Breves considerações sobre compliance e ESG

Breves considerações sobre compliance e ESG

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A presente coluna inaugurou discutindo se existe um compliance eleitoral,1 tendo em vista o momento político nacional, e a importância do controle de fluxos financeiros durante o processo eleitoral. Contudo, nessa segunda coluna, começar-se-á a explorar alguns conceitos relevantes sobre compliance e ESG – Enviromental, social and governance (meio ambiente, social e governança).

O compliance é um conceito ligeiramente vilipendiado nos últimos tempos, por sua grande expansão para várias áreas de boa governança e gestão corporativa. Na realidade, o termo compliance é atrelado diretamente ao controle dos fluxos financeiros em empresas, a fim de evitar que pessoas jurídicas, em especial, grandes corporações, sejam instrumentos de lavagem de capitais.

Com o passar dos anos, o conceito foi expandido para mecanismos anticorrupção, ou seja, ferramentas que a empresa disponha para evitar que instituições e servidores públicos, sejam corrompidos, por práticas de mercado.

Cumprir a Lei é algo tão antigo quanto o liberalismo. Quando a Revolução Francesa reorganizou a noção de Estado Nação, pondo fim ao absolutismo, outorgando o protagonismo político a burguesia, a ideia de Estado limitado pela Lei, ganhou força, até chegar às democracias contemporâneas.

Contudo, o capitalismo global, com fluxos financeiros tão dinâmicos e sem-fronteiras, é algo muito novo. Por isso a atualidade do compliance e ESG, visto que não se imaginava que as grandes corporações teriam um protagonismo tão forte, no tocante a políticas públicas e sociais, mundo a fora.

Os Estados Unidos da América foram os precursores das noções de compliance, podendo ser pego, como marco temporal inicial, a publicação do FCPA – Foreign Corrupt Practice Act – em 1977. Segundo A Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act (2012), publicação oficial do Departamento de Justiça (DOJ), e Secretary Exchange Comission (SEC), o FCPA contém regras antisuborno, e regramentos sobre registros contábeis de operações financeiras. Trata-se da Legislação Anticorrupção dos Estados Unidos da América do Norte.

Sendo mais recente, merece destaque a SOX – Sarbanes-Oxley Act, que prevê uma série de regramentos sobre lançamentos contábeis, estimulando, e exigindo de empresas, nacionais e estrangeiras, com ações nas bolsas americanas, mantenha um registro rigoroso dos seus lançamentos contábeis. Ambas as legislações tratam-se de reações legislativas a crises antecedentes.

O FCPA é uma resposta ao escândalo watergate, que culminou na queda do Presidente Nixon, no início dos anos 1970. A SOX é uma tentativa de evitar um novo Caso Enron, e outros similares, que aconteceram no início dos anos 2000.

Um grande destaque para o FCPA e a SOX é que se aplicam no estrangeiro, ou seja, se empresas que trabalham em alguma Bolsa de Valores Norte-Americana, aparecer como envolvida em algum escândalo de corrupção fora dos Estados Unidos da América do Norte, ela pode vir a ser punida em solo americano. Um interessante fenômeno de extraterritorialidade da Lei.

A nível de Brasil, o compliance ganhou contornos de uma luta pela ética na política, o que, na realidade, não tem uma relação direta tão nítida, quanto tentam fazer transparecer. A ética é um conceito filosófico, no sentido de que o indivíduo deve conduzir suas ações a partir de um conjunto de valores, que vai variando de sociedade para sociedade, e de época para época. Como dito acima, o compliance está diretamente ligado à noção de fluxos financeiros e prevenção e combate à lavagem de dinheiro.

Porém, em terras tupiniquins, o compliance possui algumas outras nuances. A Lei Federal nº 12.846/2013, no seu artigo 1º, refere a responsabilização administrativa e cível de pessoas jurídicas, por atos lesivos à administração2 – esse é o mote do compliance no Brasil. Logo, a norma não possui natureza penal, inclusive, prevê a responsabilização objetiva dos entes ideais, bem como, ressalva a possível responsabilização penal individual dos dirigentes, administradores ou de qualquer pessoa natural, que concorra para o ato ilícito. A legislação pendia de regulamentação por Decreto.3

Essa Lei surge em um período de enrijecimento do combate à corrupção, em uma era pré-Lava-Jato. As investigações da “Operação Lava-Jato” iniciaram em março de 2014, então a Lei Federal nº 12.846/2013 começou a ganhar fama, visto sua proposta “anticorrupção”. Com o PT acuado, diante da grande pressão política da Lava-Jato, em 2015, é publicado o Decreto n. 8.420/2015, que regulamenta a lei anticorrupção, como uma resposta do governo PT, aos fatos revelados na “Operação Lava-Jato”.

Então, é visível, que existe um caráter responsivo na regulamentação do compliance no Brasil, como uma reação à podridão política brasileira. Algo como uma reação do governo à crítica pública. Atualmente, o Decreto n. 8.420/2015, foi substituído pelo Decreto n. 11.129/2022,4 que acabou por aprimorar a legislação inicial.

Então, até por questões de marketing e venda de serviços, o conceito de compliance foi estendido para o direito do trabalho, para proteção de dados (cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados), meio ambiente, ou seja, muito além da noção de controle de fluxos financeiros. Assim, no Brasil, compliance passou a ser entendido como “agir conforme a Lei”, evoluindo para uma noção de advocacia preventiva, evitando litígios, prática de ilícitos e sanções. Entretanto, deve-se sempre rememorar que a ideia de cumprir a Legislação Trabalhista, preservar o meio ambiente, é muito anterior a 2013.

Mas foi nesse expansionismo no conceito de compliance, que as noções de ESG, foram absorvidas por esse ramo do direito. ESG é uma sigla em inglês para environmental, social and governance, que, em tradução livre, pode ter o seguinte significado: responsabilidade ambiental, social e de boa-governança.

Segundo Costa e Ferezin5 , o ESG é o tripé do desenvolvimento sustentável. A preservação do meio ambiente, responsabilidade social e boa-governança estão situados nas premissas que ditarão um futuro mais próspero e feliz.

Então, cada vez mais as empresas terão que adotar práticas que preservem o meio ambiente, promovam justiça social e estimulem práticas de boa-governança. Com efeito, o compliance somente estaria presente nos quesitos de boa-governança, como uma forma de controle de fluxos financeiros e prevenção à prática de corrupção, mas com a expansão do próprio conceito, a preservação ambiental e justiça social, também acabam sendo metas do departamento de compliance.

É do conceito de ESG, por exemplo, que se extrai a justificativa para fundamentar o programa de estágio, voltados para pessoas negras, promovido pela “Magazine Luiza”.6 Decorre, igualmente, do ESG, a importância da Lei Federal n. 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.7

O que se percebe, portanto, é uma expansão do conceito de compliance, para algo mais próximo de boas-práticas na atividade empresarial. A empresa deixa ser um instrumento para busca incessante de lucros, e deve se reposicionar como um ator relevante no estímulo ao desenvolvimento sustentável.

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Marcelo Gonçalves

 

Referências

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1. https://bit.ly/3BbGrMF

2. https://bit.ly/3eJH0pn

3. Para uma compreensão mais completa sobre o compliance no sistema legal pátrio ver: GONÇALVES, Marcelo. Os Programas de Compliance na Realidade do Direito Penal Brasileiro. 1. ed. CURITIBA: EDITORA CRV, 2021.

4. https://bit.ly/3exTPmG

5. Costa, E., & Ferezin, N. B. (2021). ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) e a comunicação: o tripé da sustentabilidade aplicado às organizações globalizadas. Revista Alterjor, 24(2), 79-95. https://doi.org/10.11606/issn.2176-1507.v24i2p79-95. Disponível em: https://bit.ly/3eL1caD

6. Portal G1: “Programa de trainee para negros do Magazine Luiza cumpre papel constitucional, dizem advogados”, disponível em: http://glo.bo/3RV16eP

7. https://bit.ly/3L9puqX

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