,

Dos bens dos ausentes (Arts. 744 e 745 do CPC) – Parte 1

young-businessman-feeling-worried-about-losing-his-job-thinking-something-office

PROLEGÔMENOS

Tive a felicidade de ser provocado – no bom sentido, claro –, por um grande amigo para discorrer um pouco sobre o – esquecido por (quase) todos – procedimento especial “dos bens dos ausentes”. Inicialmente, a proposta era tecer alguns comentários sobre os arts. 744 e 745 do Código de Processo Civil; após alguns meses de pesquisa, o assunto me facionou a ponto de me aventurar em apresentar contornos sobre a temática. Para a matéria deste mês, abordarei algumas considerações (iniciais) sobre esse procedimento, finalizando-o no mês que vem.

OBJETO (IMEDIATO E MEDIATO) DO PROCEDIMENTO

O procedimento especial de arrecadação dos bens do ausente é procedimento de jurisdição voluntária, no qual inexiste outro interesse que não a preservação dos bens do ausente, a declaração do estado de ausente e, posteriormente, o início do processo de sucessão (provisória e definitiva) dos bens deixados pelo ausente.

Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 1.016.023/DF (Rel. Ministra Nancy Andrighi, J. 27/05/2008, DJe. 20/06/2008), esse procedimento especial constitui interesse social relevante, transcendendo a tutela dos direitos dos herdeiros do ausente, haja vista que aquilo que se espera, imediatamente, é resguardar os interesses do ausente para que, caso reapareça, possa retomar a sua vida.

A sucessão é objetivo mediato desse procedimento e apenas ocorrerá na hipótese de não reaparecimento do ausente. A arrecadação dos bens, a declaração de ausência, a sucessão provisória e definitiva (com a declaração de morte presumida) ocorrem em momentos distintos. A seção é sucinta, possuindo, apenas, dois artigos, entrementes, é complementada por outras disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil, especialmente aquelas relacionadas à herança jacente.

ETIMOLOGIA JURÍDICA DA AUSÊNCIA, PRESSUPOSTOS PARA A DECLARAÇÃO DE AUSENTE E A DIFERENÇA ENTRE A AUSÊNCIA (DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA) DA MORTE PRESUMIDA (JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL DE MORTE)

Na etimologia jurídica, a ausência está relacionada com a pessoa; é um estado próprio dela e se configura quando desconhecido o seu paradeiro. Conforme os arts. 22 e 23 do Código Civil, será considerada ausente a pessoa que (1) desaparecer de seu domicílio sem deixar notícias, (2) se não houver deixado representante ou procurador para a administração dos seus bens, ou (3) se deixar mandatário que não queira ou não possa exercer (ou continuar) o mandato – ou se os seus poderes forem insuficientes.

A ausência não deve ser confundida com a morte presumida. No Direito Civil, são instituições distintas e que, por vezes, na prática, são erroneamente associadas. A existência da pessoa natural termina com a morte (mors omnia solvit), a qual se comprova mediante certidão que declara o seu óbito. No caso da morte presumida, há necessidade de produção de prova indireta para comprovação do óbito e suprir a carência dessa documentação. Esse meio indireto não se confunde com a ausência, em que se tem a certeza do desaparecimento sem a presunção da morte.

Nos termos do art. 6º do Código Civil, o ausente apenas será considerado morto quando aberta a sucessão definitiva dos seus bens, considerando como a data da sua morte, para fins legais, a data de publicação da sentença que declarou a ausência. Ambos estados (ausência e morte presumida) devem ser declarados judicialmente, porém, cada qual de uma forma. Inexiste ação de declaração de ausência por morte presumida.

A demanda fundada em ação que se objetiva a declaração de ausente está embasada, como dito anteriormente, na certeza do desaparecimento da pessoa, o que não ocorre naquela que objetiva a declaração da morte presumida da pessoa (justificação judicial de morte), art. 88 da Lei n. 6.015/73; a certeza do desaparecimento é suprimida pela presunção da morte da pessoa – trata-se de uma imperícia que ocasiona na carência de pressuposto processual (interesse de agir).

PRESSUPOSTOS DO PROCEDIMENTO E A DESNECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE BENS DE PROPRIEDADE/POSSE DO AUSENTE PARA A PROPOSIÇÃO DA MEDIDA

A grande discussão sobre a arrecadação dos bens dos ausentes está nos pressupostos específicos desse procedimento. Dependendo da interpretação sobre o objetivo do procedimento, poderá haver dois ou três.

Inexiste desacordo (doutrinário e jurisprudencial) de que (1) o desaparecimento da pessoa sem deixar notícias e (2) a inexistência de representante/procurador para a administração dos seus bens (o qual também é suprido no caso de o mandatário que não querer ou não poder exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes) são pressupostos para a proposição da medida. O não preenchimento de um deles enseja em carência de interesse de agir, resultando na extinção do processo (art. 485, IV, do CPC).

A partir do que se tratou no tópico da “ausência”, ambos requisitos não são surpresa ou ilógicos, afinal, qual seria a necessidade de promover a medida se a pessoa não desapareceu ou deixou mandatário (regular, interessado e capacitado) para o gerenciamento dos seus bens? Ambos são intrínsecos ao próprio instituto da ausência. Isso é de tamanha clareza que, a título de exemplo, não se encontra uma doutrina processual, sobre o procedimento em comento, que explique com profundidade o motivo de serem pressupostos da arrecadação.

A divergência está no (possível) terceiro pressuposto: a existência de bens de propriedade/posse do ausente para ser arrecadados. A questão é: há necessidade de proposição da arrecadação se o ausente não deixou bens? O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o assunto e é, até o momento, pacífico no sentido de que “se o ausente deixa interessados em condições de sucedê-lo, em direitos e obrigações, ainda que os bens por ele deixados sejam, a princípio, não arrecadáveis, há viabilidade de se utilizar o procedimento que objetiva a declaração de ausência”.

Essa afirmação é extraída do mesmo julgamento que foi utilizado para elucidar os objetivos imediato e mediato da arrecadação dos bens do ausente (REsp n. 1.016.023/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, J. 27/05/2008, DJe. 20/06/2008). A posição da Corte é de que a comprovação da propriedade não é condição sine qua non para a declaração de ausência, alinhando-se coerentemente com o objetivo imediato do procedimento.

Assim, mesmo o ausente não deixando bens arrecadáveis, é possível a proposição dessa medida para resguardar os interesses do ausente, visando, como dito anteriormente, retomar a sua vida no caso de reaparecimento. Concorda-se com a Corte, todavia, cabe destacar que na doutrina, o assunto é divergente. Alguns autores adotam posição convergente com a do Superior Tribunal de Justiça, outros, porém, entendem que a existência de bens passíveis de arrecadação é pressuposto para a proposição da arrecadação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na segunda (e última) parte destas considerações sobre o procedimento dos bens dos ausentes, abordaremos os temas: (1) curador, ordem para o exercício do cargo, poderes e deveres e depositário, (2) aspectos procedimentais e primeira etapa da arrecadação dos bens do ausente, (3) segunda etapa do procedimento: sucessão provisória, (4) terceira etapa do procedimento: conversão da sucessão provisória em definitiva e (5) retorno do ausente e transmutação da natureza jurídica do processo.

Deixo um abraço e aguardo vocês nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) para discorrermos um pouco mais sobre o conteúdo da matéria deste mês e sugestões para as próximas. Vejo vocês em junho.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio