O racismo é uma tecnologia de terror. A sua contribuição perversa para a experiência política revela um interesse pela desproporcionalidade, pela precariedade e pela apresentação desumanizada de corpos enunciados ao largo da norma branca. No dia 03 de abril, terça-feira, fomos defrontados com racismo em horário “nobre”, na TV aberta — algo que, como sabemos, não é novidade. O black power (sinônimo de beleza e poder negro) de uma bailarina do programa do ratinho se tornou pressuposto — numa lógica bélica e depreciativa — de humilhação pública no instante em que o apresentador afirmou que o seu cabelo é “a peruca mais bonita”. Após ser informado sobre a naturalidade do black, ele ainda disse ter visto um piolho em seu cabelo e, por fim, pediu a outra mulher, assistente de palco, que puxasse o cabelo da bailarina para verificar a sua naturalidade.
Essa cena revela a complexidade do processo de racialização e alguns dos seus elementos principais: comparação, humilhação e desumanização. A comparação é um recurso sofisticado nas políticas discriminatórias, uma vez que aciona a força brutal da norma contra o corpo racializado. Nesse circuito hostil, a relação deixa de significar humanidade, reciprocidade e reconhecimento e revela uma relacionalidade fadada ao fracasso à medida que o outro é reiteradamente apresentado como parâmetro de rebaixamento. Ele, o outro, é apresentado como “o marcado”, o inumano, como uma presença que pode ser questionada sobre o seu corpo que, embora seja um território de disputa, no jogo da comparação é apresentado como um instrumento de poder de quem compara. A humilhação é, por vezes, camuflada no escopo do humor. Essa camuflagem sugere um ambiente não-violento ou ordenado. Todavia, nós sabemos que todo discurso tem compromisso com valores e, nesse caso, o humor depreciativo serve às políticas discriminatórias fazendo com que se construa uma dinâmica de distanciamento daquele corpo marcado e captado pelo estereótipo. Nesse prisma, o humor depreciativo sustenta o contrato racial fazendo com que a presença enunciada à distância da norma branca seja apresentada fora da reciprocidade, como uma existência impossibilitada de se tornar signatária das políticas de aliança, cuidado e humanização. Assim, o humor depreciativo, discriminatório e racista, atua na construção de uma cena que naturaliza a humilhação, bem como constrói sobre corpos racializados uma imagem que justifica, numa arquitetura política e bélica, a violação. Nesse ínterim, a desumanização é o produto de uma prática sistêmica e multiarticulada de opressão, pois revela o interesse pela continuidade da moralidade restritiva que sustenta o racismo e outras tecnologias de violência.
Ao fazer circular em rede nacional essa cena de perversidade — sim, perversidade —, o que se faz é reiterar lugares de apagamento muito bem construídos para acirrar um projeto de violência racial no Brasil. É imprescindível que o discurso antirracista seja, de fato, um compromisso de todas as pessoas. De todas as pessoas! E que cenas como essa sejam perturbadoras, incômodas e nos façam questionar a naturalização da violência enquanto tática refinada do racismo.