O compliance não é somente um serviço oferecido pelo meio jurídico. As medidas de compliance e ESG podem, e devem, ser aplicadas em Escritórios de Advocacia, como uma evolução natural do mercado.
Contudo, uma pequena advertência no princípio: nenhuma legislação, em especial, a Lei de Lavagem de Capitais (Lei Federal n. 9.613/1998), exige que advogados, ou Escritórios de Advocacia, possuam Programas de Integridade, na forma da legislação anticorrupção. Isso aconteceu, em razão de ser altamente controvertido, a possibilidade de se exigir que profissionais, que trabalham com a interpretação da Lei, tenham a obrigação de reportar operações ilícitas ou suspeitas.
Essa situação é contraditória, porque, por exemplo, a exclusão do ICMS, da base de cálculo do PIS/CONFINS, chamada de tese do século, que restou resolvida recentemente,1 trata de uma grande discussão, em torno de uma possível sonegação fiscal, ou, no mínimo, ilícito administrativo fiscal. Esse é um exemplo sobre como a pura interpretação da Lei pode gerar um cenário de risco jurídico.
Outro aspecto delicado do dever de compliance na advocacia é o caso do potencial cliente que confessa um ato ilícito. O advogado é uma função essencial à justiça, cujo papel principal é defender o indivíduo contra os arbítrios do Estado, assim, esse defensor não pode ser obrigado a entregar o seu cliente ao Poder Público.
Contudo, essas contradições não podem ser tratadas como uma justificativa para o profissional de direito se envolver em ilícitos. A advocacia está regida por um Estatuto, baseado na Lei Federal n. 8.906/1994, e um rígido Código de Ética e Disciplina da OAB, que o impede de se envolver em práticas ilegais ou imorais.
Então, é plenamente possível que um Escritório de Advocacia, mantenha um departamento de compliance ativo e atuante, porém, terá que resolver alguns conflitos aparentes entre normas, quando direitos de seus clientes, estiverem em jogo.
Um departamento de compliance no próprio Escritório de Advocacia pode prever importantes regras de condutas, que serão benéficas ao corpo de profissionais, e pode impedir que a atividade jurídica seja utilizada para a lavagem de dinheiro. Veja-se, que o setor jurídico, pode ser considerado um setor de risco, para o branqueamento de capitais, visto que os honorários advocatícios podem ser arbitrados por critérios puramente subjetivos.
Além disso, existe o serviço de parecerista e consultoria jurídica, lato sensu, que pode ser prestado, inclusive, de forma verbal e à distância. Na própria “Operação Lava-Jato”, se presenciou o uso de contratos de consultoria, para a circulação de valores para pagamento de propinas.2
Assim sendo, o departamento de compliance de um Escritório de Advocacia pode prever: 1) a necessidade de que os contratos firmados sempre possuam respaldo fático e os serviços sejam prestados de forma real e material; 2) que todos os honorários advocatícios devem ingressar nas contas do escritório através de meios idôneos, devidamente documentados e com as obrigações fiscais cumpridas; 3) um Código de Conduta, que preveja sanções por más condutas no local de trabalho, tais como assédio sexual e moral; 4) um Código de Relacionamento com o Cliente, que dite regras sobre como se portar perante os potenciais serviços contratados, bem como, a entrega de mimos e presentes; 5) disciplinar relações com Magistrados, Desembargadores, Ministros e outros agentes públicos ou políticos, a fim de evitar práticas controvertidas, que extrapolem os famosos “Embargos Auriculares”; 6) nada impede que sejam escritas as normas sobre relações com fornecedores e outras relações comerciais, para o impedimento de atos ilícitos.
Enfim, as possibilidades de um departamento de compliance, na atividade advocatícia, são inúmeras, sem precisar cair em nenhum tipo de conflito com prerrogativas, tanto profissionais, quanto dos clientes. É uma tendência do próprio mercado, exigir de qualquer atividade comercial o respeito aos maiores padrões éticos possíveis.
Em torno da possibilidade de advogados praticarem políticas de ESG, igualmente, são infinitas. Do ponto de vista ambiental, o Escritório pode adotar práticas verdes, mais básicas, como substituir o copo de plástico, por canecas, até adotar uma linha técnica de defesas que preservem o meio ambiente. No âmbito da defesa de crimes ambientais, padrões éticos acabam cedendo ao direito à ampla defesa, mas isso não impede que o profissional oriente seus clientes sobre cumprir a Legislação Ambiental, inclusive, com a possibilidade de oferecer assessoria nessa área, capitalizando o enviromental do ESG.
Do ponto de vista social, o advogado é uma função essencial à justiça, logo, sua responsabilidade social é maior do que muitas outras profissões. Claro que a seara trabalhista coloca muitos profissionais do direito em situações delicadas, em que precisam defender na Justiça do Trabalho, verdadeiras violações a direitos sociais mínimos. Mas, sempre, os profissionais do direito podem orientar seu cliente sobre como evitar demandas judiciais e preservar a saúde, física e mental, de seus empregados.
Por fim, no âmbito da governança, os Escritórios de Advocacia devem aderir a padrões mais elevados de administração. Muitas empresas jurídicas sofrem com uma gestão amadora, muitas vezes conduzida pelo advogado de maior renome da banca, mas que não consegue o mesmo sucesso na sua carreira como administrador.
Os juristas, de forma geral, dentre eles bacharéis, Juízes, Promotores, Procuradores e os próprios Advogados, geralmente são figuras de prestígio social, com amplo escorço intelectual, e tornam-se verdadeiros formadores de opinião. Nesse sentido, que talvez esteja o principal papel dos Advogados, no ESG: a boa utilização de seu local de fala, informando a população sobre seus direitos e esclarecendo situações legais que caem na opinião pública, como as grandes operações em torno dos escândalos de corrupção.
O departamento jurídico, seja ele interno ou externo, possui a posição ideal para conduzir os clientes a boas-práticas. Assim, o Advogado até pode ser colocado na delicada situação de defender um ilícito grave, que seu cliente é culpado, mas que tem o direito à defesa. Porém, mesmo nessa situação, o Advogado possui o dever de tentar orientar para corrigir as condutas de seu cliente, a fim de que fatos ilícitos não se repitam.
Claro que essa é uma situação quase que utópica, mas a atividade jurídica não pode se colocar numa posição acima do compliance e do ESG, como um serviço a ser prestado, e não práticas a serem adotadas. A melhor forma de ensinar é pelo exemplo.
Portanto, a advocacia não pode se sentir coagida, ou acoada, quando se sugere que adotem políticas de compliance e ESG, todos devem fazer sua parte em busca de um mundo melhor. Por outro lado, existem maneiras de compatibilizar o exercício das prerrogativas, com as obrigações de compliance, sendo o ESG um avanço natural do mercado.
Importante frisar, que quando o compliance e o ESG promovem boas práticas de mercado, são instrumentos apartidários e sem nenhum tipo de vinculação ideológica. O que está se defendendo é que todas as empresas privadas, nelas incluídos os Escritórios de Advocacia, adiram a um modelo de negócio ético, socialmente e ambientalmente responsável, em que a Advocacia saiba o limite entre o lícito e o ilícito, e não se deixe ser usada para práticas odiosas de mercado.
Ademais, já tarda à Advocacia ressignificar sua própria profissão. A advocacia está deixando de ser uma atividade romântica, baseada em defesas de grandes teses perante jurados ou Tribunais, para se tornar uma atividade mais burocratizada. Trazer o ESG e o compliance, para dentro do Escritório, pode agregar valor ao serviço prestado, bem como, tirar a poeira dos velhos livros perdidos nas estantes.
Referências
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1. Tema 69 – Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. Disponível em: https://bit.ly/3ZBk0vt.
2. TRF4 | Operação Lava Jato. Mantidas condenações de executivos por fraudes em contratos da área de Gás e Energia da Petrobras. Disponível em: https://bit.ly/3F216pp.