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ADI n. 5.766 – Os honorários sucumbenciais na Justiça do Trabalho e a coisa julgada inconstitucional

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O sistema legal trabalhista brasileiro passou uma significativa reforma no ano de 2017. Entre o impeachment da Presidente Dilma Roussef e o governo “tampão” de Michel Temer foi aprovada a Lei Federal n. 13.467/2013, que veio a ser chamada de Reforma Trabalhista.

Essa reforma promoveu alterações de base na CLT – Consolidação da Legislação do Trabalho. A nova legislação teve início com o envio do Projeto de Lei n. 6.787/2016, pelo próprio Governo Temer. No seu período de sete meses de tramitação, sofreu mais de cem alterações, que refletiram a ascensão de políticas neoliberais de trabalho, e foi divulgada à população como uma reforma que visava garantir a estabilidade econômica e o pleno emprego.1

No campo processual, houve a tentativa de reforma na regra da sucumbência legal, na Justiça do Trabalho. Com efeito, o artigo 791-A, da CLT, conforme redação dada pela Reforma Trabalhista,2 regulamentou a questão dos honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, uma reinvindicação importante e antiga dos advogados. Contudo, o parágrafo quarto desse artigo dizia que em caso de sucumbência recíproca (em que ambas as partes ganham alguns pedidos e perdem outros), os créditos do empregado, oriundos da Reclamatória Trabalhista, poderiam ser utilizados para pagar os honorários sucumbencias da parte contrária:

CLT. Artigo 791-A. […] § 4o Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.   

Na realidade, a nova legislação criou um modelo de distribuição de sucumbência, em que o reclamante perderia a presunção de hipossuficiência, em caso de perda da reclamatória trabalhista. Um breve exemplo: um empregado entra com uma ação na Justiça do Trabalho, requerendo: horas-extras, adicional de insalubridade, dano moral por algum tipo de assédio e integração salarial de comissões pagas por fora, ou seja, sem registro em contracheque. A ação chega ao seu desfecho e o autor consegue vencer apenas os pedidos de horas-extras e adicional de insalubridade, restando sucumbente no pedido de dano moral e integração salarial de comissões.

Nesse cenário, o autor perdeu metade dos seus pedidos. Segundo a proposta da Reforma Trabalhista, o autor deveria pagar ao advogado da empresa Reclamada, de 5%-15% sobre os valores dos pedidos perdidos, a título de honorários advocatícios. Até então normal, semelhante à regra cível; contudo, o artigo 790-A, §4º, da CLT, autorizava que os créditos que o autor recebeu, por sua vitória na ação, fossem utilizados para pagar o advogado da empresa, mesmo se a parte fosse beneficiária da gratuidade da justiça, surgindo um cenário em que o autor da ação, mesmo vencedor, nada recebesse.

Isso criou um alvoroço muito grande na advocacia de empregados, e tornou mais confortável a advocacia patronal. Daquele momento em diante, o reclamante assumiu pessoalmente o risco do processo, o que inibiu a propositura de reclamatória trabalhistas. Inclusive, esse fenômeno gerou o debate do possível fechamento de varas do trabalho, que contavam com baixa distribuição de demandas novas.3

Esse regime híbrido de distribuição de sucumbência foi parar no Supremo Tribunal Federal, na ADI 5.766. Nela, se discutiu a constitucionalidade do artigo 790-A e artigo 790-B, ambos da CLT, inseridos pela Reforma Trabalhista. Basicamente, o regime de honorários de sucumbência da Justiça do Trabalho foi submetido ao exame de constitucionalidade.

A ação foi distribuída ainda em 2017, mas não teve liminar deferida. Então, em 2021, foi finalizado o julgamento da ADI n. 5.766, declarando inconstitucional a perda de presunção de hipossuficiência do empregado, em razão da sucumbência em Reclamatória Trabalhista:

Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.467/2017. REFORMA TRABALHISTA. REGRAS SOBRE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE ÔNUS SUCUMBENCIAIS EM HIPÓTESES ESPECÍFICAS. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, ACESSO À JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE SOCIAL E DIREITO SOCIAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA. MARGEM DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CRITÉRIOS DE RACIONALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. É inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário. 2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese. 3. Ação Direta julgada parcialmente procedente. (ADI 5766, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/10/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084  DIVULG 02-05-2022  PUBLIC 03-05-2022).

Acontece que, entre a Reforma Trabalhista em 2017 e o julgamento da ADI 5.766, pelo STF, em 2021, vigorou um regime de distribuição de honorários sucumbenciais inconstitucional. Muitos Juízos de primeiro grau e Tribunais Regionais do Trabalho mantiveram a suspensão da exigibilidade dos honorários sucumbenciais, usando de algumas ferramentas legais, para afastar a vigência dos artigos 790-A e 790-B, da CLT, em especial, a declaração incidental de inconstitucionalidade, em sede de controle difuso.

Contudo, alguns outros Magistrados deram vazão a regra legal, e possibilitaram que muitos advogados patronais recebessem seus honorários advocatícios, por meio de créditos recebidos pelo Reclamante na própria reclamatória trabalhista, ou até em outro processo.

Inicialmente, é de ficar claro que o Supremo Tribunal Federal não declarou inconstitucional a possibilidade de o patrono da parte reclamada receber honorários sucumbenciais. Com efeito, a regra atual (de acordo com o STF) da Justiça do Trabalho é similar à regra cível, ou seja, a concessão da gratuidade da justiça suspende a exigibilidade dos honorários sucumbenciais, por até dois anos. Nesse período, se o credor conseguir provar a perda da condição de hipossuficiência, os honorários poderão ser executados, conforme disciplinou o TST.4

Acontece que, essa declaração de inconstitucionalidade pode retroagir, desde o julgamento da ADI 5.766 até o início da vigência da Reforma Trabalhista, e já estão começando a surgir as ações rescisórias com esse fim. O pedido dessas demandas judiciais é que o advogado, recebedor final dos honorários sucumbenciais, seja condenado a devolver o valor pago por força do trecho declarado inconstitucional do artigo 790-B, da CLT.

Por muito tempo se discutiu a possibilidade de desconstituição da coisa julgada, por posterior declaração de inconstitucionalidade da base legal da sentença/acórdão, tendo em vista as questões de segurança jurídica. Inclusive, tem uma obra de Luiz Guilherme Marinoni5 em que o autor brilhantemente discute esse ponto.

Contudo, o advento do CPC de 20156 acalmou esse debate, através do artigo 966, V, do CPC, bem como, do artigo 525, §§12º e 14º, que consideram inexigível o título executivo judicial, fundado em Lei ou ato normativo, declarado inconstitucional pelo STF. Em sendo assim, é possível o manejo de Ação Rescisória, contra o advogado da parte contrária, buscando reaver os honorários sucumbenciais pagos, com créditos recebidos pelo Autor, na própria Reclamatória Trabalhista.

A parte Reclamada, em si, não tem relação com o objeto da ação, pois não é ela quem recebeu os honorários sucumbenciais, mas o seu advogado sim, porquanto os honorários sucumbenciais são direito exclusivos do mesmo, nos termos do artigo 22, do Estatuto da OAB.7 Agora, pode ser esperado um grande volume de Ações Rescisórias contra procuradores e seus escritórios, com reclamantes postulando a devolução de valores pagos a título de honorários sucumbenciais, diante do resultado da ADI n. 5.766.

Dessa forma, com um breve aporte em relação a práticas de ESG e compliance, destaca-se que a costumeira insegurança jurídica do Brasil deve ser sempre levada em consideração, em qualquer decisão de cobranças judiciais ou extrajudiciais. No caso, advogados que foram em busca de honorários advocatícios, que eram de seu direito, podem começar a se complicar com Ações Rescisórias em que antigos devedores busquem reaver esses créditos, colocando seus próprios clientes no risco processual, visto que a Lei possibilita a inclusão dos mesmos, no polo passivo da ação, o que não significa que serão condenados, mas estarão expostos à incerteza do judiciário brasileiro.

 

Referências

____________________

1 ROCHA, Cláudio Janotti da. MELO, Francisco Matheus Alves. A reforma trabalhista e o empregado intermitente: instrumento de precarização dos direitos trabalhistas. In. Revista Teoria Jurídica Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 34-61. Rio de Janeiro, jan./jun. 2019. Disponível em: site. Acesso em: 11 set. 2022.

2 site.

3. site.

4. RRAg-20144-37.2018.5.04.0451, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 24/04/2023.

5. MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in)constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada a questão da relativização da coisa julgada. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

5. site.

7. Lei Federal n. 8.906/1994. “Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

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