Inicialmente, observe que o pressuposto de um Estado substancialmente democrático é o dever de tutelar e efetivar o regular exercício dos direitos fundamentais, especialmente, a dignidade da pessoa humana, diante de sua natural importância na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Tal quadro fático normativo é o substrato mínimo que legitima a intervenção estatal na liberdade dos indivíduos, sobretudo, quando se trata de Direito Penal. Afinal, sua interferência é a mais lesiva ao exercício dos direitos fundamentais.
O direito penal, portanto, só pode ser realizado se orientado por um microssistema de princípios constitucionais, o qual tem como principal origem dogmática o garantismo de Luigi Ferrajoli.
O garantismo penal é um discurso dogmático que busca legitimar a punição estatal justamente por impor limites a seu exercício, conciliando em máxima escala os poderes punitivos estatais com a proteção aos direitos fundamentais, o que efetivamente se observa ao estudar os princípios constitucionais penais.
Assim, as premissas dogmáticas do garantismo orientaram o microssistema de princípios constitucionais penais. Basta ver que há na Constituição da República de 1988 duas previsões ao princípio da legalidade, uma em sentido amplo e outra especificamente em matéria penal. Afinal, para o garantismo penal o princípio da legalidade é o ponto de partida de um Estado Democrático de Direito à medida que condiciona e limita o arbítrio estatal ao tutelar os direitos fundamentais.
O princípio da legalidade é o princípio dos princípios e sedimenta a força da lei ao determinar que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Logo, o princípio da legalidade, em matéria penal, constitui uma limitação à punição estatal e está previsto tanto na Constituição da República de 1988 como no Código Penal Brasileiro da seguinte forma: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Há de se destacar a rica construção histórica do princípio da legalidade. Roxin ensina que ele remonta aos tempos do iluminismo, sendo encontrado nas Constituições Americanas de 1776 e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa. Além disso, destaca o professor alemão que a máxima nulla pena sine lege foi desenvolvida pelo alemão Feuerbach em 1813, no Código Penal da Bávaro.
Assim, o princípio da legalidade, como não poderia deixar de ser, tem lugar de destaque nos axiomas do garantismo penal, a saber, nulla poena sine crimine, nullum crimen sine lege.
Do princípio da legalidade em matéria penal surge os seguintes desdobramentos: (a) a proibição de analogia em matéria de incriminação; (b) a proibição da retroatividade da lei mais gravosa; (c) a exigência de determinação e certeza das incriminações (taxatividade) (d) proibição de utilização do direito costumeiro para incriminações.
A analogia é o uso de uma norma prevista no ordenamento que regula uma situação em uma outra circunstância que, muito embora seja semelhante, não foi regulada pela lei. Assim, diante da necessidade de certeza do conteúdo incriminador da norma é vedado o uso de analogia em desfavor do réu.
Na sequência, a proibição de retroatividade da lei mais gravosa é outro desdobramento concretizador do princípio da legalidade, sendo proibido estabelecer a punibilidade de modo retroativo ou aumentar posteriormente uma pena prevista legalmente. Afinal, de nada bastaria a exigência de que o delito esteja previsto em lei, se lei posterior ao fato, mais gravosa, retroagisse para gerar efeitos jurídicos a conduta do agente, o que seria fazer terra arrasada do princípio da legalidade.
Na sequência, há a exigência de determinação e certeza das incriminações porque leis indeterminadas não permitem que se reconheça o conteúdo do injusto, de modo a orientar a conduta do cidadão, garantir segurança jurídica e limitar o poder punitivo estatal.
Além disso, o princípio da culpabilidade pressupõe a determinação de certeza das incriminações, porque não se censura uma pessoa por seu comportamento quando ela não conhece o caráter punível dele antes de praticá-lo.
O princípio da legalidade ainda veda o uso dos costumes para incriminações.
Assim, muitos autores costumam sintetizar os postulados e desdobramentos do princípio da legalidade pelo seguinte brocardo latino nullum crimem sine lege certa, praevia, scripta e stricta.
Roxin destaca que justamente por ser um princípio limitador da atividade punitiva Estatal, os regimes ditatoriais e totalitários, de que são exemplos o Nacional-Socialismo e os regimes Socialistas não democráticos, costumam o afastar ou distorcer conforme os fins de suas ideologias.
De outro lado, também faz parte deste microssistema o princípio da intervenção mínima (ultima ratio), o qual é tratado por Luigi Ferrajoli pelo axioma “nulla lege poenalis sine necessitate”.
O princípio da intervenção mínima orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes. Ademais, se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável.
Vale observar, entretanto, que, como denunciado por Silva Sanches, o direito penal vem deixando de lado o princípio da intervenção mínima e aumentando significativamente o espectro punitivo. Isso se se pode ver com o fenômeno da administrativização do direito penal, de que é reflexo a regulamentação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais, bem como outros tipos de delitos do denominado direito penal econômico.
Na sequência, como desdobramento lógico do princípio da intervenção mínima, há o princípio da fragmentariedade cujo conteúdo semântico é que a tutela penal é seletiva. É dizer, o direito penal não tutela todos os bens jurídicos, mas somente aqueles de significativa importância para a sociedade.
Vale destacar, por fim, que Muñoz Conde apresenta três aspectos do princípio da fragmentariedade, a saber, a imposição de que ele defenda o bem jurídico somente contra-ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da prática imprudente de alguns casos, tipificando somente parte das condutas que outros ramos do direito consideram ilícitas e deixando de punir ações que possam ser consideradas como imorais, tal como a mentira.
Finalmente, ainda fazem parte do microssistema de princípios constitucionais penais, os princípios da dignidade da pessoa humana, da culpabilidade, da lesividade e a intranscendência das penas.
O princípio da dignidade da pessoa humana extrai-se da máxima Kantiana de que o homem é um fim em si mesmo, não podendo ser usado como meio. Já o princípio da culpabilidade (nullum crimem sine culpa), em síntese apertada, veda a responsabilidade penal objetiva do agente, sendo punível apenas as sanções que estejam alcançadas por um mínimo extrato subjetivo (dolo ou culpa). O princípio da lesividade determina que somente são puníveis ações que coloquem em risco real de dano bens jurídicos penalmente tutelados. Já o princípio da intranscendência das penas veda que a pena passe da pessoa do condenado.
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