A proteção de dados, enquanto um dos braços da efetivação da dignidade humana,1 demanda um olhar contínuo e atento não somente das pessoas individualmente consideradas, mas também de toda a sociedade, resguardando não somente interesses individuais, mas também coletivos. A questão, contudo, é que diferentes atores exercem diferentes papeis, de forma que o indivíduo ou um conjunto de pessoas exercerão suas lutas por um fluxo informacional de dados, mas ainda sim será necessária a atuação de um órgão específico nessa seara.
Na área da proteção de dados essa tarefa é comumente voltada às autoridades de controle, conhecidas por sua autonomia e conhecimento técnico sobre a matéria, contribuindo para o entendimento e alinhamentos dos agentes de tratamento e titulares frente às questões complexas. Isso se alinha à defesa de uma autoridade proativa e participante desse ambiente.2
A história da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ainda que recheada de idas e vindas junto ao poder legislativo e se confundindo com a história da própria Lei Geral de Proteção de Dados,3 vem se consolidando enquanto importante voz na cultura da proteção de dados. Hoje sua principal característica essa em sua natureza autárquica especial, conferida pela Lei 14.160 de 2022, retirando-a de sua posição vinculada a Presidência e dando a maior autonomia característica das demais autoridades de controle.
Frente a essa maior independência a ANPD vem solidificando seu papel e atuação, seja para contribuir de maneira educativa, seja para aplicar sanções administrativas já em vigor.
Outro ponto, contudo, é a dicção legislativa que não torna nítido os contornos da autoridade, causando confusão entre os agentes. Uma das formas de endereçar esse problema está no projeto de Lei 615/2024, o qual visa incluir a ANPD dentro da Lei 13.848/2023 lei esta que versa sobre gestão, organização e controle social das agências reguladoras. A proposta, segundo seu autor, Senador Angelo Coronel, está que frente a definição vaga da lei a extensão da autonomia fica prejudicada, à ponto desta depender de “delegações e aprovações do Ministério Supervisor, para atos ordinários como contratações e assinatura de contratos administrativos”.4 Nesse sentido a proposta legislativa é alterar o art. 51 da Lei 13.848/2019, incluindo a ANPD no mesmo dispositivo em que são atribuídas características ao CADE.
A dicção do artigo ficaria: “Art. 51. O disposto no art. 3º e, no que couber, nos arts. 14 a 20 desta Lei aplica-se ao Cade e à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)”. O art.3º da Lei estabelece os desdobramentos ao considerar determinada agência reguladora enquanto de natureza especial, como ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, autonomia funcional, decisória administrativa financeira. Já os arts.14 a 20 se inserem dentro do Capítulo II – da Prestação de Contas e do Controle Social.
Ainda que efetivamente a ANPD seja uma autarquia de natureza especial, a delimitação explícita em lei garante maior segurança jurídica para o órgão, bem como para a sociedade, tendo em vista que existirá também de forma nítida a atribuição de deveres referente ao controle pelo Congresso Nacional, pelo Tribunal de Contas da União, ao mesmo tempo que será exigida da autarquia práticas de gestão de risco, controle interno e a elaboração de programas de integridade, conforme art.3º, §3º.
Por mais que não pareça ser uma grande mudança tal proposta pode retirar pontos nebulosos sobre o alcance da ANPD e de quais obrigações são a ela direcionadas.
Referências
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1. Mulholland, Caitlin Sampaio. Dados pessoais sensíveis e a tutela de direitos fundamentais: uma análise à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18). Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 19, n. 3, p. 159-180, 2018, p.171.
2. Rodotà, Stefano. A Vida na Sociedade da Vigilância: a privacidade hoje. Organização, seleção e apresentação: Maria Celina Bodin de Moraes. Trad. Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Renovar, Rio de Janeiro, 2008. p. 87.
3. Bioni, Bruno Ricardo; Rielli, Mariana Marques. A construção multissetorial da LGPD: história e aprendizados, in: Bruno Ricardo Bioni (Org.). Proteção de dados: contexto, narrativas e elementos fundantes. São Paulo: B.R. Bioni Sociedade Individual de Advocacia, 2021. PDF.
4. Brasil. Senado Federal. Projeto de Lei nº 615/2024. Disponível em: link.