A utilização do aplicativo de comunicação imediata, atualmente, como por exemplo WhatsApp, Telegram, dentre outros, é geral e irrestrita, inclusive no ambiente laboral.
Por inúmeras vezes, até mesmo os gestores, organizam seus subordinados em grupos, para facilitar a comunicação, além da troca de informações entre esses. No entanto, essa utilização pode ocorrer sem qualquer limitação?
Para responder a tal questionamento precisamos analisar alguns aspectos. O primeiro deles refere-se ao teor das mensagens, se essas forem apenas “recados”, sem qualquer determinação ou estabelecimentos de ordens e tarefas a serem realizadas, a comunicação pode ocorrer após o horário de trabalho, desde que não seja habitual.
No entanto, se as mensagens enviadas através desses aplicativos tiverem conotação laboral, se houver por exemplo, exigência de metas, cobranças de atividades, fotografias para comprovar o local de trabalho, sua utilização deve ser restrita ao horário de trabalho.
Ora, por mais que o gestor estabeleça ações ou mesmo questionamentos que poderiam ser respondidos no próximo dia útil, sem que haja necessidade de retorno imediato, é humanamente impossível imaginar um funcionário que visualize a pergunta de seu encarregado no final de semana, e a responda apenas na segunda-feira! O mundo real, na maioria das vezes, não corresponde ao mundo ideal.
Analisando essa realidade, cada dia mais habitual, no cotidiano do trabalhador brasileiro, assim como o aumento das doenças laborais, inclusive emocionais, como o Burnout, depressão, síndrome do pânico, iniciou-se o estudo sobre o direito ou não, do empregado de não estar conectado 100% do seu tempo.
A tecnologia, por óbvio, trouxe inúmeras vantagens, cuja discussão seria pífia no momento atual, porém, com ela trouxe a necessidade de conexão full time.
Quando essa utilização dos aplicativos e redes sociais ocorre para o lazer, não há qualquer vinculação com o empregador e o ambiente de trabalho, porém, quando usadas para controle de jornada, para repasse de ordens e tarefas ou mesmo para cobranças do trabalho a ser realizado, a limitação deve ocorrer.
Algumas empresas, com foco nas melhorias das condições de trabalho e no bem-estar de seus funcionários, têm implantado o “ compliance”, assim como o “ESG” (sigla para Environmental, Social and Governance) estão adotando práticas para garantir um ambiente de trabalho saudável para o empregado.
O advogado Marcelo Lopes Jarreta destaca que :
Não se trata apenas de meio ambiente ou contenção de danos à natureza. O escopo do ESG é muito mais amplo e diz respeito às relações estabelecidas com funcionários e fornecedores; prevenção a acidentes do trabalho; o tratamento e as oportunidades em relação aos diversos grupos sociais que compõem a sociedade; as ações tomadas para promoção de diversidade; além de medidas adotadas no combate à fraude e à corrupção empresarial.1
ESG não é uma evolução da sustentabilidade empresarial, mas sim a própria sustentabilidade empresarial, agora enxergada cada vez mais na prática e não apenas nos discursos, estando diretamente ligada ao compliance e à ética das empresas.
Portanto, nesse contexto de adequação das empresas às normas e condutas laborais, surge o direito à desconexão, ou seja, o direito que o empregado possui de se desligar dos meios de comunicação com seu empregador, desde que não esteja de plantão ou sobreaviso, sendo que sua aplicação, deve ser imediata.
Ainda não há previsão legal expressa no Brasil sobre o direito à desconexão. O parágrafo único do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — com redação dada pela Lei 12.511/2011 — apenas diz que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.
No entanto, o judiciário tem condenado as empresas que descumprem e violam esse direito.
No julgamento do ROT 0024431-46.2020.5.24.0021/MS, os desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS) condenaram uma empresa a indenizar a funcionária por violação ao direito à desconexão. No caso concreto, a trabalhadora cumpria jornada das 5h30 às 20h30 de segunda-feira a sábado — inclusive em feriados —, e aos domingos das 7h30 às 18h30. Os julgadores entenderam que essa jornada comprometia o descanso e o convívio social e familiar, violando, assim, o direito à desconexão.2
Não se trata de condenação ao pagamento de horas extras, mas sim a uma indenização pela violação do direito em questão.
Não obstante, o direito de se desconectar seja uma construção pautada em jurisprudência, atualmente tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 4.044/2020, que visa regulamentar a matéria, estabelecendo dessa forma todas as disposições e regramentos relativos ao tema.
O projeto de lei, de autoria do senador Fabiano Contarato estabelece, dentre várias outras regras, que o empregador não poderá acionar um empregado, por telefone ou por qualquer meio de comunicação eletrônica, como e-mail e WhatsApp, fora do horário de trabalho.
Destaca-se ainda que no texto há determinação expressa para que o trabalhador seja excluído de grupos de mensagens de trabalho e que seja removido de seus dispositivos eletrônicos e aplicativos utilizados exclusivamente para o desenvolvimento do seu trabalho.
O intuito desse direito à desconexão é evitar abusos pelos empregadores, diante das inúmeras facilidades tecnológicas, garantido ao empregado seu momento de descanso e lazer, de forma integral, sem qualquer interferência laboral.
Para finalizar essa Coluna mensal gostaria de deixar registrado que há um ano fui convidada para escrever sobre assuntos relacionados à área do Direito do Trabalho, nesse espaço que divido com vários colegas talentosíssimos, de áreas distintas. Ao percorrer esse caminho, a cada nova Coluna, constatei como há discussões relevantes que devem ser suscitadas. Parabenizo os idealizadores do Magis – Portal Jurídico pelo empenho e principalmente pela excelência do trabalho.
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Referências
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1. JARRETA, Marcelo L. Artigo: A hora do ESG: a importância das medidas para sua empresa. Site eletrônico: https://bit.ly/3EsVPqT.
2. SANTOS, Rafael. Artigo: https://bit.ly/3Gb4Nu6, 10.01.22, visitado em 09.11.2022 às 11h34.