Breves Notas sobre o Instituto do Disgorgement of Profits

Breves Notas sobre o Instituto do Disgorgement of Profits

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O instituto anglo-saxônico do disgorgement of profits versa, em breves linhas, sobre a restituição dos ganhos auferidos indevidamente por aquele que praticou um ato ilícito, com o objetivo de evitar o enriquecimento sem causa do ofensor. A proposta rompe, de maneira significativa, com a concepção clássica da responsabilidade civil, centrada na ideia de compensação do prejuízo, ao reconhecer que pode haver lucros ilícitos mesmo quando o dano experimentado pela vítima seja difícil de quantificar ou sequer perceptível economicamente.

Nessa linha, desloca-se o foco da análise do prejuízo sofrido para o benefício indevido obtido, impondo ao infrator o dever de devolver qualquer vantagem patrimonial oriunda da conduta ilícita, ainda que sem prejuízo direto comprovado à vítima.

A máxima da common law segundo a qual “tort must not pay” — traduzida livremente como “o ilícito não deve ser lucrativo” — é frequentemente invocada como fundamento ético da responsabilidade civil. No entanto, sua efetividade encontra limitações concretas no cenário contemporâneo, marcado por estruturas empresariais complexas e dinâmicas econômicas que permitem a obtenção de vantagens substanciais a partir de violações pontuais e tecnicamente sofisticadas.

Em vez de punir economicamente o ilícito, o sistema muitas vezes apenas repara a vítima com indenizações que não alcançam o impacto real da infração, deixando intacto ou até legitimado o ganho indevido do infrator. Essa disparidade é evidente em situações de infração à propriedade intelectual, concorrência desleal e publicidade abusiva, nas quais a conduta ilícita gera visibilidade, lucro ou ganho de mercado ao autor da infração, sem que isso, necessariamente, represente um prejuízo imediato mensurável ao titular do direito lesado.

Ewoud Hondius e André Janssen prelecionam que, sob o ponto de vista do Direito Privado, pelo menos três são as razões pelas quais as condutas ilícitas beneficiam os agentes que lesam aos demais. A primeira refere-se a quando a chance de identificação do infrator é muito baixa, sendo que, nessas situações o agente pressupõe que não será responsabilizado por seu comportamento ilegal. A segunda razão refere-se a apatia racional em relação aos sujeitos prejudicados nos casos de danos de menor proporção. São casos em que o dano sofrido por cada indivíduo é baixo e, consecutivamente, a chance de que o ofendido busque a reparação é igualmente baixa, mas, como diversos sujeitos sofrem o dano, o lucro do infrator é elevado. A terceira e última razão apontada revela-se quando o lucro esperado com a prática do ilícito supera as sanções legais. Na hipótese, ainda, que o infrator responda legalmente, a prática do ilícito é rentável.1

Ante a tal situação (em que o transgressor, após os procedimentos judiciais concernentes, aparenta estar em uma melhor posição do que estaria caso não optasse por praticar o ilícito gerador da demanda), permeia-se na sociedade a sensação de ausência de justiça social, vez que a restituição por si só pouco lhe afetou. Afinal, o autor do ilícito restituiu a vítima suas perdas, mas ainda assim obteve proveitos a partir da situação criada pelo próprio, não desestimulando comportamentos similares ou lhe retirando todos os ganhos.

No âmbito da common law, desenvolveu-se o instituto do disgorgement of profits com a escopo de apresentar soluções eficazes para tais hipóteses. Nesse sentido, João Marcelo Torres Chinelato destaca que “é um remédio restitutório preordenado, não a reparar o dano ou a compensar a vítima, mas a retirar das mãos do ofensor quaisquer frutos colhidos de sua ilicitude.”2

O disgorgement, de acordo com o Legal Information Institute, pode ser definido como “um remédio que exige que uma parte que lucra com atos ilegais ou ilícitos ceda qualquer lucro que tenha obtido como resultado de sua conduta ilegal ou ilícita. A finalidade deste remédio é evitar o enriquecimento sem causa” (tradução nossa).3 Tal conceituação possui como base a justiça social, consagrada pela máxima do sistema da tort law de que “ninguém pode tirar vantagem de seu próprio ilícito“.

Nelson Rosenvald e Bernand Korman Kuperman lecionam que o disgorgement of profits se refere a uma situação de desistência (give up), de modo que o agente abdicará dos ganhos obtidos, ainda que não diretamente, do patrimônio da vítima. Distingue-se, portanto, do locupletamento ilícito, situação na qual se vislumbra a devolução (give back) dos ganhos obtidos em detrimento do patrimônio da vítima, sendo manifesta aplicação de uma justiça corretiva.4

Ademais, pode-se afirmar que a aplicação do disgorgement of profits exige a comprovação de três elementos, quais sejam:

  1. i) prática de um ato ilícito na relação entre dois ou mais sujeitos;
  2. ii) aferição de vantagem como resultado do ilícito praticado por parte de um dos sujeitos;

iii) invariabilidade do patrimônio do sujeito lesado.

Destarte, a aplicação do disgorgement elencaria as três funções que abrangem a sistemática da responsabilidade civil contemporânea, quais sejam, a reparação, a punição e a precaução.

O direito brasileiro, ao não incorporar de maneira sistemática o disgorgement, frequentemente permite que o ilícito seja economicamente vantajoso. Em certos contextos, a expressão popular “o crime compensa” revela-se insuficiente, sendo mais adequado afirmar que “o ilícito compensa”, sobretudo quando se observa que infratores não apenas lucram, mas o fazem com respaldo fático e previsibilidade de impunidade.

O enriquecimento ilícito passa a ser, assim, não um efeito colateral do sistema, mas uma falha estrutural de sua lógica reparatória tradicional. A ausência de mecanismos eficazes de restituição dos lucros indevidos contribui para que condutas violadoras se tornem parte calculada das estratégias empresariais, sobretudo quando os eventuais custos jurídicos são considerados inferiores ao benefício econômico esperado. A violação de cláusulas de exclusividade, o aproveitamento indevido da imagem alheia e a promoção de campanhas que tangenciam o plágio ou a confusão com marcas concorrentes são exemplos eloquentes desse fenômeno.

É nesse contexto que a aplicação da teoria do disgorgement of profits revela-se como instrumento complementar e necessário à responsabilidade civil clássica. Ela visa não apenas a reparação do dano, mas a neutralização de todo e qualquer proveito econômico que decorra de conduta ilícita.

A lógica subjacente é impedir que o infrator, ainda que eventualmente responsabilizado, permaneça em situação patrimonial mais vantajosa do que aquela que teria caso tivesse agido conforme o direito. Tal abordagem, portanto, fortalece os pilares da prevenção, da justiça distributiva e da moralidade contratual, especialmente em contextos como o da publicidade, onde a circulação massiva de informações e o uso da imagem têm impacto direto no comportamento do consumidor e no valor das marcas.

Portanto, incorporar o disgorgement of profits ao repertório da responsabilidade civil brasileira implica em reconhecer que o Direito não pode tolerar nem legitimar ganhos que resultem da violação da confiança alheia ou da exploração antijurídica de posições contratuais ou concorrenciais. Em tempos em que a visibilidade e o capital simbólico são convertidos em lucros com extrema rapidez — como nos casos envolvendo influenciadores digitais —, a sanção civil deve ser suficientemente eficaz para retirar qualquer incentivo econômico ao ilícito, desestimulando condutas que, embora lucrativas, corroem a integridade do ordenamento jurídico.

 

 

Referências

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1. HONDIUS, Ewoud; JANSSEN, André. Disgorgement of Profits: Gain-Based Remedies throughout the World. ed. 8. Cham: Springer International Publishing, 2015.

2. CHINELATO, João Marcelo Torres. Do dever de restituir o lucro decorrente da lesão a direitos coletivos. Publicações da escola da AGU. vol. 10, n. 3, p. 115-130, Brasília: AGU, 2018, p.118.

3. No original: “A remedy requiring a party who profits from illegal or wrongful acts to give up any profits he or she made as a result of his or her illegal or wrongful conduct. The purpose of this remedy is to prevent unjust enrichment.” (LEGAL INFORMATIONS INSTITUTE. Disgorgement. Disponível em: <https://www.law.cornell.edu/wex/disgorgement>. Acesso em: 21 jul. 2025.)

4. ROSENVALD, Nelson; KUPERMAN, Bernard Korman. Restituição de ganhos ilícitos: há espaço no Brasil para o disgorgement? Revista Fórum de Direito Civil, Belo Horizonte, ano 6, n.14, p.11-31, jan./abr. 2017.

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