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As lições para o mercado sobre as enchentes no Rio Grande do Sul: o ESG precisa sair do papel

Rio Grande do Sul - Enchentes

O Rio Grande do Sul foi assolado pela maior catástrofe climática de sua história e uma das maiores registradas no Brasil.1 O impacto das enchentes no território gaúcho foi equiparado à tragédia do Furacão Katrina, no início desse século, em New Orleans nos Estados Unidos da América do Norte.2

A tragédia climática começou de uma forma sutil, com uma chuva intensa no dia 27 de abril. Contudo, essa chuva não parou, e dia 29 de abril as coisas começaram a fugir do controle. Entre negacionismos, dúvidas e a subestimação do potencial de as enchentes tornarem-se graves, a situação foi se complicando.

Para se ter um pouco de contexto, Porto Alegre é a capital gaúcha e o principal Município do Estado, com grande distância para os Municípios considerados grandes no Rio Grande do Sul. A título de exemplo, a população de Caxias do Sul, segundo maior Município, perdendo apenas para a capital, é de aproximadamente 500 mil pessoas,3 enquanto Porto Alegre é de aproximadamente 1,5 milhão de pessoas.4 Ou seja, Porto Alegre é três vezes maior que seu vice.

Dessa forma, sua região metropolitana concentra grande parte do potencial econômico gaúcho, destacando-se a capacidade logística do Município, além de ser sede administrativa do governo estadual, bem como contar com dois grandes clubes de futebol: Grêmio e Internacional.

Fora de questões demográficas e econômicas, a região de Porto Alegre trata-se de uma espécie de vale, que se formou às margens do Lago Guaíba, um dos maiores lagos do Brasil que, inclusive, é quase maior que a cidade de Porto Alegre, com quase 500km² de área. Ele se encontra no Delta do Rio Jacuí, que possui trechos navegáveis, diante do seu potencial hidroviário, além de ser o local de desague do Rio Caí. Toda essa água é repassada pelo Guaíba, para a Laguna dos Patos, outro gigantesco e incrível corpo hídrico, com conexão para o oceano Atlântico.5

Perto de Porto Alegre, há uns cem quilômetros, está o Rio Taquari, que banha o Município de Lajeado, e muitas outras cidade, formando a região que é chamada de Vale do Taquari, um dos locais mais ricos e prósperos do país, marcado por grande potencial agrícola e agropecuário, inclusive, na criação de suínos e aves, sendo sede para fábricas de gigantes da indústria alimentícia, como BRF e Aurora.

Todo esse grande potencial econômico existe na região graças à riqueza de recursos naturais na área. Esses rios possuem capacidade de navegação, geração de energia, captação de água e até de atividades de turismo e recreação. O comportamento geológico da região criou áreas planas, com solos férteis e ricos, oferecendo um imenso potencial agrícola a ser explorado, gerando riquezas incomensuráveis.

Porém, no fim de abril, a natureza mostrou sua força. Uma chuva forte, mas sem vendaval, e constante começou na região de Santa Cruz do Sul, um pouco ao Sul de Porto Alegre, pertinho de Lajeado. Depois aconteceram alguns temporais, e o Rio Pardo, mais um Rio que no fim deságua no Guaíba, começou a inundar.

Logo, o Rio Taquari também começou a subir, chegando a quase 30 metros de altura, o maior nível da história. Algumas mortes foram causadas pela enchente e danos à infraestrutura rodoviária, de energia, saneamento básico e outras, começaram a ser constatados.

Então, surgiram as ordens de evacuação no Vale do Taquari e no Vale do Rio Pardo, e o Lago Guaíba começou a encher, chegando a ultrapassar (no seu pico) 5,50m de altura (para se ter uma ideia, sua cota de inundação na época era de 3m). Porto Alegre, Canoas, Eldorado do Sul, Cruzeiro do Sul e outros Municípios ficaram, literalmente (aqui não é figura de linguagem), debaixo d’água. A enchente foi tão alta que cobriu carros de médio porte, e dava para transitar na Av. Mauá, um dos acessos a Porto Alegre, de barco ou moto aquática. Até o Judiciário foi afetado, com o Tribunal Regional da 4ª Região ficando fora do ar por praticamente duas semanas.6

Além da região Metropolitana e os Vales do Taquari, Rio Pardo, Rio dos Sinos, a Laguna dos Patos também excedeu sua cota de inundação e as enchentes alcançaram a região Sul do Estado, no Município de Pelotas, outro importante polo gaúcho.

Enfim, após um mês de tragédia, 471 municípios foram atingidos pelas enchentes, que ocasionou a morte de 169 pessoas, pelo menos, e expulsou mais de 600 mil habitantes de suas casas. Pessoas perderam as economias de uma vida inteira, negócios foram liquidados, todo o potencial logístico da região foi comprometido. Estima-se que serão necessários bilhões de reais para a reconstrução do Estado, que nunca mais será o mesmo depois do que aconteceu.

Além do impacto social e econômico, estima-se que 2,7mi de hectares de solo fértil foram comprometidos, pela erosão causada em decorrência das enchentes. Perderam-se carros, eletrodomésticos, móveis, alimentos, animais e outros bens, e tudo agora terá que ser descartado e recomprado ou refeito. É impossível em um texto curto passar a dimensão dessa tragédia e as consequências para o povo gaúcho.

Não foi por acaso que esse texto começou expondo o potencial de recursos naturais das regiões mais afetadas pelas enchentes. A natureza veio antes, e somente por causa dela que aquelas localidades eram tão prósperas. O Rio Taquari é de um potencial tremendo, além do auxílio que traz à agricultura. O Rio Guaíba é um símbolo portoalegrense. A Laguna dos Patos é um local incrível, sendo um cenário de filme sua imensidão e beleza.

Contudo, o modelo capitalista de produção parece esquecer que toda a origem de suas riquezas está na natureza. O ESG, especialmente o eixo “ambiental”, existe para lembrar as empresas que elas devem se importar mais com aspectos socioambientais e boa-governança na sua gestão. Não apenas o setor privado, o público também precisa colocar isso em pauta.

Os textos dessa coluna, e muitos outros trabalhos vinculados a essa temática, parecem letra morta, quando na realidade deveriam ser prioridade para o modelo econômico vigente. Mais de 200 anos de exploração capitalista do meio ambiente, contando com 50 anos (desde os anos 70) de exploração desenfreada a um ritmo alucinante, causaram essa catástrofe climática e é responsável por muitas outras tragédias mundo afora.

Durante as enchentes destacou-se a imagem do resgate de um cavalo que ficou ilhado em cima do telhado de uma casa em Canoas, resistindo por dias, sem comida, sem água potável e tomando sol e chuva no lombo.7 Essa foto lembrou muito a ilustração do urso polar preso num iceberg, que teria se soltado de uma geleira, aparecendo urrando, que se tornou um símbolo do aquecimento global.

Todavia, a imagem do urso polar é só uma ilustração, porque ursos polares sabem nadar, logo, essa fotografia é apenas um símbolo de um problema. O cavalo preso no telhado em Canoas não é um símbolo, ele é REAL, isso de fato aconteceu, aqui no Rio Grande Sul, Brasil. A catástrofe climática e o aquecimento global não são mais fatos distantes, que preocupam as regiões polares. Aconteceu uma tragédia numa das maiores cidades do Brasil, capital do Estado do Rio Grande do Sul, uma das unidades federativas que se destaca devolvendo mais tributos para União, do que sugando recursos, com um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano do país.

A crise climática já existia antes, o que precisa ser aprendido com as enchentes no Rio Grande do Sul é que ela é real e não pode mais ser ignorada. Porém, pessoas pobres, em regiões de extrema vulnerabilidade social, já sofriam com tragédias ambientais, como o Povo Yanomami, e as graves consequências do desmatamento, para atender ao garimpo ilegal.8

No curso das enchentes, surgiu um discurso no Rio Grande do Sul de que o privado vai ser mais eficiente para a superação da crise, do que o público. De certa forma, sim, a reação do setor privado para o contingenciamento da crise foi mais rápida que a reação pública, e isso deve ser louvado. Porém, a superação da crise passa pelo Poder Público, e um alinhamento entre governos Municipal, Estadual e Federal, com o apoio e compreensão do setor privado.

Assim, fecha-se essa coluna com algumas provocações ao setor privado e o mercado, que tanto se vangloriou sobre sua capacidade de reagir à crise: as empresas estão dispostas a rever suas práticas mercadológicas e adotar princípios de ESG, principalmente, no aspecto da preservação ambiental, mesmo que isso importe em redução de lucros? Tão importante quanto superar essa tragédia é evitar que se repita.

Então, é possível que o Poder Econômico se atente a questão ambiental? É possível o Poder Público bata de frente com os interesses do mercado e force grandes empresas a não somente respeitar o meio ambiente, mas ajudar na conservação e restauração ambiental, além de atentar para pautas sociais e de boa-governança? Fica, assim, o desafio: vamos tirar o ESG do papel.

 

Embora o pior momento da tragédia já tenha sido superado, muito ainda precisa ser feito para a reconstrução do estado, e o povo gaúcho ainda necessita de ajuda. Assim, ficam aqui alguns canais para o envio de doações:

 

ParaQuemDoar: SOS Chuvas RS: Link.

SOS Rio Grande do Sul: Link.

Vakinha do PB (Pretinho Básico) da Rádio Atlântida: Link.

 

Por fim, encerra-se essa coluna, com uma poesia de Flávio Alberi Zahn,9 que fala muito sobre o orgulho gaúcho e pode servir de motivação para a superação da tragédia:

 

Sou Gaúcho


Se tu soubesses do orgulho que tenho

por ter nascido e me criado aqui;

Ainda piazito aprendendo a ser guapo,

como o sangue farrapo correndo em mim.


Banhado pelas águas do Bugres Patos,

Lagoa grande aturidida por rio – grande do sul.

Estado abençoado, como os filhos que brotam aqui.

Lindo rincão, também “mui” amado

pelos desgarrados que chegam aqui.


Desde piazito peleando na estância,

no lombo de um tordilho que ganhei de meu pai;

Tradições gauderianas que vivi na minha infância,

e que hoje quase já não se vê mais.


Histórias e glórias de um povo caudilho

contadas em prosas pelo meu avô;

Que hoje carrego-as junto comigo

não importando para onde vou.


E esse pobre coração dilacerado,

que há de morrer de amores por essa terra,

inflamado no peito hoje grita: sou gaúcho,

e ser gaúcho é a coisa mais bonita.

 

Referências

____________________

1. Disponível em: Link.

2. Disponível em: Link.

3. Disponível em: Link.

4. Disponível em: Link.

5. Disponível em: Link.

6. Disponível em: Link.

7. Disponível em: Link.

8. Disponível em: Link.

9. Disponível em: Link.

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