A teoria do disgorgement of profits aborda a questão dos ganhos indevidamente obtidos, com a finalidade de se evitar a ocorrência do enriquecimento sem causa do gerador do dano. Nesse giro, é proposto um rompimento com a ideia assente no âmbito da responsabilidade civil de que para que uma pessoa aufira ganhos é necessário que outra seja prejudicada.
A máxima da common law do “tort must not pay”, traduzido livremente a algo similar à “o ilícito não deve ser lucrativo” é comumente reiterado na responsabilidade civil, sendo que a referida máxima tem pouca eficácia se o cenário contemporâneo for colocado em análise.
Afinal, não é surpresa alguma depararmo-nos com hipóteses, principalmente no âmbito empresarial, de quebra do direito de concorrência, violações do direito de propriedade intelectual e outras que acabam por ocasionar vantagens indevida ao autor do ilícito.
Em âmbito brasileiro, a máxima de que “o crime compensa” pode ser ampliada e relida como “o ilícito compensa”, e, ainda, se acrescenta que, além de compensar, paga-se bem ao infrator. Não são atípicos os casos em que indivíduos adentram na ótica de direitos alheios, beneficiam-se economicamente por tais atos antijurídicos que lesionam o que pertencem a outrem e saem impunes de tais práticas.
Ewoud Hondius e André Janssen prelecionam que, sob o ponto de vista do Direito Privado, pelo menos três são as razões pelas quais as condutas ilícitas beneficiam os agentes que lesam aos demais. A primeira refere-se a quando a chance de identificação do infrator é muito baixa, sendo que, nessas situações o agente pressupõe que não será responsabilizado por seu comportamento ilegal. A segunda razão refere-se a apatia racional em relação aos sujeitos prejudicados nos casos de danos de menor proporção. São casos em que o dano sofrido por cada indivíduo é baixo e, consecutivamente, a chance de que o ofendido busque a reparação é igualmente baixa, mas, como diversos sujeitos sofrem o dano, o lucro do infrator é elevado. A terceira e última razão apontada revela-se quando o lucro esperado com a prática do ilícito supera as sanções legais. Na hipótese, ainda, que o infrator responda legalmente, a prática do ilícito é rentável.1
Ante a tal situação (em que o transgressor, após os procedimentos judiciais concernentes, aparenta estar em uma melhor posição do que estaria caso não optasse por praticar o ilícito gerador da demanda), permeia-se na sociedade a sensação de ausência de justiça social, vez que a restituição por si só pouco lhe afetou. Afinal, o autor do ilícito restituiu a vítima suas perdas, mas ainda assim obteve proveitos a partir da situação criada pelo próprio, não desestimulando comportamentos similares ou lhe retirando todos os ganhos.
No âmbito da common law, desenvolveu-se o instituto do disgorgement of profits com a escopo de apresentar soluções eficazes para tais hipóteses. Nesse sentido, João Marcelo Torres Chinelato destaca que “é um remédio restitutório preordenado, não a reparar o dano ou a compensar a vítima, mas a retirar das mãos do ofensor quaisquer frutos colhidos de sua ilicitude.”2
O disgorgement, de acordo com o Legal Information Institute, pode ser definido como “um remédio que exige que uma parte que lucra com atos ilegais ou ilícitos ceda qualquer lucro que tenha obtido como resultado de sua conduta ilegal ou ilícita. A finalidade deste remédio é evitar o enriquecimento sem causa” (tradução nossa).3 Tal conceituação possui como base a justiça social, consagrada pela máxima do sistema da tort law de que “ninguém pode tirar vantagem de seu próprio ilícito“.
Nelson Rosenvald e Bernand Korman Kuperman lecionam que o disgorgement of profits se refere a uma situação de desistência (give up), de modo que o agente abdicará dos ganhos obtidos, ainda que não diretamente, do patrimônio da vítima. Distingue-se, portanto, do locupletamento ilícito, situação na qual se vislumbra a devolução (give back) dos ganhos obtidos em detrimento do patrimônio da vítima, sendo manifesta aplicação de uma justiça corretiva.4
Ademais, pode-se afirmar que a aplicação do disgorgement of profits exige a comprovação de três elementos, quais sejam:
i) prática de um ato ilícito na relação entre dois ou mais sujeitos;
ii) aferição de vantagem como resultado do ilícito praticado por parte de um dos sujeitos;
iii) invariabilidade do patrimônio do sujeito lesado.
Destarte, a aplicação do disgorgement elencaria as três funções que abrangem a sistemática da responsabilidade civil contemporânea, quais sejam, a reparação, a punição e a precaução.
O disgorgement of profits apresenta, em realidade, um caráter predominantemente preventivo-punitivo, de modo que, por intermédio de uma punição exemplar àquele que pratica o ato ilícito, objetiva desestimular o agressor e a sociedade como um todo a reiterar determinadas condutas ilícitas.
Ademais, revela caráter precaucional, ao reduzir a possibilidade de que o dano transcorra, mediante o controle de incertezas jurídicas ao tutelar uma temática ainda não desbravada no Brasil. Por fim, no que se refere à função reparatória, sustenta-se que os atuais instrumentos jurídicos exercerão tal função, e o disgorgement of profits atuará como complemento.
Referências
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1. HONDIUS, Ewoud; JANSSEN, André. Disgorgement of Profits: Gain-Based Remedies throughout the World. ed. 8. Cham: Springer International Publishing, 2015.
2. CHINELATO, João Marcelo Torres. Do dever de restituir o lucro decorrente da lesão a direitos coletivos. Publicações da escola da AGU. vol. 10, n. 3, p. 115-130, Brasília: AGU, 2018, p.118.
3. No original: “A remedy requiring a party who profits from illegal or wrongful acts to give up any profits he or she made as a result of his or her illegal or wrongful conduct. The purpose of this remedy is to prevent unjust enrichment.” (LEGAL INFORMATIONS INSTITUTE. Disgorgement. Disponível em: https://bit.ly/3KUeJeb. Acesso em: 20 fev. 2023.)
4. ROSENVALD, Nelson; KUPERMAN, Bernard Korman. Restituição de ganhos ilícitos: há espaço no Brasil para o disgorgement? Revista Fórum de Direito Civil, Belo Horizonte, ano 6, n.14, p.11-31, jan./abr. 2017.