Afinal, quem paga a conta? Dos direitos de personalidade ao lucro da intervenção

Afinal, quem paga a conta? Dos direitos de personalidade ao lucro da intervenção

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O ator Caio Castro foi o pivô de uma “polêmica” nas últimas semanas, noticiada, principalmente nos portais de fofoca: demonstrou, em um podcast, certo desconforto ao pagar a conta sozinho em seus encontros.

A declaração pode soar inofensiva e ser entendida apenas como o exercício do seu direito constitucional da liberdade da expressão, mas seus desdobramentos invocam questões jurídicas, do ponto de vista do Direito Civil, que devem ser analisadas sob a luz da jurisprudência recente e dos avanços doutrinários, em especial relacionados aos direitos da personalidade e à responsabilidade civil.

Isto pois muitas empresas se aproveitaram do momento e lançaram campanhas “humoradas” envolvendo a polêmica, se utilizando da imagem do ator para impulsionar o alcance de potenciais consumidores e, logo, vislumbrarem aumento significativo nas vendas. O ator, não satisfeito com a utilização de sua imagem sem autorização, anunciou que iria ajuizar ações em face das empresas.1

Nesse sentido, é importante destacar que a pretensão do autor possui respaldo jurídico, pela violação ao seu direito de imagem e sua honra (artigo 20 do Código Civil), de forma em que: a) o ator não autorizou a veiculação de sua imagem para utilização em campanhas publicitárias; b) o conteúdo jocoso contido nas publicidades (as quais indicam que o ator seria “pão-duro”) atingem e refletem de forma negativa em sua honra.

Logo, perceptível é que os direitos da personalidade do autor encontram-se manifestamente violados, daí o porquê de sua pretensão autoral ter respaldo jurídico, tanto pelo caminho das obrigações de não fazer quanto pela indenização através da responsabilidade civil.

Inclusive, o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça é de que se o ofensor auferir lucros com imagens de terceiros (seja pessoa pública ou não), deverá ele ressarcir o ofendido pelo uso não consentido de sua imagem, a teor da Súmula 403/STJ.

Nesse sentido:

Assim, se é utilizada imagem de uma pessoa – seja pública ou não –, com intuito jocoso, ofendendo, em princípio, sua dignidade humana e sua honra, temos que a liberdade de expressão deve dar espaço aos direitos da personalidade, que devem prevalecer, sendo que o ofendido poderá manejar ação de reparação por danos morais.2

A discussão, contudo, pode ainda ser estendida para a aplicação da figura do lucro da intervenção, que significa “o lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa”,3 sendo a vantagem de cunho patrimonial obtida com base em direito alheio.

Ora, é nítido, sob o espectro analítico do direito civil, que as empresas (em sua maioria, restaurantes) estão a obter lucros com base no uso indevido das imagens do ator, sendo que o mesmo não autorizou a veiculação de sua imagem em nenhuma campanha publicitária. Afinal, considerado o status de vulnerabilidade do consumidor, não é razoável entender se o ator consentiu ou não em participar de determinado anúncio, podendo levar tanto ao engano de que Caio Castro estaria recomendando um restaurante quanto ao entendimento de que o ator consentiu em participar da publicidade de forma bem-humorada.

O ponto fulcral, contudo, é de que, com base na violação do direito alheio (direitos da personalidade: imagem, honra e dignidade), as empresas estão obtendo vantagem patrimonial, o chamado enriquecimento ilícito, rechaçado pelo Código Civil em seu artigo 884.

O lucro da intervenção ganhou destaque jurisprudencial no Recurso Especial nº 1.698.701/RJleading case da temática no Brasil, em que uma empresa de cosméticos utilizou da imagem da atriz Giovanna Antonelli, sem a sua autorização, para uma campanha publicitária de um produto.

A atriz requereu pela via judicial a compensação pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos, bem como a restituição dos lucros da intervenção auferidos pela empresa-ofensora.

Em breve contextualização do decisum, o voto do Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva destaca que a mera indenização dos danos causados seria insuficiente quando na hipótese do lucro obtido pelo ofensor superar tal valor, sendo possível a condenação do ofensor nos lucros auferidos com base na intervenção sob o direito alheio.4

Situação congênere refere-se ao caso do ator norte-americano B.J. Novak, conhecido pela aclamada série “The Office”, que descobriu, de um jeito inusitado, que estampava vários produtos ao redor do mundo (desde perfumes na Suécia a barbeadores elétricos na China), sem receber nenhuma contrapartida financeira para tanto.

Sendo pessoas públicas, de relevante fama e com patente posição de confiança e credibilidade aos seus fãs,5 o impacto das publicidades afeta diretamente a vulnerabilidade dos consumidores no corpo social, considerando, sobretudo, a sociedade hiperconectada por smartphones, razão essa pela qual deve ser inibida a violação dos direitos de personalidade, principalmente pelo caminho do lucro da intervenção, afinal, é justo que a pessoa pública receba determinada porcentagem dos valores obtidos com fulcro na sua própria imagem.

Destarte, considerando o exposto, a controvérsia jurídica muito provavelmente será decidida em favor do ator, que possui escopo legal, doutrinário e jurisprudencial para ter sua pretensão assistida.

A discussão, pelo menos do ponto de vista exclusivamente jurídico, parece responder à polêmica que deu origem ao fato: no fim, as empresas irão pagar a conta.

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Caio César do Nascimento Barbosa

 

Referências

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1. FOLHA DE SÃO PAULO. Caio Castro vai processar empresas que usam sua imagem sem autorização. Disponível em: https://bit.ly/3BMRcau. Acesso em: 05 de agosto de 2022.

2. BARBOSA, Caio César do Nascimento. Memes e Direito Civil: Aspectos Controvertidos. Magis – Portal Jurídico. Disponível em: https://bit.ly/32jtbII. Acesso em: 12 ago. 2022.

3. SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil e enriquecimento sem causa. São Paulo: Atlas, 2012, p. 7.

4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.698.701/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julg. 02 out. 2018, Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 08 out. 2018. Disponível em: https://bit.ly/31NgMMu. Acesso em: 01 nov. 2021.

5. Nesse sentido: BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais em tempos de coronavírus. Impactos Do Coronavírus No Direito: Diálogos, Reflexões E Perspectivas Contemporâneas – Volume II. Belo Horizonte: Editora Newton, 2022.

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