Conforme previsto na Constituição Federal, todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida, sendo este direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como direito humano de terceira geração, inerente à própria condição humana. O meio ambiente não se limita aos recursos naturais, flora e fauna, incluindo, dentre outros, o patrimônio artístico e cultural, bem como o espaço urbano, como ruas, praças e áreas verdes.
A relevância do bem ambiental e a necessidade de proteção justificam uma tutela jurídica multidisciplinar. Neste sentido, o art. 225, §3º da Constituição Federal determina que o causador de danos ambientais estará sujeito às sanções penais, civis e administrativas, de forma independente.1
O Direito Civil e suas formas de responsabilização devem ser interpretados de forma ampla, a fim de garantir efetiva proteção ambiental para as gerações presentes e futuras. Diante disso, acredita-se que, além de reparar os danos causados, a responsabilização civil deve buscar coibir a prática de novos danos, servindo-se como um desestímulo à prática de infrações ambientais.
Nesta esteira, os punitive damages, ou indenização punitiva, podem ser considerados como possível caminho à reparação civil por danos ambientais. Nelson Rosenvald, define o instituto como “remédio monetário de caráter punitivo em complemento à recomposição das perdas patrimoniais e existenciais das vítimas, sempre em caráter extraordinário”.2 Isto significa dizer que será imposto um valor considerável de indenização, de forma a compensar as vítimas, bem como desestimular a prática de novas infrações ambientais.
O instituto possui função punitivo-pedagógica, repreendendo o causador do dano e desestimulando a prática de condutas semelhantes. A imposição de indenização punitiva absorve a função compensatória da responsabilização, mas também se presta a educar o causador do dano e a sociedade, retribuir o comportamento lesivo e garantir a aplicação e cumprimento da lei.
Inexiste previsão legal do instituto na legislação brasileira. Os Tribunais estaduais e o Superior Tribunal de Justiça possuem tendência em aplicar a indenização punitiva em caso de danos morais. A aplicação, contudo, se dá de forma mitigada, de forma a evitar o enriquecimento ilícito do ofendido.
No caso dos danos ambientais coletivos, o valor indenizatório deverá ser depositado em nome de um fundo gerido por Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, dos quais devem fazer parte o Ministério Público e representantes da comunidade atingida.3 Dessa forma, acredita-se que não há risco de enriquecimento ilícito, sobretudo porque a vítima do dano ambiental é a própria sociedade, titular do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida.
A indenização punitiva parece ser compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo diante dos recentes desastres ambientais que ocorreram no Estado de Minas Gerais.4 Necessário lembrar que os danos ambientais perduram no tempo, com consequências que podem ser conhecidas somente após longo lapso temporal, não sendo possível dimensionar com precisão os impactos decorrentes de determinado dano.
Por outro lado, a internalização dos punitive damages pelo direito brasileiro deve observar critérios objetivos, evitando que a responsabilização extrapole limites, inclusive, constitucionais. A fixação do valor indenizatório não pode considerar pura e simplesmente a dimensão do dano ambiental, mas também a condição financeira do causador do dano ambiental, o grau de reprovabilidade da conduta e a gravidade do ato ilícito. Embora se trate de responsabilidade objetiva, não há vedação à análise do grau de culpabilidade para fixação de indenização punitiva.
A indenização punitiva é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro e encontra espaço de aplicabilidade ao direito ambiental, sobretudo em razão da autonomia jurídica do dano ao meio ambiente. A indenização punitiva no caso de dano ambiental visa efetivar os princípios da solidariedade intergeracional e da reparação integral, desestimulando a prática de danos ao meio ambiente por meio da fixação de valor indenizatório que ultrapasse a mera compensação.
Dessa forma, observadas as particularidades do direito civil ambiental, é possível a internalização dos punitive damages.
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Maria Luísa Brasil Gonçalves Ferreira
Referências
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ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Indenização punitiva. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, 2006.
GATTAZ, Luciana de Godoy Penteado. Punitive damages no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 964, fev. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3xwPw2v. Acesso em: 07 abr. 2021.
OWEN, David G. A Punitive Damages Overview: Functions, Problems and Reform. 39 Vill. L. Rev. 363, 1994. Disponível em:https://bit.ly/3vhnNQK. Acesso em 05 abr. 2021.
PÜSCHEL, Flavia Portella. A função punitiva da responsabilidade civil no direito brasileiro: uma proposta de investigação empírica. Revista Direito FGV, São Paulo, v. 3 n. 2, p. 17-36, jul/dez. 2007. Disponível em: https://bit.ly/3xqO0Pq. Acesso em: 31 mar. 2021.
1. Art. 225, §3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://bit.ly/3KJUr40. Acesso em: 14 abr. 2022.).
2. ROSENVALD, Nelson. Uma reviravolta na responsabilidade civil. 2017. Disponível em: https://bit.ly/38RT1q4. Acesso em: 14 abr. 2022.
3. Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. (BRASIL. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Disponível em: https://bit.ly/3jVFy2V. Acesso em: 14 abr. 2022).
4. Rompimento da Barragem de Fundão em Bento Rodrigues/MG, no ano de 2015 e Rompimento da Barragem Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho/MG, no ano de 2019.