A imagem que surge no imaginário da população em geral quando se menciona o instituto dos contratos é a de um documento impresso, contendo inúmeras cláusulas escritas com vocabulário rebuscado e letras pequenas, sendo todas as páginas rubricadas pelos contratantes, cuja assinatura deveria constar manualmente ao final do documento.
De fato, por muito tempo a imagem descrita acima foi preponderante no mundo dos contratos e ainda é muito comum no dia a dia das negociações. Porém, hodiernamente, a situação do instituto contratual é muito mais plural e diversa do que era há alguns anos, situação que se tornou possível pelo surgimento de novas tecnologias e pelas modificações nos padrões de comunicação e consumo da sociedade.
Atualmente a realidade digital é tão presente na vida das pessoas quanto a realidade do mundo tangível. Na internet é possível encontrar, além de informações quase ilimitadas sobre quaisquer assuntos, também inúmeras ofertas de produtos e serviços em todo o país e internacionalmente, o que faz com que o seu consumo não esteja limitado a questões territoriais.
Diante deste cenário foi preciso que o instituto dos contratos se adaptasse para permitir o desenrolar das negociações de forma segura e prática. Nas palavras de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: “A oferta ao público adquire vulto descomunal na sociedade tecnológica em que a internet, meios eletrônicos e de telecomunicação massiva facilitam a contratação a distância”.1
Assim, passou a ser cada vez mais comum a realização de contratos eletrônicos, que podem ser conceituados como “ aqueles em que sua celebração depende da existência de um sistema informático, ou da intercomunicação entre sistemas informáticos.”2 Ou seja, um contrato será eletrônico quando for realizado por computador ou celular. Porém, tendo em vista a antiga ideia de que os instrumentos contratuais deveriam ser documentos físicos e que precisam da assinatura manual dos contratantes para se perfectibilizar, cumpre questionar, a manifestação da vontade para contratar por meio virtual é válida?
No que tange à validade dos negócios jurídicos, o Código Civil de 2002 exige a presença dos seguintes requisitos: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei3 . Assim, cumpridos esses requisitos, tem-se que o contrato será válido.
Quando se trata de contratos eletrônicos merece maior atenção o requisito da forma que o contrato pode assumir para que tenha validade jurídica, o que envolve a maneira como a vontade de contratar será manifestada. O Código Civil adota o princípio da liberdade das formas, o qual pode ser conceituado “como a possibilidade da livre escolha do meio pelo qual a declaração de vontade integrante do ato jurídico praticado será exteriorizada, a fim de surtir efeitos no mundo jurídico.”4 Tal princípio é concretizado pelo art. 107 do citado diploma legal: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”5
Assim, diante da liberdade conferida aos agentes, a manifestação da vontade contratual pode ocorrer virtualmente, desde que seja feita de forma livre e consciente, e seja possível atestar que partiu das partes contratantes. Nesse sentido, há no Brasil previsão da validade jurídica de documentos assinados eletronicamente, conforme dispõe a Medida Provisória nº 2.200-2 de 24 de agosto de 2001, em seu artigo 10º e parágrafos, o qual admite a presunção de veracidade das declarações de vontade manifestadas por assinaturas utilizando certificados disponibilizados pela ICP-Brasil ou outros meios admitidos pelas partes.6
Dessa forma, torna-se possível, inclusive, que sejam realizadas contratações pela manifestação da vontade das partes em mensagem enviada por e-mail ou por WhatsApp, devendo-se sempre tomar as precauções para que seja possível identificar que a manifestação efetivamente partiu dos contratantes e que eles concordaram com a forma pela qual ocorreu. Nesses casos, indica-se que os contratos contenham cláusula prevendo a forma como será dado o aceite e declarando que as partes estão cientes disso.
Diante disso, tem-se que se não for exigida nenhuma forma específica para o contrato que se pretende realizar, será plenamente válida a contratação por meio eletrônico, uma vez respeitados todos os requisitos de validade do negócio jurídico e desde que seja possível atestar a autoria e a veracidade da manifestação de vontade das partes contratantes.
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Referências
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1. FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, V. 4.
2. BRANCHER, Paulo Marcos Rodrigues. Contrato eletrônico. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3zgYw9W.
3. Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei. (BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3sJc5Nd. Acesso em: 23 de ago. de 2021).
4. VALE, Horácio Eduardo Gomes. Princípio da Liberdade das formas. Disponível em: https://bit.ly/3ych3Db. Acesso em: 23 de ago. de 2021.
5. BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3B96ouG. Acesso em: 23 de ago de 2021
6. Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. 1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil. 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. (BRASIL, Medida Provisória nº 2.200-2 de 24 de agosto de 2001. Disponível em: https://bit.ly/3jc4J1p. Acesso em: 23 de ago. de 2021).