Na última matéria, apresentamos a primeira parte do tema proposto. Vimos as primeiras abordagens sobre o tema “arquitetura hostil” e também exemplos de infraestruturas urbanas que evidenciam esta prática.
Assim, partindo do pressuposto de que a implementação destas armações tem como objetivo limitar o acesso e o uso de bens e espaços de circulação públicos, devemos nos questionar sobre as origens e consequências de sua finalidade.
O expoente crescimento demográfico da população urbana e a falta de planejamento ou mesmo o planejamento tardio do solo são um dos principais responsáveis por originar um déficit organizacional e administrativo nas grandes cidades. Por sua vez, essa lacuna vai materializar-se em vários problemas habitacionais, sanitários, de segurança e muitos outros. Em um exemplo mais concreto, quando da utilização e do acesso aos espaços públicos de uma cidade pelos seus cidadãos, também vemos o reflexo destes mesmos problemas.
Em linhas gerais, o exercício da cidadania está vinculado à prática e à garantia dos direitos civis, políticos e sociais de uma pessoa dentro de um Estado-nação. De forma estrita, dentro da área de uma cidade, os cidadãos podem fazer valer seus direitos e deveres no momento em que utilizam seus espaços coletivos. As praças, ruas, passeios, parques e prédios públicos existem para que sejam desfrutados e possam atender às necessidades da população.
Mas a partir do momento em que a fruição destas áreas é limitada ou condicionada a certos padrões de comportamento da coletividade, devemos nos questionar se os indivíduos que não se encaixarem nos formatos pré-determinados estão conseguindo exercer seus direitos como cidadãos.
Neste sentido, fica explícito que as práticas de uma arquitetura hostil inviabilizam ainda mais o exercício pleno dos direitos dos cidadãos. Em resumo, nas palavras da arquiteta e co-fundadora do coletivo “Arquitetas (In)Visíveis”, Luiza Coelho, em entrevista ao portal ECOA do Uol, uma arquitetura hostil é aquela “que se impõe acima do desejo da população, dos usuários daquele lugar. É uma arquitetura que afasta, que não serve como espaço de encontro.”[1]
Ao levar em consideração que na maioria das ocasiões as pessoas que se encontram em situação de rua ou aquelas que tiram seu sustento de serviços prestados no meio das calçadas e praças são as principais destinatárias destas ações, percebe-se que sua realidade social se torna ainda mais indignante.
Como consequência das tentativas de afastamento, percebemos que os ambientes afetados são esvaziados pela população de forma geral. A partir do momento em que as pessoas são repelidas, o local deixa de ser convidativo.
Do mesmo modo, a falta de ocupação e participação popular nos meios públicos traz consigo a sensação de insegurança e de violência. Situação esta que retroalimenta as ações de hostilidade para com todos aqueles que não possuam um fim imediato para ocupar aquele determinado espaço. E neste sentido pontuam Shayenne Barbosa Dias e Cláudio Roberto de Jesus:
“A sensação de insegurança aumenta à medida que não há mecanismo capaz de proteger a integridade do homem. A solução passa a ser uma busca individual por proteção, que reflete na arquitetura da cidade, que atrelada às contradições e hierarquizações sócio espaciais ajudam na desertificação do espaço público.”2
Pode-se concluir que mais uma vez as soluções tomadas, buscam apenas afastar as consequências de problemas que têm suas origens na formação histórica dos centros urbanos e pouco é feito para alcançar o cerne da questão.
De forma complementar, gostaria de destacar aqui o Projeto de Lei nº 488/21 de autoria do Senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que visa alterar o Estatuto da Cidade especificando proibir a adoção de técnicas que caracterizam a “arquitetura hostil”. O Projeto foi devidamente aprovado pelo Senado Federal e agora tramita na Câmara dos Deputados, mas sem previsão de finalização.
____________________
Referências
________________________________________
1. SOUZA, Marcelle. Espetos sob viadutos, grades, muros altos: o que é “arquitetura hostil”? ECOA UOL. 2021. Disponível em : https://bit.ly/30sAooH. Acesso em 15 de dez. de 2021.
2. DIAS, Shayenne Barbosa, JESUS, Cláudio Roberto: Cidade Hostil. Revista GEOgrafias, 2019, p. 48. Disponível em: https://bit.ly/3IVnyAE. Acesso em 26 de nov. de 2021.