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Artigo de opinião: direito e saúde mental

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Setembro Amarelo é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015. A campanha foi desenvolvida a fim de chamar atenção para questão da saúde mental no Brasil em razão dos elevados números de suicídios registrados no país. Diante desse cenário e dos temas abordados nessa coluna, faz-se necessária uma discussão acerca do tópico no que tange a sociedade jurídica.

As graduações são grandes períodos de adequação que exigem transformações intelectuais e pessoais. Apesar de ter um caráter profissionalizante eminente, a faculdade, fundada sobre os pilares do ensino, da pesquisa e da extensão, pretende também formar cidadãos ativos que vão contribuir para o desenvolvimento da sociedade. A faculdade de Direito, em especial, tem uma importante participação nesse processo, tendo em vista que esses profissionais terão a responsabilidade de lidar ativamente com as controvérsias sociais.

Ao se submeterem ao processo de graduação, os estudantes normalmente possuem metas e expectativas de onde querem chegar e quem gostariam de ser quando alcançarem esse lugar imaginário. Alguns pretendem ser juízes, outro delegados, membros do Ministério Público, advogados, professores, entre outros. Cada um desses cargos contém, conjuntamente a sua função, expectativas em relação a uma ideia de um dever ser, uma forma de agir e uma expressão comportamental. É comum que os indivíduos sujeitos a esse processo submetam a sua própria personalidade a esse modus operandi, incorporando características e valores que nem sempre lhe são próprios a fim de buscar essa idealização.

Essa adaptação subjetiva ocorre quase naturalmente. Muitos estudantes vêm de família de juristas e possuem exemplos para se espelhar, outros vêm de famílias em que são os primeiros a ter ensino superior e possuem referenciais externos a serem alcançados. Diversas são as origens, mas sempre há algum tipo de expectativa em torno desse processo. Em retorno a essas expectativas, o indivíduo se molda às condições e oportunidades que a sociedade oferece, sobrepesando as próprias necessidades individuais. Esse fato, por si só, não é patológico, pelo contrário, é necessário em certo ponto para que seja possível a convivência harmônica em sociedade. No entanto, ele pode se tornar um problema dependendo do tipo de pressão exercida sobre o sujeito e a forma com que esse a internaliza.

A realidade do mundo jurídico é extremamente normatizada e rigorosa, afinal, é dela que advém todas as regras cogentes que regulam a vida social. Seus profissionais são regidos por códigos de conduta, com etiqueta de vestuário e exigências de excelência. Há um pesado estereótipo que vai além do público e do profissional associado a cada uma das figuras de poder elencadas, assim como um caminho pré-determinado para alcança-los, traçado pelos professores, coachs, cursos e toda a comunidade jurídica. Para fins de exemplificação, destaca-se o art. 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional que preleciona:

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.1 

O trecho de lei destacado impõe uma norma de conduta com finalidade de distinguir esse sujeito dos demais, qualificando-o para além das expectativas. Se por um lado tal imposição o qualifica, por outro o onera, pois pode reprimir traços espontâneos de sua personalidade.

Ao tentar se adequar a esses padrões é possível que o profissional (ou estudante) internalize essas regras não só a nível profissional, mas também para lidar consigo intimamente, estabelecendo altos padrões de rigor para o seu desempenho.2

O curso em geral não é um dos mais fáceis e conta com grande conteúdo normativo para ser assimilado em um curto período de tempo.  A escassez de vagas resulta em um afunilamento das oportunidades que serão alcançadas pelos poucos que suportarem passar por todo o processo. Para os que pretendem as carreiras públicas, o cenário altamente competitivo dos concursos corrobora para internalização de demandas por produtividade e resultados, associando a reprovação ao fracasso pessoal.

A projeção desse cenário é produtora de angústia naqueles que não estão em conformidade com o ideal profissional. Essa corrida por um ideal as vezes inalcançável gera uma fadiga emocional que pode resultar em diversos problemas psicológicos como transtornos de ansiedade, síndrome de burnout e depressão.

Diante desse contexto, é preciso de perspectiva. Esses ideais de “sucesso”, são apenas ideais. Existem alternativas e possibilidades para atuação profissional do jurista que podem ser mais gratificantes do que o esperado. Um exemplo desse processo é o projeto Direito na Escola. Até pouco tempo atrás, só havia um caminho para os vocacionados para a docência no mundo jurídico, o mestrado. Mas, aproveitando-se de uma carência social, surgiu esse projeto que aglutinou a vontade dos profissionais a uma necessidade. Hoje, já existem leis aprovadas em diversas cidades do Estado incluindo a matéria de introdução ao direito em escolas de ensino médio, com professores contratados.

Todavia, nos casos em que não é possível ter essa perspectiva sozinho, é necessário a ajuda profissional de psicólogos para superar as adversidades. Atualmente existem diversos programas de atendimento gratuito ou a preço social como o @saudementalparatodos_, a própria caixa de atendimento ao advogado da OAB/MG3 e os núcleos de atendimento das faculdades de psicologia.

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Andressa Souza Oliveira

 

Referências

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1. BRASIL, CNJ. Código de Ética da Magistratura Nacional. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3z2SJUJ. Acesso em: 10 set. 2021.

2. BOCK, ANA Mercês Bahia. et al. Psicologias: Introdução ao Estudo da Psicologia. Ed. Saraiva. 13. ed. reformulada e ampliada— 1999.

3. OAB MG. Consultas Online com Psicólogos (exclusiva para advogados inscritos na OAB/MG). 2020. Disponível em: https://bit.ly/2VEri64. Acesso em 10 set. 2021.

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