O assédio de consumo é uma prática comercial que, muitas vezes, envolve estratégias agressivas ou manipulativas por parte de empresas ou vendedores com o objetivo de induzir os consumidores a adquirir produtos ou serviços. Essas táticas podem ser variadas, indo desde pressões psicológicas e promessas enganosas até a criação de situações de urgência artificial.
Essa forma de assédio, que é considerada como um “novo dano” prejudica os consumidores, muitas vezes levando-os a tomar decisões apressadas e inadequadas, resultando em gastos financeiros desnecessários ou em produtos e serviços que não atendem às suas necessidades.
A importância do marketing digital na atualidade é principalmente destacada pela incorporação das redes sociais à vida cotidiana das pessoas, proporcionando uma sensação de protagonismo e, consequentemente, eliminando fronteiras, permitindo a rápida disseminação de conteúdo.
Nesse contexto, é evidente a adoção de novas estratégias de publicidade por parte dos fornecedores de produtos e serviços. Diante dessas estratégias de marketing e publicidade, as redes sociais têm a capacidade real de influenciar os consumidores, levando-os a acreditar que necessitam daquele produto ou serviço em exibição, estimulando, assim, o consumismo.
Destaca-se, ainda, que “o conteúdo divulgado na rede atinge um enorme grau de exposição, com alcance global e alta velocidade de disseminação e alta possibilidade de formação de convencimento de um público alvo”.1
Neste sentido, relevante destacar a publicidade comportamental presente nas redes sociais, que caracterizam o “espaço-mercado”, que clama pela atenção centralizada e insaciável dos consumidores, que são notavelmente influenciados por uma publicidade personalizada, elaborada através de dados coletados.
Nesse contexto, empresas recorrem a modernos recursos tecnológicos que viabilizem o exercício do chamado marketing segmentado. Em simples termos, trata-se de expediente a partir do qual as estratégias publicitárias são reorganizadas por mecanismos como machine learning e algoritmos para que determinado anúncio seja apresentado ao consumidor que (potencialmente) tenha maior necessidade de consumir o produto ou serviço anunciado. 2
As mensagens publicitárias costumeiramente assumem viés reprovável a medida em que ganham força, caracterizando-se como práticas intrusivas, assim, impossibilitando a chamada liberdade virtual.
É perceptível, sob esse espectro, que as publicidades em ambiente virtual, muitas vezes marcadas pela ilicitude – no âmbito de violação ao Código de Defesa do Consumidor e à Lei Geral de Proteção de Dados, dentre outras disposições normativas –, são caracterizadoras de novos danos na sociedade contemporânea.
Nessa nova era tecnológica, é essencial levar em conta que os dados de uma pessoa têm uma dualidade fundamental. Eles possuem um aspecto existencial, que se concentra principalmente na proteção da privacidade e na preservação da identidade humana, como parte da defesa de sua dignidade. Além disso, há um aspecto patrimonial, relacionado à capacidade de utilizar esses dados como recurso para impulsionar atividades empresariais em uma ampla gama de setores.
A opacidade algorítmica dos sistemas de inteligência artificial denota um novo contexto de hipervulnerabilidade no ambiente digital, em que o consumidor, fragilizado ante aos avanços tecnológicos, encontra-se à mercê de massivas quantidades de anúncios de viés publicitário em suas redes sociais de forma hodierna, sendo essa publicidade desenfreada, patológica e onipresente, realizada através do marketing de imposição e, por consequência, lesando garantias como o direito ao sossego.
O excesso de compartilhamento, quando atrelado à conteúdos publicitários traz à baila a figura do “assédio de consumo”, caracterizado como novo dano da era digital, de cunho moral, com acepção “fundamentada nos direitos básicos do consumidor, garantindo a integridade psíquica das pessoas conectadas a Internet através de instrumento jurídico já historicamente consagrado, a saber, a responsabilidade civil”.3
A “perturbação ou importunação indevida praticada pelas publicidades virtuais, alimentadas por dados pessoais, configura lesão ao interesse jurídico tutelado e, consequentemente, dano à pessoa humana”,4 sendo elevado à categoria de dano digital encampado pela responsabilidade civil, sendo que é “direito de a pessoa de não ser importunada pelas publicidades virtuais de consumo não solicitadas é uma necessidade social contemporânea, inerente à sociedade virtual de consumo”5
Destarte, a prática do assédio de consumo é marcada pela publicidade agressiva aos consumidores, que se encontram bombardeados por ofertas de produtos e serviços através de inúmeras práticas inoportunas, sendo que no contexto virtual, o assédio demonstra onipresença, vez que permeia não apenas sites, mas também redes sociais, sendo impulsionado, inclusive, por influenciadores digitais.
Ainda que os debates sobre a temática aflorem aos poucos na doutrina nacional, teses como as de Arthur Pinheiro Basan,6 ao dialogar com disposições legais como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, destacam a urgência em evidenciar o assédio de consumo como dano violador de garantias fundamentais como o direito ao sossego, sendo que este novel dano é prática costumeira, mas infelizmente ignorado.
O autor, em seu escólio, ao abranger a extensão do assédio de consumo e as violações às garantias fundamentais correlatas, destaca o modelo operativo da responsabilidade civil e suas funções, com enfoque ao caráter preventivo, tônica da matéria no século XXI.
Ao aliar os conjuntos normativos existentes com a proposta legislativa de um novo inciso ao rol de direitos básicos do consumidor previsto no artigo 6º (“XI – o sossego, assegurada a proteção contra o assédio de consumo realizado por ofertas ou publicidades não solicitadas ou importunadoras”), o autor promove abrangente extensão protecionista a um cenário tecnológico marcado pela necessidade de respostas jurídicas aos incontáveis e hodiernos avanços.
Ademais, o autor objetiva a necessidade de superação do entendimento de que tais práticas seriam toleráveis ou ainda simples aborrecimento, transcendo a visão para o campo da responsabilidade civil que enfaticamente garanta, por intermédio de suas funções, a responsabilização dos ofensores pelo dano moral causado.
A defesa do assédio de consumo deve ser reconhecida como premente necessidade jurídica sob o espectro da sociedade digital, sendo que:
Trata-se, portanto, de necessidade social contemporânea, própria da Sociedade da Informação, exigindo do Direito uma resposta capaz de tutelar as pessoas. Esse direito deve ser concretizado por meio da responsabilidade civil, tendo em vista que é este um dos instrumentos jurídicos aptos a garantir a tutela dos direitos fundamentais frente às relações entre pessoas privadas.7
Em última análise, a proteção do consumidor contra o assédio de consumo exige uma abordagem holística que envolva regulamentações, conscientização pública, educação e ações de fiscalização. É fundamental que os sistemas jurídicos e regulatórios evoluam para lidar com essa nova espécie de dano, garantindo que os consumidores não sejam prejudicados por práticas comerciais antiéticas ou ilegais.
Medidas inibitórias possuiriam caráter protecionista, e não intervencionista, pois permitiriam que a publicidade fosse veiculada em plataformas digitais, tal como atualmente, porém com limites para a não caracterização de importunação ao sossego e violação aos dados pessoais, alcançando, assim, uma maior eficácia ao controle da responsabilidade civil contemporânea.
Referências
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1. ATHENIENSE, Alexandre Rodrigues. O enfrentamento jurídico da reputação na mídia digital. In: BRANT, Cassio Augusto Barros (Coord.). REINALDO FILHO, Democrito Ramos; ATHENIENSE, Alexandre Rodrigues (Orgs.). Direito Digital e Sociedade 4.0. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020, p. 233.
2. MARTINS, Guilherme Magalhães; JÚNIOR, José Luiz De Moura Faleiros; BASAN, Arthur Pinheiro. A responsabilidade civil pela perturbação do sossego na internet. Revista de Direito do Consumidor, p. 227-253, 2020, p. 233.
3. BASAN, Arthur Pinheiro. Publicidade digital e proteção de dados pessoais: O direito ao sossego. Indaiatuba: Editora Foco, 2021. E-book, p. 37.
4. MARTINS, Guilherme Magalhães; BASAN, Arthur Pinheiro. O marketing algorítmico e o direito de sossego na internet. In: BARBOSA, Mafalda Miranda; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; SILVA, Michael César; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura (Coords.). Direito Digital e Inteligência Artificial: Diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2021, p. 356-357.
5. BASAN, Arthur Pinheiro; JACOB, Muriel Amaral. Habeas Mente: a responsabilidade civil como garantia fundamental contra o assédio de consumo em tempos de pandemia. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, p. 161-189, maio/ago. 2020, p. 175.
6. Recomenda-se fortemente a leitura de: BASAN, Arthur Pinheiro. Publicidade digital e proteção de dados pessoais: O direito ao sossego. Indaiatuba: Editora Foco, 2021.
7. BASAN, Arthur Pinheiro; JACOB, Muriel Amaral. Habeas Mente: a responsabilidade civil como garantia fundamental contra o assédio de consumo em tempos de pandemia. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, p. 161-189, maio/ago. 2020, p. 175.