As formas de resolução de conflitos e o seu papel no direito processual brasileiro hodierno

As formas de resolução de conflitos e o seu papel no direito processual brasileiro hodierno

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Para a coluna do mês de setembro, pensei em conversarmos um pouco sobre um tema que é particularmente caro e que, fatidicamente, deixei de lado neste ano: o papel da conciliação, da mediação, da arbitragem e outras formas de resolução de conflitos (como as ODRs, por exemplo) no cenário processual hodierno do Brasil.

Não é reflexão nova, tive a oportunidade de tecer comentários sobre esse assunto diversas vezes, inclusive, muitas das minhas ideias afloraram ao tempo da elaboração da minha Dissertação de Mestrado Acadêmico, em que busquei compreender, a partir da tese do filósofo francês Gilles Lipovetsky, a genealogia do art. 3º do Código de Processo Civil.

Vejam, há diversas formas de iniciar a investigação pretendida – e muitas outras para dar continuidade ao assunto [podendo resultar em direções diversas]. Como fiz outrora, parto de uma reflexão colhida do brilhante livro “Teoria, História e Processo”, do (meu caríssimo) Prof. Marco Félix Jobim.

O Prof. Jobim sustenta, na obra, que “trabalhar com outras formas [de resolução de conflitos] que não a jurisdição importa olhar o tratamento de conflitos de forma culturalmente diversa”.

Nesse particular, vejo a possibilidade de se interpretar essa afirmação de duas formas.

A primeira intepretação possível sobre essa afirmação, a qual eu acredito veemente que tenha sido a intenção do Prof. Jobim quando da sua formulação, é que a utilização de instituições como a conciliação, ou a mediação, ou a arbitragem (e etc.), importa em combater a “cultura do litígio” ou “cultura do processamento” – entre ambos, este segundo, é termo que penso ser mais adequado.

Isso, em certa medida, é um problema visto em diversas dimensões.

Visualizo essa questão nas nossas Cortes (com Juízes tratando essas formas de resolução de conflitos com pouquíssima relevância; ou as concebendo equivocadamente, como, por exemplo, ocorre em audiências de conciliações que são realizadas por pessoas que não receberam a capacitação devida e, não bastasse, são designadas com no máximo cinco minutos de duração).

Ainda, vejo essa problemática no exercício da advocacia (com advogados que preferem ignorar essas formas de resolução de conflitos por entenderem que o “Processo” é, e tão somente, litígio no lapso do período processual).

Por fim, vejo que o mais grave está em se pensar nessa cultura quando atrelada com as universidades (com professores processualista que as entendem como bobagens, neomodismos processuais, ou, quiçá, entendendo que falar sobre conciliação, mediação, arbitragem etc. não é falar sobre processo).

O (des)ensino no e do direito processual contribui, em certa medida, para a perpetuação dessa cultura.

Vejam, no decorrer dos cinco anos da faculdade de Direito, o bacharelando é obrigado a submeter-se e ser aprovado em inúmeras cadeiras de direito processual, todavia, poucos são os programas de graduação que apresentam, em cadeira própria, ou na própria cadeira de Teoria Geral do Processo, um planejamento metodológico em relação a essas diversas formas de resolução de conflitos.

Penso que isso muito contribui para a formação de profissionais do direito que entendem que litigar é pressuposto natural da sua atividade.

Penso, ainda, que uma possível ruptura de paradigma nessa cultura do processamento é possível, mas tão somente é possível se a metodologia do ensino do que é o processo sofrer, igualmente, uma ruptura paradigmática.

Não estou culpando os docentes do curso de Direito, pelo contrário, eles agem corretamente, isso, no sentido daquilo que lhes foi ensinado, que por sua vez, os seus respectivos mestres também aprenderam dessa forma.

Seja como for, sei que o viés que cá apresento é, no mínimo, negativista, vez que tenho acompanhado posturas belíssimas por parte de processualistas e, principalmente, por docentes empenhados em promover uma abertura cognitiva sobre esse tema que, para alguns, é um tabu.

Agora, retornando àquela afirmação do Prof. Jobim; penso em uma segunda interpretação possível, a qual, na verdade, me filio para ressignificar a gestão dos conflitos no direito brasileiro.

Logo no prólogo dos seus comentários ao Código de Processo Civil, Pontes de Miranda afirma que de todos os ramos do Direito, é o processual aquele que é mais próximo da realidade humana.

Essa frase expressa, na verdade, uma constatação de uma corrente demasiadamente antiga e consolidada do positivismo jurídico: o Direito é um produto social.

Há uma passagem interessante no livro do Prof. Calmon de Passos acerca dessa reflexão conceitual para o Direito: ao destacar sobre a impossibilidade de filiar o direito como um produto natural, o saudoso processualista baiano vai afirmar que pensar em Direito é pensar em algo que é desenvolvido pelo ser humano e para ser utilizado por ele.

Todo esse pensamento e, principalmente, a sua ligação com o Processo, torna-se compreensível com uma meditação do Prof. Galeno Lacerda, para quem o Processo reflete uma realidade social específica.

Com isso digo que, se se espera compreender o papel da conciliação, da mediação, da arbitragem e de outras formas de resolução de conflitos no sistema jurídico brasileiro hodierno, é necessário que se reflita sobre a própria cultura brasileira hodierna.

Não é de hoje que não se é possível pensar nas coisas e no próprio processo em uma perspectiva simplista como a do método de René Descartes.

As atuais estruturas da sociedade não mais permitem que se pense em institutos sociais operando em um padrão de linguagem binário: ou seja, não se pode esperar que a concepção sobre as coisas simplesmente sejam ou não.

Hodiernamente, preciso ter uma abertura cognitiva à dimensão da complexidade da sociedade (diversas instituições sociais ratificam esse ponto: a família, a educação, o trabalho, dentre tantos outros).

A explicação sobre essa transformação paradigmática do simples para o complexo é perceptível nos apontamentos de, dentre outros sociólogos e filósofos, Zygmunt Bauman, teórico que, em sua tese sobre a Modernidade Líquida, observa uma ressignificação curiosa que, incondicionalmente, se operou na humanidade a partir do século passado: uma expansão da racionalidade, com a consequente expansão das nossas concepções sobre tudo que está ao nosso redor.

A Teoria do Direito explicará essa minha constatação de diferentes maneiras.

Aqui, faço menção a Hermenêutica, matriz teórica que nos permite observar esse cenário a partir de uma elevação na carga de possibilidades de interpretação, a partir do sujeito, sobre as coisas – e neste ponto mora a afirmação do Prof. Ernildo Stein, sobre “a complexidade estar naquele que observa, e não naquilo que se observa”; ou seja, a nossa cognição permite interpretar e conceber as coisas, da própria sociedade e de seus institutos, em uma dimensão ampla na atualidade.

Diante de tudo isso, não há a menor possibilidade de sustentar que a ciência processual deve ser pensada e estruturada de maneira simplista.

Se o Processo representa uma manifestação cultural do ser humano, falar em uma cultura social tão rica quanto à atual, e nisso falo de uma experiência social ampla sobre as coisas, é falar, senão, de um Processo que deve seguir o mesmo nível.

Neste ponto entram as formas de resolução de conflitos e o papel fundamental que exercem na sistemática processual hodierna do Brasil.

Cada conflito é particularmente diverso de outro; haverá situações demasiadamente parecidas, todavia, não há como pensar que não há uma série de fatores a serem considerados em cada uma das situações.

Se isso era, anteriormente, óbvio, o paradigma que se extraí da sociedade na atualidade reforça tão somente a necessidade que se tem de conceber uma sistemática processual ampla à essa carga de diversidades.

Não posso apostar no triunfo do processo se todos os casos forem tratados como similares.

Trata-se de uma tentativa inócua, visto que cada conflito é particularmente diverso de outro.

Preciso, portanto, pensar em uma forma de condicionar as necessidades de cada relação às formas pelas quais elas serão mais bem atendidas.

Assim, entendo que fez muito bem o legislador processual quando construiu o art. 3º do Código de Processo Civil de 2015.

A conciliação, a mediação, a arbitragem etc., paralelamente com essa heterocomposição que genericamente se concebe por “jurisdição”, exercem um papel fundamental na estrutura processual brasileira e no bom funcionamento da justiça civil do Brasil.

A chancela do Estado brasileiro para essas formas de resolução de conflitos chama a atenção para a busca pela distribuição proporcional das peculiaridades de um determinado conflito à forma de resolução que melhor lhe atender – e aqui, não falo sobre a teoria do Tribunal Multiportas desenvolvida pelo Prof. Frank Sander, quando, na verdade, busco ir além da norma, e compreender em uma análise genealógica, as raízes do art. 3º do CPC.

Particularmente, eu interpreto o art. 3º do CPC como um sistema horizontal de gerenciar conflitos.

Para isso, não concordo com aqueles que defendem a existência de, entre aspas, “meios adequados de resolução de conflitos”, ou, ainda, também entre aspas, os “meios alternativos de resolução de conflitos”.

Apenas consigo falar em uma efetividade processual hodiernamente, contanto que eu possa pensar em um sistema harmônico e horizontal de complementação de todas essas formas.

Mesmo que no passado eu tenha sido persuadido pela melodia dessas correntes, particularmente, hoje eu não consigo insistir na ideia da generalização dos conflitos, afinal, como eu já sustentei, cada caso é um caso e deve ser observado e conduzido a partir de suas particularidades.

Portanto, contrariando-me aos meios adequados/alternativos de resolução de conflito, corrente teórica embasada na disputa entre aquele direito oficial versus o direito não-oficial, como expõem os professores João Pedroso e Boaventura de Sousa Santos, eu não vejo uma disputa hierárquica entre essas formas.

Em uma perspectiva de gerir os conflitos, penso que todas são iguais até a chegada do conflito, afinal, a partir daí que eu poderei saber qual é mais adequada – o que depende, novamente, das particularidades do conflito – e isso, sem dúvida alguma, assegura o aspecto participativo da democracia no processo, discussão essa, porém, que ficará para outra matéria.

Esse, a meu ver, é o papel da conciliação, da mediação, da arbitragem e de outras formas de resolução de conflito no cenário processual hodierno do Brasil.

Do início do outono europeu, aqui em Florença, na Itália, deixo um fraterno abraço e aguardo vocês nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) para discorrermos um pouco mais sobre o conteúdo da matéria deste mês e sugestões para as próximas.

Vejo vocês em outubro!

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Guilherme Christen Möller

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