Agravo de Instrumento e Prescrição: Limites e Possibilidades

Agravo de Instrumento e Prescrição: Limites e Possibilidades

Proporcionalidade

O Código de Processo Civil (CPC) permite que o julgador decida de forma parcial o mérito da demanda, conforme comando previsto no art. 356 do diploma legal. Com isso, primeiramente, é preciso compreender do que se trata a resolução do mérito, resposta que o próprio CPC traz nos incisos do art. 487.1

A prescrição é uma destas possibilidades elencadas, em que o juiz irá resolver o mérito do processo, mesmo que parcialmente, face à interpretação sistemática dos referidos artigos. Todavia, a dúvida estabelece-se quanto à forma de impugnação recursal desta decisão parcial, à medida que não há disposição literal na legislação sobre o tema.

Assim, o presente ensaio busca analisar, de forma sumária, a possibilidade de interposição do recurso de Agravo de Instrumento diante da decisão parcial de mérito que reconhece a prescrição de parte da demanda. Amparado pelo método descritivo, objetiva-se traçar um panorama geral sobre o tema na legislação e jurisprudência no contexto pátrio.

Inicialmente, observa-se que cabimento do recurso de Agravo de Instrumento2 demanda a ocorrência de alguma das hipóteses elencadas no art. 1.015, do CPC. Salvo a incidência de um daqueles incisos “taxativos”, a discussão é postergada para preliminar de Apelação ou de Contrarrazões, conforme prevê o art. 1.009, §1º, do CPC. Essa possibilidade, acrescentada em dispositivo de redação singela, encontra suas críticas doutrinárias, como a de Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Jr.:3

A singeleza do texto normativo, que simplesmente fala em “suscitar” na apelação ou nas “contrarrazões”, valendo-se do jargão utilizado pela prática forense para referir-se à conduta que a parte tinha de tomar para ratificar o agravo retido que interpusera sob o regime do Código de Processo Civil de 1973, revela que a redação do dispositivo foi elaborada sem a devida reflexão

Outra opção é seguir pelo caminho tortuoso da taxatividade mitigada, consolidada com o polêmico Tema 988 do Superior Tribunal de Justiça.4 Essa hipótese demandará um maior ônus argumentativo do recorrente, que deverá demonstrar a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão apenas no recurso de Apelação.

Contudo, o questionamento se estabelece a partir do momento que a decisão interlocutória acolhe parcialmente a prescrição. Pode-se restringir em dois caminhos possíveis para a parte que poderá encontrar amparo em algum dos incisos do art. 1.015 ou deverá recorrer sob o fundamento da urgência de enfrentamento.

A resposta está na essência do reconhecimento da prescrição,5 que é um pronunciamento de mérito. Assim o é porque, como bem lembra Araken de Assis, não é apenas do autor a iniciativa de definir o objeto litigioso, ao que também contribui o Réu, alegando a prescrição da pretensão autoral.6 O próprio Autor7 assevera que:

Deixando à parte a formulação de pedido pelo réu (reconvenção), o oferecimento de exceção substancial (v.g., a prescrição), alarga o objeto do processo, introduzindo questão de mérito. Essa questão será objeto de julgamento, em qualquer sentido, e se revestirá da autoridade da coisa julgada (art. 503, caput).

Prescrição é, inegavelmente, matéria atrelada ao mérito, uma vez que está relacionada ao objeto do processo, que não é apenas o pedido autoral, mas tudo aquilo que deve o juiz decidir. Sobre isso, remete-se ao “Conceito de Mérito em Processo Civil” do Professor Cândido Rangel Dinamarco,8 o qual é tema de diversas teorias e correntes doutrinárias.9

Na atualidade, não há grandes controvérsias sobre a temática especificamente, uma vez que o CPC considera como mérito o provimento que decide sobre prescrição e decadência, o que fica claro, como já referido, com a redação do art. 487, inciso II, da lei processual civil.

Por isso, a decisão cabível contra o reconhecimento de prescrição em decisão interlocutória proferida no curso do processo é o Agravo de Instrumento. Inclusive, já foi assim reconhecido no Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC (redação revisada no Fórum III-RIO): ” A decisão parcial proferida no curso do processo com fundamento no art. 487, I, sujeita-se a recurso de agravo de instrumento”.10

O Superior Tribunal de Justiça adotou semelhante entendimento, decidindo que “caso a prescrição seja decidida por interlocutória, como ocorre na espécie, o provimento deverá ser impugnado via agravo de instrumento”.11 Por outro lado, “se a questão for definida apenas no âmbito da sentença, pondo fim ao processo ou a capítulo da sentença, caberá apelação nos termos do art. 1.009 do CPC”.12

O Recurso Especial n. 1.778.237/RS, do qual foram extraídos os trechos acima, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 19/2/2019, permite uma ampla compreensão, pois descreve de forma profunda os detalhes sobre o tema.

Deste modo, dentro do que foi explorado neste estudo, considera-se o entendimento acertado. As decisões sobre prescrição impactam profundamente inúmeros processos que estão tramitando, sendo assunto de suma importância para o direito processual, bem como para todos os profissionais do Direito. A discussão, de impacto gravíssimo, acerca da prescrição, necessita ser analisada em segundo grau sem prejuízo temporal, à medida aguardar a preliminar de Apelação, traria impactos significativos na marcha processual.

 

Referências

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1. “Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III – homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1º do art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se.

2. Humberto Theodoro Jr. O descreve como sendo “[…] o recurso cabível contra algumas decisões interlocutórias (NCPC, art. 1.015, caput), ou seja, contra os pronunciamentos judiciais de natureza decisória que não se enquadrem no conceito de sentença (art. 203, § 2º). THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 51. ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. cap. 27. v. 3. E-book (não paginado). Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530979270/cfi/6/32!/4/8@0:18.3. Acesso em: 15 jul. 2024. Guilherme Christen Möller reflete que “[…] historicamente, a figura do agravo de instrumento é consideravelmente antiga. Um possível ponto de partida é o período da extraordinaria cognitio, do direito romano, em que as primeiras distinções entre as decisões judiciais, ou seja, se sentença, ou se interlocutória, apareceram. Avançando-se – e de maneira considerável – no lapso temporal da história dessa espécie recursal, outro ponto interessante são as Ordenações Manoelinas, em que se encontra a base do que se conhece por agravo de instrumento na atualidade. MÖLLER, Guilherme Christen.  Agravo de instrumento, taxatividade do rol do art. 1.015 do CPC e a tese da taxatividade mitigada. In: MÖLLER, Guilherme Christen; RIBEIRO, Darci Guimarães (Org.). Teoria crítica do processo: primeira série. 1 ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, v. 1, p. 168-169.

3. CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JUNIOR, Fredie. Apelação contra decisão interlocutória não agravável: a apelação do vencido e a apelação subordinada do vencedor. Revista dos Tribunais, São Paulo/SP, v. 241, p. 1-9, mar. 2015.

4. O referido Tema submeteu a seguinte tese para julgamento “definir a natureza do rol do art. 1015 do CPC/2015 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos do referido dispositivo do Novo CPC.” A tese firmada pela Corte, assim, seguiu resumida pela disposição de que “o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema Repetitivo 988. Definir a natureza do rol do art. 1015 do CPC/2015 […]. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2018]. Disponível em: link. Acesso em: 17 jul. 2024.

5. Como bem cunhou José Carlos Barbosa Moreira: “O que a prescrição faz é dar ao devedor um escudo com que paralisar, caso queira, a arma usada pelo credor”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre pretensão e prescrição no sistema do Código Civil Brasileiro. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Editora PADMA, v. 11. Jul/set 2022. Disponível em: link. Acesso em 30 jul. 2024.

6. ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro, volume II: parte geral: institutos fundamentais: tomo II. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.032.

7. ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro, volume II: parte geral: institutos fundamentais: tomo II. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.032.

8. DINAMARCO, Cândido Rangel. O Conceito de Mérito em Processo Civil. In: “Fundamentos do Processo Civil Moderno”, t. I. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 233-276.

9. Para uma síntese das teorias desenvolvidas acerca da conceituação de mérito no Direito estrangeiro e brasileiro, também indispensável consultar WILD, Rodolfo. O Princípio do Livre Convencimento Motivado no CPC/2015. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.

10. FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS (FPPC). Enunciados do fórum permanente de processualistas civis. Florianópolis, 24, 25 e 26 mar. 2017. Disponível em: link. Acesso em: 30 jul. 2024.

11. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso Especial nº 1.778.237 Rio Grande do Sul. Recurso Especial. Processo Civil. Decisão Interlocutória que afasta a prescrição. Decisão de mérito que desafia o recurso de agravo de instrumento. Art. 487, II, C/C Art. 1.015, II, do CPC/15. 1. Segundo o CPC/2015, nas interlocutórias em que haja algum provimento de mérito, caberá o recurso de agravo de instrumento para impugná-las (art. 1.015, II) […]. Recorrente: Redomarco de Carvalho. Recorrido: Joao Francisco Dreyer; Joao Walter Dreyer Filho. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 19 de fevereiro de 2019. Disponível em: link. Acesso em: 30 jul. 2024.

12. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso Especial nº 1.778.237 Rio Grande do Sul. Recurso Especial. Processo Civil. Decisão Interlocutória que afasta a prescrição. Decisão de mérito que desafia o recurso de agravo de instrumento. Art. 487, II, C/C Art. 1.015, II, do CPC/15. 1. Segundo o CPC/2015, nas interlocutórias em que haja algum provimento de mérito, caberá o recurso de agravo de instrumento para impugná-las (art. 1.015, II) […]. Recorrente: Redomarco de Carvalho. Recorrido: Joao Francisco Dreyer; Joao Walter Dreyer Filho. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 19 de fevereiro de 2019. Disponível em: link. Acesso em: 30 jul. 2024.

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Afonso Vinício Kirschner Fröhlich: Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Bacharel em Direito pela mesma Universidade. Especialista em Direito e Negócios Imobiliários pela FMP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Pesquisador dos Grupos de Pesquisa “Teoria Crítica do Processo: perspectivas hodiernas do Processo Civil em relação à Constituição, cultura, democracia, inteligência artificial e Poder”, coordenado pelo Prof. Dr. Darci Guimarães Ribeiro; e JUSNANO, coordenado pelo Prof. Dr. Wilson Engelmann, ambos vinculado ao Programa de Pós Graduação em Direito da UNISINOS. Advogado sócio do Escritório de Advocacia Afonso Fröhlich Advogados Associados. E-mail: afonsovinicio@afrohlich.adv.br e afonsovkf@gmail.com.

Éverton Luís Marcolan Zandoná: Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (Bolsa PROEX/CAPES). Membro da Escola de Processo UNISINOS e do Instituto von Bülow. Integrante do Grupo de Pesquisa “Teoria Crítica do Processo” (CNPq), coordenado pelo Prof. Dr. Darci Guimarães Ribeiro. Advogado. E-mail: evertonz21@hotmail.com.

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