Na coluna passada, falamos brevemente sobre o conceito de inovação e a sua presença marcante em Startups, ao lado de outras características que se complementam para formar esses modelos de negócio inovadores:
Mas o que é uma Startup?
Eric Ries define esse tipo de empresa como “(…) uma instituição humana projetada para criar produtos e serviços sob condições de extrema incerteza”.1 Portanto, é o espaço ideal para projetar ideias e fazê-las florescer ou, pelo menos, tentar. Vale mencionar que apenas nos três primeiros meses de 2021, as empresas captaram a significativa marca de US$ 2 bilhões em capital de risco movimentado no país. Por esses e outros motivos que o legislador tenta garantir menos burocracia e mais flexibilidade para seus fundadores e, até mesmo, investidores, limitando responsabilidades e incentivando investimentos.
Podemos citar como exemplo dessa movimentação o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (Lei Complementar 182) publicado em junho de 2021. Ainda não havia no Brasil uma lei concentrada sobre o tema e, mesmo que não tenha esgotado diversos assuntos essenciais relacionados a Startups, pontos importantes foram regulamentados.
Uma das previsões do Marco é o “sandbox regulatório”, ou seja, um ambiente regulatório experimental que pretende facilitar o lançamento de produtos e serviços pelas Startups com menos burocracia. Há também a previsão de contratação com o Poder Público, por meio de processo licitatório específico.
Entre outras questões relevantes, o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador modificou a Lei Complementar 123 de 2006 para definir que os exames de pedidos de registro de marca ou patentes devem ser considerados prioritários pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o que nos leva à propriedade intelectual como uma das formas mais importantes para proteção da inovação.
Primeiramente, ressaltamos a importância das patentes de invenção em termos de inovação, pois ela garante o monopólio da exploração ao seu titular por determinado período permitindo que ele recupere seu investimento. No entanto, vale lembrar que ideias não são patenteáveis! A Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279 de 1996 ou LPI) também exclui a patenteabilidade de teorias científicas, métodos matemáticos, descobertas, regras de jogo, técnicas ou métodos operatórios ou cirúrgicos etc.
Uma invenção patenteável deve atender aos seguintes requisitos:
- Novidade;
- Atividade inventiva;
- Aplicação industrial.
Portanto, a invenção deve ser nova, ou seja, não estar disponível ao público antes do depósito do pedido de patente e isso não se restringe ao Brasil. Uma invenção que já existe na França mesmo que não tenha sido patenteada, por exemplo, não poderá ser patenteada aqui. Dá-se o nome de estado da técnica quando já está disponível. Por outro lado, existem algumas exceções que “retiram” a invenção do estado da técnica, desde que tenham sido realizadas/publicadas dentro de doze meses que antecedem o depósito.
Já a atividade inventiva da invenção pode ser analisada com a seguinte pergunta: um técnico ou especialista no assunto pode considerá-la decorrente de uma maneira comum ou vulgar do estado da técnica? Se a pergunta for negativa, a característica está presente. Por fim, a aplicação industrial está relacionada com a possibilidade de utilização ou produção em alguma indústria.
Nesse contexto, existe a diferenciação entre patente de invenção e de modelo de utilidade, sendo esta um objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Ou seja, trata-se de um objeto que proporcione um melhoramento a algo que já existe.
Além de patentes de invenção e modelos de utilidade, é essencial que uma Startup proteja a sua marca no INPI de acordo com a classe dos produtos ou serviços que irá produzir ou prestar. Isso porque os registros de marca têm proteção territorial (ou seja, registrados no INPI, terão proteção no Brasil) e são regidos pelo princípio da especialidade, destinando-se a proteger as atividades para aquela categoria em específico, conforme lista no rodapé deste artigo.2 Assim, por exemplo, poderia existir uma farmácia e um restaurante com a mesma marca por não atuarem no mesmo nicho. Existem algumas exceções, como marcas de alto renome (Coca-Cola), mas é um assunto para outro dia.
A marca é essencial quando falamos em Startups porque é ela que identificará os produtos e serviços, remetendo o público à origem, diferenciando uma Startup das demais e auxiliando na construção da sua reputação.
Porém, a propriedade industrial não se esgota em marcas e patentes, incluindo desenho industrial que, de acordo com a LPI, é a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.
A propriedade intelectual, que não se confunde com propriedade industrial, mas a abrange, também engloba outras matérias, como direitos autorais, de acordo com a Lei 9.610 de 1998 e a proteção do programa de computador, pela Lei 9.609 de 1998.
Ressalto essas duas leis porque Startups geralmente possuem algoritmos e softwares, o que pode ser protegido a depender das suas condições, como a proteção à base de dados por direito autoral e ao código-fonte. Vale mencionar que apesar de não ser necessário o registro para ambas as proteções mencionadas, ele pode ser eficiente em casos de discussão de anterioridade. Obras protegidas por direitos autorais podem ser registradas em diversas entidades, como a Biblioteca Nacional ou até mesmo via sistemas blockchain. Já o código-fonte deve ser registrado no INPI.
Para finalizarmos essa coluna, mas sem esgotar o assunto, uma Startup deve se preocupar com a proteção de dados pessoais desde o início da sua operação, implementando o chamado “Privacy by Design”. Mencionada expressão foi criada por Ann Cavoukian, ex-comissária de Informação e Privacidade na Província de Ontário no Canadá, na década de 1990, para se referir a uma estratégia metodológica de proteção à privacidade.
De acordo com a estratégia, tal proteção se incorpora desde o início ao projeto, ou seja, desde a estrutura e concepção dos sistemas, processos e serviços que envolvem o tratamento de dados pessoais3–4 . Assim, “Privacy by Design” tem como proposta central incorporar a ideia da privacidade do titular e da proteção de seus dados pessoais em todos os projetos desde a sua elaboração.
Pensando em privacidade e proteção de dados desde o início, uma Startup pode evitar grandes problemas no futuro e ter um passe importante no mercado diante de investidores, cada vez mais preocupados com a adequação à Lei Geral de Proteção de Dados.
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Referências
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1. RIES, Eric. The lean startup: how today´s entrepreneurs use continuous innovation to create radically successful businesses. Nova York: Crown Business, 2011. p. 37.
2. BRASI, INPI. Classificação de marcas. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3ltVrxU. Acesso em: 13 set. 2021.
3. ALVES, Carla Segala; VAINZOF, Rony. Privacy by design e proteção de dados pessoais. Jota, 2016.
4. Entre os princípios do Privacy by Design, encontra-se: (i) proatividade e prevenção; (ii) privacidade como configuração padrão; (iii) privacidade incorporada ao projeto; (iv) funcionalidade total; (v) segurança de ponta-a-ponta; (vi) visibilidade e transparência; (vii) solução centrada no usuário. Para mais informações sobre o tema, recomenda-se a leitura de CRONK, Jason. Strategic Privacy by design. IAPP, Portsmouth, 2018.