A má gestão urbanística do solo, ou mesmo a falta de uma, já foi identificada como um dos grandes desafios a serem superados pelo Direito Urbanístico atualmente. De forma específica em nosso cenário, o ordenamento jurídico brasileiro conta com um escopo legislativo específico considerável e até mesmo com a aplicação de algumas políticas nacionais de desenvolvimento habitacional com modestos resultados positivos.
Contudo, sabemos que a realidade visível nos centros urbanos ainda está muito longe de ser resolvida. O adensamento populacional não planejado, ocupações consolidadas em áreas de risco, especulação imobiliária, falta de saneamento básico, ineficiência viária, precariedade habitacional e hipervalorização de espaços privados sem contrapartidas públicas são apenas algumas das consequências que afloram à nossa sociedade.
Diante de tal problemática, assim como já discutido anteriormente, os esforços para garantir um ordenamento territorial mais justo e sustentável para todos devem ser coordenados e contar com a participação também de todos os setores da sociedade. O poder público, como responsável pela promoção de políticas habitacionais tem o dever de agir como o vetor de suas aplicações, mas também de forma a garantir e fomentar a participação da população, de empresas privadas e também de centros de estudos, proporcionando uma construção plural dos espaços coletivos. A necessidade de uma ação conjunta se justifica ainda mais quando consideramos que os Municípios, os Estados e até mesmo a União não são capazes de suportar, por conta própria, toda a demanda de mão de obra especializada e o capital humano suficientes para a concretização eficiente destas ações.
Assim, a partir deste quadro, uma das ferramentas passíveis de aplicação para o reparo, tanto de ocorrências já existentes como também para obras e medidas de prevenção ou eliminação de riscos futuros, consiste na chamada Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social – Athis, criada pela Lei nº 11.888 de 2008. A mencionada Lei tem como objetivo fornecer instrumentos hábeis à garantia do direito das famílias de baixa renda à uma assistência técnica pública para o projeto e a construção de habitações de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto na Constituição Federal.
As famílias beneficiadas, que deverão possuir rendar mensal de até três salários mínimos mensais, poderão contar, nos termos da Lei, com assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social para sua própria moradia. Sendo encampados todos os trabalhos de projeto, acompanhamento e execução da obra a cargo de profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia necessários para a edificação, reforma, ampliação ou regularização fundiária da habitação.1
O referido instrumento legal destaca a responsabilidade do poder público na organização e planejamento das ações encampadas pelo programa, objetivando sua ação coordenada e sistêmica, evitando sobreposições e garantindo a otimização dos resultados. No mesmo sentido, ressalta que a garantia do direito nele previsto deve ser efetivado mediante o apoio financeiro da União, dos Estados, Municípios e Distrito Federal para execução dos serviços de assistência relatados. Observando também a disponibilidade orçamentária do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e de eventual existência de recursos privados.
Assim, considerando este ponto e também a necessidade do empenho conjunto de outros setores da sociedade, a aplicação do programa de assistência do Athis é feliz ao prever que os serviços técnicos de engenharia, urbanismo e arquitetura a serem prestados às famílias beneficiadas podem ser realizados por servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios; Integrantes de equipes de organizações não-governamentais sem fins lucrativos; Profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com atuação na área e profissionais autônomos ou integrantes de equipes de pessoas jurídicas, previamente credenciados, selecionados e contratados pela União, Estado, Distrito Federal ou Município.2
Para além disto e, como bem destaca Nelson Oliveira, em recente matéria veiculada pela Agência Senado, a aplicação prática da Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social “tem ainda como virtudes movimentar a economia e o comércio local, gerar emprego e renda na área da construção civil, melhorar a qualidade de vida da população e diminuir os gastos com saúde pública associados às condições de salubridade das habitações. ”3
Por fim, cumpre relatar que, apesar da previsão legislativa da Athis vigorar desde o final de 2008, sua aplicação prática ainda não é recorrente. Não são muitos os casos a serem observados em razão de sua pouca divulgação. Contudo, não deixa de se qualificar como alternativa viável de promoção e garantia do direito social à moradia.
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Referências
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1. Vide artigos 1º e 2º, caput, da Lei nº 11.888/2008.
2. Vide artigo 3º da Lei nº 11.888/2088.
3. Matéria da Agência do Senado Federal disponível em: https://bit.ly/3sIo4e6. Acesso em 13 fev 2022.