A Constelação familiar no judiciário

A Constelação familiar no judiciário

constelação familiar

A Constelação Familiar e Direito Sistêmico são constructos atuais que tem ganho crescente popularidade no meio jurídico brasileiro na última década.  A temática já possui diversos livros e artigos, divididos em críticas e elogios à utilização das técnicas por advogados e pelos tribunais como ferramenta de resolução de conflito.

Conforme a definição extraída do trabalho da professora Adhara Campos,1 a Constelação Familiar “é uma técnica terapêutica breve, orientada para soluções, que visa reincluir pessoas excluídas de um sistema, reconciliar partes dessa rede em conflito e reordenar as estruturas de ordem do sistema observado.” A terapia de origem alemã possui como denominação original o termo Familienaufstellung, que significa “colocar a família na posição”.

As sessões podem ser individuais ou grupais e duram em média 1:30hrs. Nela são realizadas representações com imagens configuradas pela parte, que recriam (com ajuda de atores ou objetos) seu âmbito familiar. Diante da representação, a facilitadora analisa o cenário montado e oferece proposições que devem ser ditas pelas partes para reordenar o sistema de acordo com os princípios do vínculo, da ordem e equilíbrio. Sendo assim, o alegado é que a aplicação da técnica possibilitaria a parte alcançar uma compreensão maior dos motivos desencadeadores da lide, a fim de solucionar a controvérsia.

“Ao estabelecer uma constelação familiar, o participante escolhe outros integrantes do grupo para representar os membros de sua família, colocando-os no recinto de modo que as posições relativas de cada um reproduzam as da família verdadeira. Os representantes passam a ser modelos vivos do sistema original de relações familiares. O mais incrível é que, se a pessoa coloca a sua ‘família’ com toda autenticidade, os representantes passam a sentir e a pensar de modo muito parecido com o dos membros verdadeiros – sem conhecimento prévio”.2 

O procedimento da constelação tem sido aplicado no sistema judiciário brasileiro como forma de mediação de conflitos com o aval da resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta os métodos alternativos/adequados e consensuais para a resolução de conflitos.

O Juiz de Direito Dr. Sami Storch, criador do termo Direito Sistêmico e pioneiro na aplicação da técnica no interior da Bahia, possui um blog sobre o assunto e conclui que “(…)uma solução simplista imposta por uma lei ou por uma sentença judicial pode até trazer algum alívio momentâneo, uma trégua na relação conflituosa, mas às vezes não é capaz de solucionar verdadeiramente a questão, de trazer paz às pessoas. O direito sistêmico se propõe a encontrar a verdadeira solução.”3

Como exemplo de aplicação da terapia4 podemos citar o projeto Constelar & Conciliar, criado em 2016 sobre a coordenação da professora Adhara Campos, que incluiu a realização da Constelação Familiar como mediação prévia aos processos nas Varas de Família do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, realizando conjuntamente uma coleta de dados5 para desenvolvimento de pesquisas.

Recentemente regulamentada,6 a técnica também terá sua aplicação expandida no Tribunal de Justiça de Minas Gerais por meio da Portaria n° 3.923/2021 e em diversos outros tribunais com regulamentação própria (Goiás, São Paulo, Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Alagoas e Amapá).7

Porém, é importante salientar que a ferramenta não possui nenhum tipo de regulamentação geral no Brasil. Há um projeto de Lei de n° 9.444/2017, em tramite na Câmara dos Deputados, que visa regulamentar e chancelar a Constelação Familiar como instrumento de solução de controvérsias entre particulares no Brasil. No mesmo sentido,  a iniciativa também se propõe a estabelecer parâmetros fixos para um curso de formação específico, que deverá contar com 140 horas presenciais, sem reserva de mercado, ou seja, podendo ser aplicado por qualquer pessoa que possua curso superior, sem demais qualificações.

Apesar da aparente receptividade do judiciário brasileiro, a Constelação Familiar possui diversas críticas e aspectos que necessitam de atenção. Em termos numéricos, a Constelação Familiar parece promover bons resultados quanto aos acordos firmados e satisfação imediata da parte, no entanto, os dados produzidos8 não foram obtidos com rigor científico e carecem de demais índices e uma melhor amostragem. No estudo realizado no TJDF não foi constatada a presença de nenhuma métrica relativa à saúde mental dos praticantes em longo prazo.

Ademais, a teoria desenvolvida por Bert Hellinger não possui embasamento científico9 ou aprovação dos Conselhos Federais de Psicologia ou Medicina. Ela se apoia em constructos preexistentes de diversas áreas do conhecimento, como a Filosofia, Sociologia, Psicanálise e a Psicologia, utilizando-os de forma fragmentada. Muitas das táticas utilizadas se baseiam em técnicas da Gestalt, da Psicanálise, da Teoria Sistêmica de terapia familiar e conjugal e no Psicodrama (que não se confunde com constelação familiar), porém são aplicadas por profissionais sem qualificação necessária, infringindo a área de atuação e especialidade do Psicólogo.

Outrossim, tendo em vista os conteúdos inconscientes que podem vir à tona durante a representação, seria ideal a participação de psicólogos prestando auxílio longitudinal para que as partes consigam processar as informações obtidas. Dentre os estudos analisados, somente o programa dos Superendividados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios possui acompanhamento psicológico posterior.

É importante salientar o estado de vulnerabilidade em que o sujeito processual se encontra quando tem sua vida e intimidade exposta em um processo judicial, nesse sentido deve ser dada especial atenção ao consentimento oferecido.  O convite à constelação por meio de intimação, como ocorre em algumas comarcas, pode gerar ideia de obrigatoriedade, que deve ser sempre desfeita.  Ademais, para que o método seja de fato consensual, tudo que ocorre na sessão deve ser explicado pormenorizadamente a parte, assim como os riscos envolvidos, para que seja feita uma escolha livre e esclarecida. Da análise dos regulamentos não há nenhuma menção sobre os possíveis riscos envolvidos na prática, entretanto, dependendo de como for realizada, a revelação de determinados conteúdos inconscientes pode ser traumática ao indivíduo.

Diante do exposto, denota-se que há uma demanda populacional pela justiça, e o poder judiciário, preso por suas próprias amarras, busca alternativas não convencionais que numericamente solucionam problemas para abrandar a suas mazelas. A CONSTELAÇÃO FAMILIAR, ao que tudo indica, alcança resultados na conciliação e resolução de conflitos. Apesar disso, é necessário olhar para além dos números, procurando implantar os métodos alternativos com cautela e segurança.

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Andressa Souza Oliveira

 

Referências

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1. CAMPOS, Adhara. A constelação sistêmica como política pública para a resolução de conflitos. 2016. R. Fórum Trabalhista – RF. Belo Horizonte, ano 5, n. 22 p. 1-264. ISSN 2238-4138.

2. CAMPOS, Adhara. A constelação sistêmica como política pública para a resolução de conflitos. 2016. R. Fórum Trabalhista – RF. Belo Horizonte, ano 5, n. 22 p. 1-264. ISSN 2238-4138. apud HELLINGER, Bert.

3. STOCH, Sami. O direito sistêmico. 2013. Disponível em: https://bit.ly/3Ejjd76. Acesso em: 22 dez. 2021.

4. A constelação é denomina por seus criadores como uma terapia, todavia não pode ser denominada como psicoterapia por não possuir reconhecimento do conselho federal de psicologia.

5. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Diagnostico geral do projeto dados 2017. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3yQEuDP. Acesso em: 22 dez. 2021.

6. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. TJMG regulamenta uso das Constelações Sistêmicas nos Cejuscs. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3msaZDl. Acesso em: 22 dez. 2021.

7. DOZE tribunais adotam técnica alemã de conciliação em conflitos. Revista Consultor Jurídico. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3ySVb1K. Acesso em: 22 dez. 2021.

8. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Diagnostico geral do projeto dados 2017. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3yQEuDP. Acesso em: 22 dez. 2021.

9. De acordo com o método cartesiano. “(…) em 2007, Hellinger cunhou a expressão “Hellinger Sciencia” em um seminário em Brasília – DF” (VIEIRA, Adhara Campos. A constelação no judiciário: manual de boas práticas. [S.l.: s.n.], 2021. 16 p., il. Disponível em: https://bit.ly/3GZJfxM Acesso em: 21 dez. 2021).

BRASIL, TJMG. Portaria n° 3.923/2021. Disponível em : https://bit.ly/3EkA6hy. Acesso em: 22 dez. 2021.

TJDFT usa sessões de constelações familiares para solucionar processos. Correio Brasiliense, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3FlWuIR. Acesso em: 22 dez. 2021.

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