Aspectos do processo civil na nova lei de improbidade administrativa (lei n. 14.230/21)

Aspectos do processo civil na nova lei de improbidade administrativa (lei n. 14.230/21)

judges-gavel-book-wooden-table-law-justice-concept-background

Tanto em termos materiais, quanto processuais, a Lei n. 14.230, de 25 de outubro de 2021 trouxe significativas modificações ao ordenamento jurídico brasileiro.

Imediatamente, alterando – quase que por completo – a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992; mediatamente, implicando na reformulação material e procedimental de outras leis, como é o caso do CPC – isso, quando se sobrepesando essa lei com a geral.

A Lei n. 14.230/21, em verdade, pode ser definida como complexa, afinal, é uma legislação especial que toca e comunica matéria e processo de diferentes áreas, como Direito Processual Administrativo, Direito Processual Penal e Direito Processual Civil (muitas vezes, sem a devida distinção em capítulos).

Nesta matéria, apresentam-se algumas considerações sobre as disposições que tocam o Direito Processual Civil, pinçando-as e, de maneira argumentativa, sistematizando-as.

SOBRE A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, A CONTESTAÇÃO, O INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL E A RÉPLICA

Grande parte das disposições procedimentais da ação de improbidade administrativa estão contidas no art. 17 da lei.

O caput é fundamental para a delimitação de alguns pontos, por exemplo, delimita-se o legitimado (ativo) para a propositura da ação, no caso, o Ministério Público, e o procedimento (procedimento comum).

O § 4º-A determina que o foro competente para o processamento da ação é aquele do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada. Vez proposta a ação, torna, a competência, preventa para todas as ações posteriores que forem ajuizadas em face do réu, contanto que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto (§ 5º).

Além dos requisitos contidos nos incisos do art. 319 do CPC, o § 6º impõe outros dois requisitos: (1) o dever de individualização da conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos, demonstrando-se a ocorrência de condutas tipificadas como improbidade administrativa (arts. 9º, 10 e 11), ressalvando-se a impossibilidade devidamente fundamentada; (2) a instrução da petição inicial com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.

Nada impede, ficando à critério do legitimado ativo (Ministério Público), de que se utilize tutelas provisórias (§ 6º-A).

Além do disposto no art. 330 do CPC, o não preenchimento/demonstração dos requisitos do § 6º, expostos anteriormente, ou quando manifestamente inexistente o ato de improbidade administrativa que se imputa, a petição inicial será indeferida (§ 6º-B).

Caso a petição inicial estiver em devida forma, será recebida e determinada a citação do réu para, caso queira, no prazo de 30 (trinta) dias, oferecimento de sua contestação. O prazo mencionado se inicia na forma do art. 231 do CPC (§ 7º).

Oferecida a contestação, ouvindo-se o autor (sendo o caso), o juiz poderá: (1) desmembrar o litisconsórcio com vistas a otimizar a instrução processual (§ 10, II), ou proceder ao julgamento conforme o estado do processo, pela improcedência (observando eventual inexistência manifestada do ato de improbidade, conforme § 10, I, o que, aliás, poderá ocorrer a qualquer momento do processo, § 11).

Caberá recurso de agravo de instrumento de questões preliminares suscitadas pelo réu rejeitadas (§ 9º-A).

Apresentada a réplica, caberá, ao juiz, proferir decisão indicando com precisão a tipificação dos atos de improbidade administrativa imputada ao réu, contanto que não modifique o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor (§ 10-C). Dessa decisão, a partes serão intimadas para especificar provas que pretendem produzir (§ 10-E).

NULIDADE DA DECISÃO, CONVERSÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, GARANTIAS DO RÉU, PRESCRIÇÃO E CUSTAS

O § 10-F, do art. 17, sustenta que será considerada como nula a decisão de mérito (total ou parcial) que ou (1) condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial (§ 10-F, I), ou (2) condenar o requerido sem a produção das provas por ele tempestivamente especificadas (§ 10-F, II).

A qualquer tempo, caso o juiz identifique que existam ilegalidades ou irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes (réus), poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública, observando-se a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (§ 16). Dessa decisão que converte a ação, cabe recurso de agravo de instrumento (§ 17).

Assegura-se, ao réu, o direito a ser interrogado sobre os fatos que tratam a ação. A recursa ou o seu silencio não implicam em confissão (§ 18). Assim como, não são aplicáveis à ação de improbidade administrativa a (§ 19, I) presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia, (§ 19, II) imposição de ônus probatório (como nos moldes dos §§ 1º e 2º, do art. 373, do CPC), (§ 19, III) o ajuizamento de mais de uma ação pelo mesmo fato – cabe ao Conselho Nacional do Ministério Público resolver eventuais conflitos de atribuições entre os membros do Ministério Público –, e (§ 19, IV) o reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução de mérito.

Quanto a prescrição da ação de improbidade administrativa (art. 23).

Deixando-se as minucias do inquérito à limiar, a ação que visa aplicação das sanções prescreve em 8 (oito) anos, contando-se a partir da ocorrência do fato ou do dia em que cessou a permanência (este, para o caso de infrações permanentes).

O referido prazo é interrompido (§ 4º, I) pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa, (§ 4º, II) pela publicação da sentença condenatória, (§ 4º, III) pela publicação de decisão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional que confirma a sentença condenatória ou que reforma a sentença de improcedência, pela publicação de decisão do (§ 4º, IV) Superior Tribunal de Justiça ou do (§ 4º, V) Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.

A suspensão e a interrupção da prescrição produzem (§ 6º) efeitos relativamente a todos os que concorrem para a prática do ato de improbidade e ele (o prazo prescricional) recomeça do dia da interrupção, pela metade do prazo, in casus, 4 (quatro) anos (§ 5º). Havendo atos de improbidade conexos objetos do mesmo processo, a suspensão e a interrupção relativa a qualquer deles é estendida aos demais (§ 7º).

Não há adiantamento de custas, preparo, emolumentos, honorários periciais ou quaisquer outras despesas nas ações (e acordos) que versa a Lei n. 14.230/21 (art. 23-B). O pagamento das custas e demais despesas processuais serão pagas ao final e no caso de procedência da ação (§ 1º). Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada a má-fé (§ 2º).

CRITÉRIOS, EFEITOS E PARTICULARIDADES DA SENTENÇA QUE JULGA A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, DA SUA LIQUIDAÇÃO E SEU CUMPRIMENTO

Sobre a sentença dos processos das ações de improbidade administrativa (art. 17-C), além de se observar os elementos da sentença dispostos no art. 489 do CPC, ela deverá indicar os fundamentos, de modo preciso (veda-se a presunção), que demonstrem os elementos a que se referem o ato que configura a improbidade administrativa, amparando-se nos arts. 9º, 10 e 11 da Nova Lei de Improbidade Administrativa (art. 17-C, I).

Nas ocasiões em que decidir com base em valores jurídicos abstratos, considerar as consequências práticas da decisão (art. 17-C, II), considerar, em sede de fundamentação, os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu encargo – sem prejuízo dos direitos dos administrados e das circunstâncias práticas que houver impostos, limitado ou condicionado a ação do agente – (art. 17-C, III).

Ainda, para a aplicação das sanções, seja de forma isolada ou cumulativa, deverá considerar (art. 17-C, IV): (1) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, (2) a natureza, a gravidade e o impacto da infração cometida, (3) a extensão do dano causado, (4) o proveito patrimonial obtido pelo agente, (5) as circunstâncias agravantes ou atenuantes, (6) a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e (7) os antecedentes do agente.

Além dos requisitos a serem observados até então expostos, a decisão deverá indicar os critérios que justifiquem a imposição da sanção, na apuração da ofensa a princípios (art. 17-C, VII).

Tratando-se de sentença que julga procedente a ação de improbidade administrativa embasada no art. 9º ou 10, condenará, o réu, ao ressarcimento dos danos à perdas ou à reversão dos bens e valores ilicitamente adquiridos em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (caput, art. 18).

Havendo necessidade de liquidação do dano a pessoa jurídica prejudicada procederá a determinação (descontando-se, o serviço prestado, do valor apurado a ser ressarcido, conforme § 3º) e ao cumprimento da sentença (§ 1º).

No caso anterior, caso a pessoa jurídica prejudicada não cumpra as providências no prazo de 6 (seis) meses (contando-se a partir do trânsito em julgado da sentença de procedência), caberá ao Ministério Público proceder a liquidação do dano e ao, posterior, cumprimento da sentença referente ao ressarcimento do patrimônio público ou à perda ou à reversão dos bens, sem prejuízo de responsabilização pela omissão verificada (§ 2º).

Pode, mediante autorização do juiz, haver o parcelamento do débito resultante da condenação pela prática dos atos de improbidade administrativa em até 48 (quarenta e oito) parcelas mensais (corrigidas monetariamente) quando o réu demonstrar sua incapacidade financeira para saldá-lo de forma imediata (§ 4º).

DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL (ART. 17-B)

Outra novidade apresentada pela Lei n. 14.230/21, foi a inclusão e procedimentalização do acordo de não persecução civil.

Quiçá, reflexo dos negócios jurídicos processuais (art. 190 do CPC), a convenção em matéria de improbidade administrativa já foi objeto de debate em outros momentos.

O primeiro, o caso da Medida Provisória n. 703 de 2015, a qual alterava a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, dispondo sobre acordos de leniência.

A redação inicial do § 1º, do art. 17, da Lei n. n. 8.429 vedava qualquer espécie de acordo, transação ou conciliação nas ações de improbidade administrativa.

A referida Medida Provisória foi responsável pela sua revogação. Em aditivo, a Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, cuja proposta foi aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, trouxe nova redação para o § 1º, passando a dispor que nas ações de improbidade administrativa, é possível a admissão da celebração de acordo de não persecução cível, porém, carecendo de especificação.

O art. 17-B da Lei n. 8.429/92 aperfeiçoa e preenche essa lacuna ao afirmar que, a depender do caso concreto, o Ministério Público pode celebrar acordo de não persecução civil, contanto que advenha de pelo menos um dos seguintes resultados: (1) integral ressarcimento do dano (inciso I) e/ou (2) reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados (inciso II).

Para que seja possível a celebração do acordo, é necessário (cumulativamente): (1) oitiva do ente federativo lesado (I, § 1º), (2) aprovação pelo Ministério Público para apreciar as promoções de arquivamento de inquéritos civis (quanto antes ao ajuizamento da ação), no prazo de até 60 (sessenta) dias (II, § 1º), e (3) homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou após o ajuizamento da ação de improbidade administrativa (III, § 1º).

O § 2º determina que, independentemente do caso, a celebração do acordo de não persecução civil deverá considerar a (1) personalidade do agente, a (2) natureza, as (3) circunstâncias, a (4) gravidade e a repercussão social do ato de improbidade e as (5) vantagens (para o interesse público) da rápida solução do caso. O valor a que se refere o inciso I, do art. 17-B, deverá ser apurado mediante realização da oitiva do Tribunal de Contas, manifestando-se e indicando os parâmetros utilizados no prazo de 90 (noventa) dias (§ 3º).

Quanto ao seu momento, a celebração do acordo poderá ocorrer no curso da investigação que apura o ilícito, no curso da ação de improbidade administrativa ou no momento da execução da sentença condenatória (§ 4º) e as negociações deverão ocorrer entre o Ministério Público e o investigado/demandado e o seu defensor (§ 5º).

No caso de descumprimento do acordo de não persecução civil, o investigado/demandado não poderá celebrar novo acordo dentro do prazo mínimo de 5 (cinco) anos, contando-se a partir do conhecimento, pelo Ministério Público, do seu efetivo descumprimento (§ 7º).

O que você pensa sobre essas modificações? Venha conversar comigo nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) ou me mande um e-mail (contato@guilhermechristenmoller.com.br) para continuarmos o assunto desta matéria.

Fraterno abraço e vejo vocês em julho!

____________________

Guilherme Christen Möller

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio