria Odebrecht.
Diante disso, já começam a surgir notícias da participação da Braskem nas eleições federais no Brasil. Ao que parece, a empresa possui um histórico de amplas doações de campanhas, o que pode lhe garantir certo protagonismo no Congresso Nacional.9
Muitas interrogações circulam os fatos, que estão distantes de uma elucidação completa. Porém, o cenário é desastroso: pessoas foram subtraídas de suas casas, pela exploração negligente de sal-gema durante quarenta anos. Agora, diante da crise, surge um jogo de “empurra-empurra” da responsabilidade, em que a empresa se justifica afirmando que sempre cumpriu a legislação e demonstrando profunda preocupação com as pessoas afetadas, mas sem uma solução concreta à vista.
Acontece que a Braskem não é uma empresa qualquer, que luta para se manter no mercado, mesmo em meio à crise. Trata-se de um gigante do setor petroquímico que, segundo consta em sua página oficial, possui um setor completo de ESG, comprometido com os ODS’s, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, criado pela Agenda 2030, gabando-se de seu compromisso com a comunidade e a sustentabilidade ambiental.
Contudo, para onde foi essa promessa em Maceió? Qual explicação a Braskem poderá dar as famílias afetadas e a toda economia local, pela sucessão de falhas (talvez nem todas da Braskem), que levaram ao colapso do solo urbano em bairros da capital nordestina? Essas e muitas outras perguntas terão que ser respondidas pelos responsáveis, a fim de se criar um cenário de reparação a todos os afetados, e a conta não pode ficar somente para o Poder Público (que deverá responder pela sua fatia de culpa, mas não por todo o dano causado).
Embora não se tenha como saber o real funcionamento do setor de ESG da Braskem, até porque muitas informações estão sob sigilo empresarial, é evidente que o departamento falhou.
Do ponto de vista ambiental, não há nem o que se dizer. Sem meias palavras: a exploração desenfreada de sal-gema destruiu a região afetada em Maceió, desfigurando todo o meio ambiente local.
Sob o ângulo social, o próprio jogo de “empurra-empurra” de responsabilidade e a falta de posições firmes e claras das partes envolvidas, já mostram que a menor das preocupações são as famílias afetadas. Controlar a reação do mercado, frente a essa crise, parece ser prioridade.
Por fim, no aspecto da governança, se considerado válido o acordo entre Braskem e Prefeitura Municipal de Maceió, firmando em julho de 2023, os juristas por trás desse documento são brilhantes. Isso porque, o ajuste preserva a empresa e joga o compromisso para o Município, enquanto a Braskem segue sua vida. Contudo, não é o cenário que está se mostrando, visto que os órgãos estão questionando esse acordo e a Braskem já se prepara para guerra.10
O mercado reagiu e a Braskem já foi excluída do Índice de Sustentabilidade Empresarial concedido pela B3, em que são listadas empresas comprometidas com práticas sustentáveis e de preservação do meio ambiente. Ainda, houve uma queda significativa no valor de mercado da empresa, porém, já vem demonstrando uma melhora.11
Diante de tudo isso, a Braskem se soma a mais um dos estudos de caso que servem para comprovar a vital importância dos setores de compliance e ESG nas grandes corporações. Principalmente, no aspecto em que não basta a sua existência formal, ou seja, no “papel”, mas que devem ser departamentos com poderes de gestão dentro das grandes corporações, em que seus pareceres e opiniões sejam respeitados, ouvidos e validados, e não um mero conjunto de frases bonitas em uma aba na página oficial da empresa.
Todas as afirmações feitas nessa coluna foram extraídas de notícias jornalísticas. Talvez, até a próxima coluna a Braskem tenha conseguido esclarecer tudo e feito o melhor por todas as famílias afetadas. Por enquanto, se permanece em compasso de espera, aguardando-se pelos futuros desdobramentos da história.
Como consta na poesia que abre essa coluna, o Bairro Muntange foi construído em torno de sonhos. Passou pelo sonho de um estádio de futebol para o CSA – Centro Sportivo Alagoano – que é a representação dos sonhadores que viveram e vivem da região. Com certeza, nem nos piores pesadelos se imaginava uma catástrofe dessas, mas o desejo é que esses sonhadores encontrem forças para superar essa tragédia.
Última coluna do ano, que é sempre um misto de despedida e um novo começo.
Quero agradecer ao Portal Magis – AGEJ, por esse espaço, e a todos os leitores que engrandecem essa coluna.
Fica o desejo de um Feliz Natal em um próspero Ano Novo para todos nós.
Nos vemos em 2024, como mais tendências em ESG e compliance.
Referências
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