Crianças e adolescentes podem contratar?

Crianças e adolescentes podem contratar?

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Tratando de negociações civis, o Código Civil dispõe em seu artigo terceiro, que menores de dezesseis anos são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, incluindo a celebração de contratos.

Para a legislação civil, pessoas com até dezesseis anos incompletos necessitam ser representadas por seus pais ou responsáveis, enquanto que de dezesseis à maioridade civil, aos dezoito anos, essas são assistidas, para suprir seu consentimento.

A penalidade para contratação com menor impúbere sem a presença de seus pais é a nulidade do negócio jurídico.

Esse rigor legal dá-se como forma de proteção tanto do ser humano em desenvolvimento, quanto do sistema econômico. Tendo em vista que geraria insegurança jurídica, bem como permitiria que seres vulneráveis pudessem ser facilmente ludibriados.

É certo que crianças e adolescentes tem uma ingenuidade maior, costumam a acreditar que aquilo que foi dito é verdade. Mesmo jovens, em razão da necessidade de pertencimento, tendem a agir conforme o comportamento do grupo. Isso se dá por darem maior importância ao pensamento de amigos, que de seus pais, reconstruindo uma identidade própria que antes era baseada no núcleo familiar.  O amadurecimento de áreas cerebrais não se dá conjuntamente, primeiro desenvolve-se os sistema de recompensa, posteriormente, a estrutura responsável pela cognição. Fato que explica a razão de adolescentes agirem no impulso, primeiro pensando no prazer, para só depois entender às consequências de seus atos, dificultando assim a capacidade de autorregulação.

Explicados os motivos, voltemos à indagação inicial.

Jovens emancipados por concessão dos pais, por casamento, exercício de emprego público efetivo, colação de grau na faculdade, que possuam economia própria, ouvido o Ministério Público e com reconhecimento de um magistrado poderão praticar atos da vida civil livremente, inclusive contratar.

Outra exceção é a hipótese que adolescentes entre dezesseis anos completos e dezoito incompletos contratem sem assistência, com o dolo de eximir-se da obrigação. Se deliberadamente ocultaram sua idade ou se se declararam maiores de idade, esses continuarão obrigados ao cumprimento do contrato, como aduz o artigo 180 do Código Civil. No mesmo sentido está o Tribunal de Justiça de São Paulo:

Prestação de serviços. Ação de inexigibilidade de Débito com anulação de negócio jurídico e indenização por danos morais. Academia de ginástica. Contrato firmado por menor relativamente incapaz. Mudança de cidade sem cancelamento do contrato firmado. Regularidade da cobrança. Ação julgada improcedente. Apelação da autora. Renovação dos argumentos anteriores. Alegação de nulidade do contrato firmado quando ainda menor de idade: não acolhimento. Autora que frequentou a academia durante alguns meses. Convalidação do contrato. Serviços efetivamente colocados à sua disposição. Cancelamento que não foi feito pela autora.Impossibilidade de o relativamente incapaz assinar o contrato e após, valer-se de sua condição, para eximir-se das obrigações assumidas. Cobrança legítima. Serviço que ficou disponível à autora. Inclusão do nome da autora junto aos órgãos de proteção ao crédito que não configura ilícito. Exercício regular do direito. Sentença mentida. (TJ-SP – AC: 10018874420198260581 SP 1001887-44.2019.8.26.0581, Relator: Francisco Occhiuto Júnior, Data de Julgamento: 27/01/2021, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/01/2021).

Mas e no caso de absolutamente incapazes, o que pode acontecer se seu filho de cinco anos fizer uma compra com seu celular ?

Para compras na internet, há que se analisar  a responsabilidade civil dos pais e os termos contratuais da plataforma que a compra foi realizada, uma vez que, o uso da internet é disseminado entre crianças e adolescentes, no entanto, nem sempre esses são acompanhados por um adulto. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2019, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 89% de crianças e adolescentes no Brasil utiliza a internet. Desses, 9% já realizou compras e 74% baixou aplicativos. Enquanto que 50% dos pais não verifica o histórico ou registro do que seus filhos fazem online.

No entanto, de acordo com as políticas de uso da maioria das plataformas ou a utilização é restrita para maiores de idade, ou existe a necessidade que os pais acompanhem o que as crianças façam online. Essa vigilância é um poder dever dos responsáveis que não podem evadir-se dela. Jovens necessitam de cuidados para guiá-los a entender o que seria considerado saudável, impor limites, desenvolver autocontrole, protegê-los de possíveis perigos e assegurar sua integridade psico-física. Sendo dever dos genitores obedecer critérios etários, ensiná-los sobre boas práticas, e proibir que seus filhos realizem contratos que não tem desenvolvimento adequado para fazê-lo.

Tanto dispositivos como plataformas permitem que pais configurem sistemas de proteção para impedir acesso a pessoas não autorizadas, dessa forma, cabe ao proprietário da conta verificar quem possui acesso a ela. Nesse sentido, o julgado que impôs aos pais o pagamento de quantia contratada por sua filha de treze anos:

A inobservância do dever de guarda e vigilância dos filhos menores pelos genitores, coloca estes em situação de responsabilidade patrimonial perante os prejuízos que o menor vier a causar a terceiros e a si próprio. (…) Ademais, qual seria a sugestão da parte autora para evitar o acesso de crianças à internet? Tecnologia dotada de infalibilidade para o reconhecimento facial com cálculo de idade a partir de elementos bio caracterizadores ainda não existe no momento histórico atual e dificilmente surgirá no futuro próximo. Tanto é assim que os casos de aferição de idade real atualmente fazem-se mediante perícia técnica, caso a caso, sob o crivo do contraditório e alicerçada em outros elementos de prova. Logo, afigura-se impossível impor à parte ré (que distribui serviços de internet pelo mundo afora), a identificação da idade real dos seus utilizadores. Tal trabalho, no caso de crianças e adolescentes, evidentemente, é dos responsáveis legais, conforme se extrai dos artigos 932, 933 e 1.630 do Código Civil e artigo 229 da Constituição Federal.

(Processo n. 1016178-98.2017.8.26.0361, 7ª Vara Cível da Comarca de Mogi das Cruzes, Estado de São Paulo, Juiz de Direito Dr. Robson Barbosa Lima, Data da sentença:19/12/2017)

Há que se lembrar que para compras à distância, o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor possibilita o acionamento do direito ao arrependimento, no prazo de sete dias. O ressarcimento será integral e imediato, após a devolução.

Caso hajam rusgas, eventuais conflitos podem ser tratados através dos métodos de resolução online de disputas como a plataforma consumidor.gov.br, vinculada ao Ministério da Justiça. São procedimentos rápidos, gratuitos e de fácil acesso.

Mesmo assim, lembrem-se: é melhor trocar a senha do celular.

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Mariana Almirão de Sousa

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