As astreintes1 consistem em uma “técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa a pressionar o réu para que este cumpra mandamento judicial, sendo a pressão exercida através de ameaça ao seu patrimônio, consubstanciada em multa, fixa ou periódica, a incidir em caso de descumprimento”.2
A natureza jurídica das astreintes é a de sanção processual pecuniária (sanção premial) com efeito material (permanência do estado de mora)3 e natureza inibitória, com o escopo de forçar o devedor a cumprir a obrigação em sua forma específica (fazer ou não fazer).
Sobre a mutabilidade das astreintes, a letra da lei estabelece que a revisão do valor e/ou da periodicidade da multa somente atinge a pena pecuniária vincenda,4 ostentando efeitos ex nunc: somente a multa para o futuro sofre eventuais efeitos de revisão judicial. Mas e as astreintes já aplicadas? Não são passíveis de revisão? Evidentemente que sim, uma vez que a multa em excesso deve ser suprimida,5 de forma parcial ou total.
Diante da não-incidência de coisa julgada material sobre o capítulo do pronunciamento (decisão interlocutória, sentença ou acórdão) que impôs as astreintes ao devedor, o Estado-juiz, ao fixar a medida de apoio, deve obediência aos primados da razoabilidade e proporcionalidade, conforme já decidido pelo STJ: “[o] eg. Superior Tribunal de Justiça firmou orientação de que o exame do valor atribuído às astreintes pode ser revisto quando for verificada a exorbitância da importância arbitrada em relação à obrigação principal, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade” (AgInt no AREsp n. 1.699.793/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., j. 10.10.2022)”.
Por imperativo constitucional (CF, art. 93, IX), e pela própria conformação infraconstitucional (CPC, art. 489), a decisão que fixa a multa ou aquela que a revisa deve ser adequadamente fundamentada, expondo com precisão todos os pormenores que ensejaram a astreinte, e os motivos que nortearam o modo de incidência capaz de demover o executado do estado de inércia: “[n]ão há mais espaço para decisões superficiais, descontextualizadas e despreocupadas em demonstrar por que e com base em quais critérios fora fixada, bem como de que forma restou mantido ou fora reduzido o quantum alcançado pela multa judicial (astreinte)”.6
Afinal, a decisão fundamentada dá realce à razoabilidade e à proporcionalidade, e, ao mesmo tempo, permite o controle racional da estipulação ou revisão da multa, evitando-se que o devedor inerte assim permaneça, em função do montante insuficiente da astreinte, ou mesmo que o credor enriqueça injustamente à custa do devedor, caso o valor da multa tenha sido aplicado em demasia.
Referências
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1. Bruno Garcia Redondo (Astreintes: aspectos polêmicos. Revista de Processo, v. 222, ago./2013, p. 65-89, versão eletrônica) destaca que “[n]o Direito pátrio, costuma-se denominar essa multa periódica de astreintes (a rigor, no vernáculo seria estringente), em alusão à sua apontada origem no Direito francês (astreinte) ou à nomenclatura latina (astringere, com sentido de compelir, pressionar)”.
2. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do Novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 657, item 2.1.
3. CARVALHO, Fabiano. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Coord. Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 871, item 1, e 875, item 15.
4. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 584, item 10.
5. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Coord. Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 611.
6. PEREIRA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 276-277.