Os chamados, coloquialmente, “0800”, as caixas de sugestões que ficam nos refeitórios ou mesmo na recepção de algumas empresas, assim como o próprio celular de um funcionário, geralmente do setor de RH, ou nas empresas maiores, do compliance officer são canais de comunicação e denúncias fundamentais para a manutenção de um ambiente de trabalho sadio.
Aliás, um dos pilares do compliance, especialmente na área trabalhista, são os canais de comunicação e denúncias (HELP LINES), através desses instrumentos é possível verificar condutas que estão em desacordo com a política da empresa.
Os canais de denúncias são mecanismos utilizados para que os funcionários, clientes, prestadores de serviços, possam reportar, de forma anônima, condutas ou suspeitas de condutas inadequadas. Tais canais devem ser anônimos, confidenciais até mesmo para que o funcionário ou um parceiro não tenha qualquer insegurança em efetivar a denúncia.
Aliás, esse tipo de canal é a principal fonte de identificação de fraudes. Mas como seriam esses canais de comunicação?
Os instrumentos destinados as denúncias de irregularidades podem ser definidos por cada empresa, entretanto, devem garantir, de forma efetiva o anonimato, a proteção do denunciante e proibir qualquer forma de retaliação.
A empresa deverá criar um ambiente favorável para incentivar a realização de denúncias, garantindo o anonimato e a segurança do funcionário/colaborador denunciante.
Dentre os canais mais utilizados, conforme destacado no inicio deste texto, estão o “famoso” 0800, as urnas/caixa de denúncia (que podem ser deixadas em um local estratégico, ponto cego, como por exemplo refeitórios, em locais distantes de câmeras), site. A empresa ainda pode distribuir aos funcionários canetas ou calendários com o número do referido canal e o celular do responsável pelo compliance.
Os órgãos reguladores esperam que as empresas implementem esse tipo de canal de comunicação, no qual o funcionário ou mesmo parceiros comerciais possam entrar em contato para fazer suas denúncias, sejam essas baseadas em algum fato específico ou mesmo suspeitas de condutas inadequadas, de forma confidencial e anônima.
Aliás, na própria lei Anticorrupção 12846/2013, o artigo 7º, VIII, prevê uma redução da pena no caso das empresas que possuem canais de denúncia:
“ Artigo 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
(…)
VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos e de éticas e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; (…)”
A Petrobrás, após a o escândalo da Lava Jato, reformulou seu canal de denúncias, elaborado por uma empresa independente e especializada no serviço de receber as informações, coletar e escutá-las, garantindo dessa forma a imparcialidade, característica fundamental nesses canais de comunicação.
Na referida empresa o denunciante pode utilizar o telefone ou mesmo o site para fazer sua denúncia, recebendo uma senha para acompanhar todo o andamento do processo de apuração das informações. Ressalta-se que a denúncia não é rastreável e o anonimato é garantido.
Outro exemplo de empresa que adotou o canal de denúncia como mecanismo fundamental do seu compliance foi a Siemens, após escândalo sobre caso de corrupção dentro da companhia. Segundo Luísa Melo:1
“(…) O “ coração” desse “sistema de detecção” é o canal de denúncia. Para que ele seja eficiente, a empresa diz que é preciso mais do que manter um email e número de telefone para relatos anônimos. Assim, ela diz ter construído uma ponte com os funcionários para que eles se sintam confiantes em procurar o time de compliance pessoalmente. Feitas as denúncias, começam as investigações (…)”
O funcionário ou prestador de serviços deve se sentir seguro para efetuar a denúncia, sabendo que não sofrerá qualquer retaliação, caso contrário o canal de denúncia não atingirá seu objetivo.
Além do anonimato e da proteção ao denunciante outro ponto focal é a existência de uma via de comunicação imparcial.
A imparcialidade desde o recebimento, da coleta, da escuta da denúncia até a realização da investigação interna irá garantir o sucesso da atuação do compliance, até mesmo porque a irregularidade/fraude pode estar sendo cometida por pessoas que participam do processo de investigação da empresa.
A autonomia do setor do compliance, não sendo subordinado de forma efetiva à diretoria é fundamental para o deslinde das investigações. Se não houver essa imparcialidade muitas informações podem ser escondidas e a análise da conduta terá um viés subjetivo sendo que a adequação às normas deve ter caráter objetivo.
O compliance office, ou seja, a pessoa dentro da empresa responsável por essa área deve ser independente, deve ter liberdade de denunciar algo errado seja no setor jurídico, setor de relações humanas ( RH) e até mesmo o presidente/diretor, razão pela qual a independência e a imparcialidade para realizar as investigações deve ser prioridade dentre da empresa.
Sem essa imparcialidade e independência diretores e até mesmo presidentes de empresas seriam inatingíveis. O caso da empresa GUESS é um exemplo da imparcialidade exigida pela comunicação imparcial de denúncias.
O ex-diretor criativo da Guess, saiu da empresa em junho de 2018 após a modelo Kate Upton tê-lo acusado de assédio em fevereiro de 2018. A Guess contratou investigadores que comprovaram o comportamente antiético. O diretor Paul Marciano deixou o cargo e a Guess indenizou cinco mulheres em US$500mil.
Em alguns casos, dependendo do tamanho da empresa, a opção que garantiria a imparcialidade seria recomendável a terceirização do serviço para recebimento das denúncias.
Recebida a denúncia, a empresa deverá realizar, da forma mais rápida possível, a apuração dos fatos, analisando os documentos disponíveis para posteriormente aplicar as medidas disciplinares e corretivas, se a conclusão for esta.
As denúncias podem ser apuradas pelo Compliance officer ou até mesmo por uma assessoria técnica especializada para a realização das investigações, a fim de garantir a imparcialidade e maior confidencialidade das informações obtidas.
A existência de Comitê de Compliance ou um Comitê de Ética e Investigação auxiliará na investigação das denúncias realizadas
Os canais de denúncia são mecanismos simples de serem adotados mas com efeito e reflexo imprescindível dentro de um ambiente empresarial, evitando inclusive passivos trabalhistas.
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Referências
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GOMES, Liliane Soares Krauser. Material fornecido na Pós Graduação em Direito Digital e Damásio da instituição de ensino Damásio de Jesus, em aula relativa a “ Governança, Ética e Compliance” ( 04.09.2019).
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TEODORO, Maria Cecília Máximo; ANDRADE, Karin Bhering; BITARÃES, Ana Cecília de Oliveira; ANDRADE, Iris Soier d Nascimento de. Compliance e Direito do Trabalho. 1.ed.Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019.
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