Na sociedade contemporânea, notável é a relevância do fenômeno das redes sociais, que são marcadas, sobretudo, por suas características dinâmicas, agilizadas e transfronteiriças, que permitiram verdadeira revolução digital, assinalada pelas repercussões do novel paradigma tecnológico e pelas transformações no mercado de consumo.
Neste contexto, a ocorrência de novos danos, em especial à figura do consumidor em ambiente virtual, é uma realidade crescente que se traduz como o ponto de partida para uma análise crítica acerca da matéria geral de proteção de dados pessoais e sua relação com os hábitos dos consumidores.
A inserção das redes sociais à rotina dos indivíduos lhes garante notável protagonismo, transcendendo barreiras,1 possibilitando a célere difusão de conteúdo. Nesse toar, o consumismo é remodela para se adequar ao espaço virtual, com a presença de novas técnicas publicitárias que objetivam a expansão de conteúdo e alcance a maior público, através da utilização de marketing digital.
Assim, “diante das técnicas de marketing e publicidade, as redes sociais conseguem de fato influenciar e fazer o consumidor pensar que ele necessita daquele bem ou serviço que está sendo mostrado, instigando, assim, ao consumismo”.2
A utilização de influenciadores digitais para impulsionar o alcance de potenciais consumidores,3 por meio do engajamento, corrobora para a criação de um ambiente potencializado pela publicidade excessiva, patológica e verdadeiramente onipresente.
A problemática relacionada ao conteúdo veiculado pelos influenciadores reside, sobretudo, no viés assumidamente reprovável, não condizente com os preceitos ético-jurídicos estabelecidos tanto pelo Código de Defesa do Consumidor, no campo legal, quanto pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, no campo infra legal.
Neste sentido, a doutrina nacional destaca, em sua maioria, a responsabilidade civil objetiva dos influenciadores pela publicidade ilícita veiculada, de forma “que estes influenciadores ‘a) fazem parte da cadeia de consumo, respondendo solidariamente pelos danos causados, b) recebem vantagem econômica e c) se relacionam diretamente com seus seguidores que são consumidores’”.4
E, ainda, possui “esteio na inobservância dos preceitos éticos-jurídicos da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, em consonância com a necessidade de informação, transparência e confiança na relação jurídica preestabelecida com seus seguidores”.5
Ocorre que, para além dos danos causados pela publicidade ilícita reproduzida pelos influencers nas redes sociais, novel discussão surge neste contexto, relacionada ao direito ao sossego digital e sua intrínseca relação com a publicidade virtual.
O marketing de imposição, impulsionado por tais personalidades, oferece riscos à privacidade dos consumidores e o direito ao sossego. Neste sentido, a existência do denominado “assédio de consumo” como novo dano reflete a hipervulnerabilidade digital pela superexposição publicitária nas redes sociais.
A referida acepção se fundamenta “nos direitos básicos do consumidor, garantindo a integridade psíquica das pessoas conectadas a Internet através de instrumento jurídico já historicamente consagrado, a saber, a responsabilidade civil”.6
Ainda, a “perturbação ou importunação indevida praticada pelas publicidades virtuais, alimentadas por dados pessoais, configura lesão ao interesse jurídico tutelado e, consequentemente, dano à pessoa humana”,7 sendo que é “direito de a pessoa de não ser importunada pelas publicidades virtuais de consumo não solicitadas é uma necessidade social contemporânea, inerente à sociedade virtual de consumo”.8
O assédio de consumo, nestes termos, é marcado pela publicidade excessiva e patológica presente nas redes sociais, em que os consumidores9 se encontram expostos e vulneráveis ao conteúdo publicitário, que afeta sua privacidade e seu sossego, uma vez que as ofertas são onipresentes e agressivas. Nota-se, portanto, a necessidade de se conferir a adequada tutela jurídica ao assédio de consumo, que se eleva à categoria de dano digital.
Uma vez que a publicidade digital é “repensada pela presença de novos instrumentos de marketing, como o uso de recursos audiovisuais, mensagens convidativas, interatividade, animações, contratação de influenciadores digitais, além de outros”,10 relevante é a análise da atuação dos influencers como vetores do assédio ao consumo.
Em estrita análise, é possível indicar que os influenciadores digitais são responsáveis pela contribuição de um ambiente virtual notavelmente agressivo por meio da publicidade exagerada, uma vez que poderia se afirmar que tais personalidades abusam da confiança pré-estabelecida com seus seguidores ao veicularem publicidade de forma excessiva. Afinal, os seguidores, via de regra, seguem o influenciador sem a intenção de serem bombardeados por conteúdos publicitários diuturnamente.
Cumpre destacar, ainda, que grande parte da publicidade veiculadas por tais figuras é manifestamente velada (oculta, mascarada), a qual não é facilmente percebida pelo consumidor como uma mensagem de cunho publicitário, nos termos do artigo 36 do CDC. Nota-se que “o consumidor tem o direito subjetivo de identificar que a mensagem que vê, lê ou ouve é publicitária”.11
Assim, percebe-se que ao veicular mensagens publicitárias sem a devida identificação – notavelmente por meio de Stories – os influenciadores contribuem para que a vulnerabilidade do consumidor assuma novos contornos, de modo a quebrar a legítima expectativa da relação, ofendendo a boa-fé objetiva.
Neste formato, o consumidor, usuário das redes sociais e seguidor do influenciador, encontra-se exposto à publicidade que não assume tal caráter, mas que possuem atuação no subconsciente, ampliando o desejo de consumir, retirando a autonomia de vontade do indivíduo e violando o direito ao sossego.
O assédio de consumo é caracterizado como dano passível de reparação, sendo que Projetos de Lei objetivam através da via legislativa diminuir a perturbação excessiva presenciada nas redes sociais.
Sendo vislumbrada, no campo jurisdicional, a responsabilidade civil das plataformas de redes sociais, também pode ser vislumbrada, em primeiro a momento, a possibilidade de responsabilização pela via cível dos influenciadores digitais pelo conteúdo veiculado que adentre à esfera do assédio de consumo, uma vez que a publicidade inoportuna poderia, em primeiro plano, ofender também os preceitos estabelecidos pela legislação consumerista, para além do caráter existencial e constitucional que envolve o assédio de consumo.
Isto pois, à míngua da legislação, há flagrante violação da boa-fé objetiva consubstanciada no comportamento que não se traduz como o legitimamente esperado, posto que a superexposição de publicidades no perfil do influenciador afeta a esfera existencial do consumidor e atinge seu íntimo através da publicidade veiculada ao seu subconsciente por meio de técnicas publicitárias utilizadas.
Nota-se, neste viés, que a boa-fé objetiva é regra de comportamento, imposta às partes, no intuito de não frustrar a legítima confiança existente, visando a amplitude protetiva à parcela da sociedade manifestamente vulnerável, posto que a publicidade vigora como fase pré-contratual.
O influenciador, destarte, deverá se pautar pelos preceitos normativos impostos às relações consumeristas ao veicular sua imagem, boa fama e influência a determinado produto ou serviço, de modo a não atingir a esfera psicofísica do consumidor e assim, preservar sua integridade existencial digital.
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Caio César do Nascimento Barbosa
Referências
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1. LACERDA, Bruno Torquato Zampier. Bens digitais: cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 2. ed. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 37.
2. SOARES, Dennis Verbicaro; LEAL, Pastora Do Socorro Teixeira; GILLET, Jéssica. Consumidor e redes sociais: a nova dimensão do consumismo no espaço virtual. Revista Pensamento Jurídico, v. 14, n. 1, 2020, p. 12.
3. Sobre os influenciadores digitais: Os digital influencers são indivíduos que exercem demasiada influência sobre um determinado público, possuindo a habilidade de criar e influenciar a mudança de opiniões e comportamentos, podendo conceber padrões por meio de diálogos diretos com seus seguidores. Sendo por muitas vezes criadores de conteúdo, por meio das mídias sociais, em especial, nas plataformas do Instagram e do Youtube, com conteúdo muitas vezes exclusivos, geram uma conexão com seu público em diversas áreas de atuação, como cultura e entretenimento, moda, cuidados com a saúde e corpo, gastronomia, dentre outros. (BARBOSA, Caio César do Nascimento; BRITTO, Priscila Alves de; SILVA, Michael César. Publicidade Ilícita e Influenciadores Digitais: Novas Tendências da Responsabilidade Civil. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 01-21, maio-ago. 2019, p. 9.)
4. GASPARATTO, Ana Paula Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra; EFING, Antônio Carlos. Responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Revista Jurídica Cesumar, Maringá, v. 19, n.1, p. 65-87, jan./abr. 2019, p. 84.
5. BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais em tempos de coronavírus. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; LONGHI Rozatti, João Victor; GUGLIARA, Rodrigo (Coords.). Proteção de Dados na Sociedade da Informação: entre dados e danos. Indaiatuba: Editora Foco, 2021 p. 321.
6. BASAN, Arthur Pinheiro. Publicidade digital e proteção de dados pessoais: O direito ao sossego. Indaiatuba: Editora Foco, 2021. E-book, p. 37.
7. MARTINS, Guilherme Magalhães; BASAN, Arthur Pinheiro. O marketing algorítmico e o direito de sossego na internet. In: BARBOSA, Mafalda Miranda; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; SILVA, Michael César; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coords.). Direito Digital e Inteligência Artificial: Diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 356-357.
8. BASAN, Arthur Pinheiro; JACOB, Muriel Amaral. Habeas Mente: a responsabilidade civil como garantia fundamental contra o assédio de consumo em tempos de pandemia. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, 2020, p. 175.
9. Cumpre salientar que, de acordo com o Recurso Especial nº 1.349.961/MG, as redes sociais integram a relação jurídica de consumo, sendo remuneradas de forma indireta, atraindo as disposições estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor.
10. BASAN, Arthur Pinheiro. Publicidade digital e proteção de dados pessoais: O direito ao sossego. Indaiatuba: Editora Foco, 2021. E-book, p. 98.
11. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 281.