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Conflito de interesses para o exercício do direito de voto em Sociedade Anônima – ocorrência, classificação e tratamento

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Para iniciarmos a discussão sobre o conflito de interesses, importante mencionar o artigo 115 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A) que gera as diferentes interpretações sobre a natureza do conflito de interesses e a consequente vedação do direito a voto, qual seja:

“Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

 2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6º do artigo 8º.

 3º o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido.

 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.”

Desta forma, o artigo 115 da Lei das S.A. tutela como abusivo e veda o voto exercido com o objetivo de causar dano à companhia ou a outros acionistas; ou aquele que o acionista visa à obtenção de vantagem que não seja de seu direito e que resulte ou possa resultar prejuízo para a companhia ou para os outros acionistas. Nesta toada, fica claro que, para termos a caracterização de um voto abusivo, o voto deverá ser exercido com um objetivo diferente aos interesses da sociedade.

Em se tratando do parágrafo 1º do artigo supracitado, o artigo estabelece três hipóteses de deliberação em que o sócio fica proibido de exercer seu direito de voto com vedação absoluta, pois entende-se que há existência de um conflito de interesses formal entre o acionista e a companhia. Somando-se a isso, a vedação imposta pelo parágrafo 1º é taxativa e não permite que ampliem a vedação, em virtude de o direito de voto ser considerado essencial para as deliberações tomadas pela sociedade, em que o interesse social se manifesta.

Assim, há uma corrente que defenda que as hipóteses de conflito de interesses deveriam ser analisadas sob um critério meramente formal, segundo o qual o acionista estaria proibido de intervir em qualquer deliberação em que ele tenha interesse potencialmente conflitante com a companhia, independentemente do mérito da decisão ou das circunstâncias de fato em que ela foi adotada. A violação dessa proibição acarretaria a nulidade da deliberação, ainda que o voto proferido pelo acionista não tenha causado prejuízos à companhia. Par ao entendimento em questão, o conflito formal de interesses existe em todo negócio jurídico bilateral em que o acionista e a companhia são partes contratantes. O negócio bilateral, por si só, já implica a existência de interesses diversos entre as partes. Assim, sempre haverá conflito formal, ainda que o negócio jurídico acarrete benefícios equitativos para a companhia e seu acionista.

Por outro lado, há outra corrente que entende que a lei societária regula as situações de conflito de interesses sob o enfoque substancial. Sendo assim, uma eventual ilegalidade constitui uma questão fática, a ser apreciada posteriormente, com base na análise do mérito da decisão, de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, denominada como conflito substancial ou material.

Nesse sentido, o conflito de interesses é formal, quando analisado antes da deliberação que incluiria o voto ilegal, pela posição em que o acionista se encontra frente a companhia e a relação jurídica bilateral, já para os casos em que se entende necessário a análise do mérito da deliberação, o conflito seria classificado como substancial ou material.

Portanto, a meu ver, a regra do conflito material ou substancial seria mais adequada a sua aplicação nas Sociedades, considerando que alguns sacrifícios são esperados para os benefícios dos demais e do objetivo final da companhia, sendo necessário a permissão do voto do acionista para que posteriormente seja analisado o mérito em questão.

 

Referências

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MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 2, pp. 464/465; NORMA PARENTE. “O Acionista em Conflito de Interesses”. In: Direito Empresarial (Aspectos Atuais de Direito Empresarial Brasileiro e Comparado). Ecio Perin Junior, Daniel Kalansky e Luis Peyser (Coord.). São Paulo: Método, p. 3229 e segs.

NELSON EIZIRIK. Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.72.

NELSON EIZIRIK. A Lei das S/A Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011, vol. I, pp. 662/663. No mesmo sentido: ERASMO VALADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA. Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 89. LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES. Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: RT, 1989, p. 25; TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 26.

Entendendo que se trata de conflito de interesses formal: MODESTO CARVALHOSA. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. v. 2, p. 470; NORMA PARENTE, conforme voto manifestado no Inquérito Administrativo CVM TA RJ 2001/4977, j. em 19.12.2001, e artigo publicado em Direito Empresarial: Aspectos Atuais de Direito Empresarial Brasileiro e Comparado. São Paulo: Método, 2005, p. 329-343.

Considerando que se trata de conflito substancial: LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, “Conflito de Interesses”. In: Estudos e Pareceres sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 25-26; FABIO KONDER COMPARATO, “Controle Conjunto, Abuso no Exercício do Voto Acionário e Alienação Indireta de Controle Empresarial”. In: Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 91; ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA, “Conflito de Interesses: Formal ou Substancial? Nova Decisão da CVM sobre a Questão”; Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Ed. Malheiros, v. 128, outubro-dezembro, 2002, p. 259; TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. Sociedades por Ações … v. II, p. 116 e 315; CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO. Sociedades por Ações. v. 3, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 81; EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro. v. 1, São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 278; PEDRO A. BATISTA MARTINS, “Responsabilidade de Acionista Controlador – Considerações Doutrinária e Jurisprudencial”, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 27, janeiro-março, 2005, p. 58-63. Sobre esse assunto, ver, também, LUIZA RANGEL DE MORAES, “A Jurisprudência no Tocante aos Conflitos de Interesse no Exercício do Voto em Sociedades Anônimas”, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e Arbitragem. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, v. 11, janeiro-março, 2001, p. 281-288; e JAIRO SADDI, “Conflitos de Interesse no Mercado de Capitais”. In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão (Coord.). Sociedade Anônima – 30 Anos da Lei 6.404/76. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 344-346. A controvérsia foi resumida na matéria “Um Conflito de Interesses Formal Basta para Impedir o Acionista ou o Conselheiro de Votar?”, na Seção Antítese, Revista Capital Aberto. nº 89, janeiro, 2011, p. 30-31.

ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Quorum, 2008.

CVM ALTERA ENTENDIMENTO SOBRE CONFLITO DE INTERESSES. Site, acesso em 12 de maio de 2023.

SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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