A crescente adaptação na proteção de dados demanda, cada dia mais, necessidade de se atualizar e acompanhar a agenda dos principais agentes dentro desse campo.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ou ANPD, tem a cada dia mostrado sua função institucional em contribuir para o alinhamento das diferentes áreas que são afetadas pela Lei Geral de Proteção de Dados. Essa capacidade de alinhamento tem sido mais necessária, principalmente, nas matérias mais controvertidas da LGPD, entre elas está a base legal do legítimo interesse.
As bases legais, previstas no art.7º e 11 da lei, estabelecem quando um determinado tratamento pode ser considerado, inicialmente, lícito. Válido ainda destacar que, para além das bases, é necessário observar os princípios a fim de consubstanciar o que Laura Schertel descreve como condições de legitimidade.1 Dessa forma, os agentes de tratamento devem alinhar seus objetivos institucionais, profissionais com as bases e princípios da lei.
Nem sempre, contudo, essa atividade ocorre da maneira mais simples, uma vez que algumas das bases demandam uma maior análise e controle dos processos, a fim de evitar danos aos titulares. É o caso do legitimo interesse.
Sua própria definição, em caráter aberto, evidencia sua elasticidade que deve ser balanceada por outros interesses que não o do controlador, tendo em vista que a lei busca garantir um fluxo de informações que respeite os titulares. Dessa forma, o art.10 explicita que o interesse do controlador deverá ponderar apenas nas situações concretas, em atividades que promovem seus objetivos, garantindo sempre as legítimas expectativas do titular e suas liberdades e garantias fundamentais.
Ciente das incertezas sobre essa base a ANPD, mediante seu cronograma no item ponto 7,2 endereçou esse tema para o biênio 2023-2024, o que mais tarde foi consubstanciado na Estudo Preliminar sobre o Legítimo Interesse.
O presente Estudo, que ficou aberto a contribuições pelos diferentes atores, endereça alguns pontos interessantes como a orientação aos agentes que a existência de uma relação prévia auxilia enquanto critério para a aplicação da base,3 ou a extensão das orientações à base legal da garantia de prevenção à fraude e à segurança do titular, apesar de esse entendimento vir a limitar essa hipótese a uma base diversa.
Um ponto a ser destacado, contudo, é a apresentação do teste de balanceamento. Segundo o Estudo, ele é uma “avaliação da proporcionalidade com base no contexto e nas circunstâncias específicas do tratamento de dados, levando em consideração os impactos e os riscos aos direitos e liberdades dos titulares”.4
Nele são estabelecidos três fases, quais sejam: i) finalidade, onde é verificado se o interesse é encontrado no ordenamento jurídico, bem como a categoria de dados tratado e possíveis medidas de mitigação; ii) identificar se há outra finalidade, bem como verificar se o objetivo não pode ser alcançado por outras formas menos invasivas; iii) avaliação do impacto das finalidades identificadas sobre os direitos dos titulares, endereçando esses pontos com salvaguardas.
Esse modelo se identifica, de certa forma, com o teste de ponderação apresentado pelo Grupo de Trabalho do Art.29, onde são apresentadas quatro fases.5 Nele as fases são: i) identificar um interesse delineado e não especulativo, verificando se não há legislação não vinculante favorável ao tratamento; ii) avaliar o interesse das pessoas em causa; iii) balancear os resultados e verificar se é necessário a quarta etapa, que seria implementação de salvaguardas para retornar ao equilíbrio entre os interesses do titular e o interesse dos responsáveis pelo tratamento.6
É possível inferir certa inspiração da ANPD nesse teste, como também é perceptível a citação desse Estudo do Grupo de Trabalho do Art.29 sobre o tema. Isso se mostra interessante do ponto de vista de convergência e criação de um espaço comum da proteção de dados entre as diferentes legislações e países. Contudo, vale destacar que o modelo pode ainda melhorar, como separar a terceira fase, conforme o Grupo de Trabalho apresente, na fase de análise dos interesses para depois adicionar a quarta fase de reestabelecimento do equilíbrio.
É certo que, enquanto estudo preliminar, alguns pontos serão revistos pela ANPD, contudo não deixa de asseverar aos agentes de tratamento, que já vinham se adequando, pontos positivos em adotar as orientações do Grupo de Trabalho.
Referências
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1. MENDES, Laura Schertel. Proteção de dados pessoais: fundamentos, conceitos e modelo de aplicação. Privacidade e dados pessoais. CGI.br. Panorama Setorial da Internet, n.2, p.1-7, jun. 2019. Ano 11. Disponível em: site. Acesso em: 25 set 2023.
2. PORTARIA ANPD nº35, de 4 de novembro de 2022. ANPD. Disponível em: site. Acesso em: 25 set. 2023.
3. ESTUDO preliminar – Hipóteses legais de tratamento de dados pessoais legítimo interesse. ANPD. ago 2023, p.7.
4. ESTUDO preliminar – Hipóteses legais de tratamento de dados pessoais legítimo interesse. ANPD. ago 2023, p.16.
5. Grupo de Trabalho do Artigo 29. Parecer 06/2014 sobre o conceito de interesse legítimos do responsável pelo tratamento de dados na acepção do art.7º da Diretiva 95/46/CE. Adotado em 9 de abril de 2014.
6. Tema já trabalhado em uma das colunas, vide KREPKE, André Felipe. A difícil tarefa de ponderar o(s) legítimo(s) interesse(s). Magis Portal Jurídico. Disponível em: site. Acesso em: 25 set. 2023.