Quando falamos de tipos de sociedades dispostos em nosso ordenamento jurídico, temos às Sociedades Anônimas, que tem sua caracterização pela necessidade de distribuição de seu capital em ações, especialmente pelo seu caráter intuito pecuniae, ou seja, pela preponderância da finalidade de gerar lucros sobre as características pessoais dos seus acionistas. Atualmente, no âmbito jurídico brasileiro, encontramos a utilização da sociedade anônima fechada por pequenos grupos de pessoas, normalmente de âmbito familiar, para atingir diversas finalidades, entre as quais um melhor planejamento fiscal, sucessório ou a maior liberdade e segurança jurídica que esse tipo societário oferece.
Para tanto, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe, dentre várias inovações, a inserção de um novo procedimento até então não positivado pelo nosso ordenamento jurídico, qual seja, à dissolução parcial. Muito embora, esse instituto jurídico seja inovador, há bastante tempo que já era utilizado e reconhecido pela jurisprudência.
Sendo assim, a dissolução parcial da sociedade consiste em uma criação jurisprudencial de um novo modelo de retirada de sócio, como cita a renomada Professora Priscila M. P. Corrêa da Fonseca:
“Retirada de sócio, que requereu dissolução total, porquanto se entende que a vontade unilateral do sócio não deva prevalecer sobre a utilidade social e econômica representada pela empresa”. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio no novo Código Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
Em termos, a Professora afirma que enquanto a sociedade permanece em plena atividade, o sócio que solicita sua retirada se afasta da Sociedade, conferindo o direito de apurar seus haveres, em conformidade com a cláusula de retirada de sócio, respeitando as condições e os limites previamente estipulados em sede do Contrato Social da respectiva sociedade e do nosso ordenamento jurídico.
Nesse contexto, os tribunais depararam-se com a necessidade de aplicar a Lei das S.A. de forma distinta nas sociedades de capital aberto e fechado, levando em consideração as suas características individuais. Assim, o julgamento de questões societárias envolvendo companhias com finalidade eminentemente lucrativa é muito diverso do julgamento de companhias onde prepondera a affectio societatis.
Utilizando o entendimento supracitado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a formular entendimentos inovadores em relação às sociedades anônimas de capital fechado, estendendo a elas a aplicação legal característica do regime das sociedades limitadas, conforme previsto no Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), o qual se caracteriza pela predominância da affectio societatis.
Desta forma, o argumento de que sociedades anônimas não possuem affectio societatis vem caindo em desuso e a jurisprudência mais recente demonstra que há sim a possibilidade da aplicabilidade de affectio societatis em sociedades anônimas, podendo, portanto, haver dissolução parcial sob esse fundamento. A principal alegação é que, nas sociedades anônimas de capital fechado, há o affectio societatis por existir não só os aportes de capital, mas também a vontade dos acionistas de manter a sociedade para que se cumpra seu objeto social e a existência do caráter intuito personae nessas sociedades, uma vez que a escolha desse tipo societário pode não estar, necessariamente, restrita à busca do lucro, e sim pautada por atributos capazes de proporcionar aos seus participantes determinadas vantagens, conforme precedentes da Corte (e.g., REsp 1.321.263/PR, EREsp 1.079.763/SP, EREsp 111.294/PR, REsp 917.531/RS, REsp 247.002/RJ e REsp 1.129.222/PR).
Nessa toada, utilizando como base o princípio da função social e da preservação da empresa, contemplados na Constituição Federal (artigos 5º, inc. XIII e XXIII, 170, inc. II-IX, e p.ú., 186) e sedimentado na Lei de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005, artigo 47), a dissolução parcial das sociedades anônimas de capital fechado passou a ser amplamente aplicada pelos tribunais do país, com respaldo do STJ.
Dessa forma, o STJ construiu o entendimento que a dissolução parcial de sociedade anônima fechada é possível em duas hipóteses: (i) quebra da affectio societatis; e (ii) inexistência de lucros ou não distribuição de dividendos por um longo período, não sendo caráter taxativo: para conceder a dissolução parcial, também deverão ser observados todos os demais aspectos de cada caso concreto.
Portanto, em razão da não existência de qualquer previsão expressa na Lei das S.A., a dissolução parcial em Sociedades Anônimas de capital fechado deverá ser pleiteada perante o Poder Judiciário a obtenção de sentença judicial.