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É possível dar efetiva proteção ao trabalhador contra a dispensa arbitrária?

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A Constituição Federal no artigo 7º, I, disciplina exclusivamente sobre o sistema geral de proteção de emprego (excetuando a estabilidade absoluta), acenando pela existência de lei complementar que a defina.

O inciso em questão é expresso ao determinar como direito do trabalhador a “(…) relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa(….)”.

Basicamente pode-se afirmar que existem três formas de dispensa do empregado: a dispensa por justa causa, a dispensa sem justa causa e a dispensa abusiva. Destas três formas de dispensa que foram apresentadas, primeiramente serão reveladas algumas noções acerca das duas primeiras, deixando a dispensa abusiva para uma análise um pouco mais profunda.

A dispensa sem justa causa está prevista no artigo 477 da CLT e refere-se a toda dispensa sem que tenha ocorrido um motivo ensejador para a referida rescisão, seja do empregado ou do empregador.

A dispensa arbitrária é aquele que não se fundamenta: a) em sérias razões de interesse objetivo da empresa ou b) na atitude ilícita do empregado, ao descumprir seus deveres funcionais ( justa causa).

A despedida por justa causa,  representa um gênero que engloba toda despedida praticada com base em motivo não arbitrário, ou seja, a partir de uma exegese do art. 165 da CLT pode-se afirmar que é aquela que se funda em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.

Não se admite, em hipótese alguma, a ampliação do elenco legal de faltas, previsto no art. 482 da CLT, sua principal fonte, pois além do citado artigo existem outras modalidades de justa causa tipificadas em normas de sua legislação complementar, como por exemplo: o art. 508 da CLT, o art. 7º e 14 da Lei n. 7.783/89, a lei 8.027/90 que apresentam um elenco completo de faltas administrativas, geradoras da dispensa do empregado público, dentre outras.

No que se refere a dispensa arbitrária, o mestre Sergio Torres Teixeira,1 em outros termos, afirma que é uma espécie de despedida sem justa causa, que seria o gênero; sendo caracterizada pela simples inexistência de uma justa causa, pela falta de um ou mais dos pressupostos configuradores da dispensa por justa causa, ou seja, a dispensa arbitrária é aquela praticada quando ausente um ou mais requisitos caracterizadores da justa causa.

Ressalta-se que  nem toda dispensa sem justa causa é arbitrária, cada uma revela suas peculiaridades, não se permitindo a confusão definitiva entre seus elementos estruturais.

O il. Jurista Valentim Carrion, destacou que:2

“ A CF de 1988 causa perplexidade usando expressões como despedida arbitrária ou sem justa causa ( art. 7º, I ); se entende que a norma não usa expressões inúteis, deve afastar-se a idéia de que se trata de sinônimas, tendo desejado deixar claro que tanto a justa causa como outras razões objetivas permitem o despedimento, ainda mais porque torna genérico  o FGTS, para todos, independentemente de opção (…)”

A despedida abusiva, por sua vez, é aquela que é praticada a partir de um verdadeiro abuso de direito, sendo classificada como subespécie de despedida arbitrária, incluída no rol da dispensa sem justa causa. O jurista Sergio Torres Teixeira, classifica a dispensa abusiva como:

“(…) a concretizada por motivo ilegítimo, cuja relevância transcende a relação individual de emprego, constituindo violação expressa a princípios de fundamental interesse público e/ou social, ao ponto de ser considerado um abuso do direito desfrutado pelo empregador. Tal dispensa, em decorrência da causa ensejadora da vontade patronal, ultrapassa a seara do Direito do Trabalho e atinge postulados maiores, levando o exercício do direito de despedir a ser considerado como abusivo.”

Nesse contexto, diante o ordenamento jurídico brasileiro, questiona-se se seria possível dar efetivamente à proteção contra a dispensa arbitrária prevista no artigo  7º, I da CF.

 A doutrina dos deveres fundamentais, embora menos desenvolvida que a dos direitos, parte da premissa de que ao estabelecer direitos fundamentais o constituinte originário cria, automaticamente, deveres correlatos. Deveres cuja observância, muitas vezes, é condição para a efetividade do direito.

É essa a hipótese do art. 7º, I, da Constituição Federal. Quando esse texto normativo diz ser direito dos trabalhadores a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa ao mesmo tempo cria o dever de motivação por parte do empregador.

Dever que encontra eco inclusive na doutrina geral dos contratos, representado nas obrigações ditas acessórias, de lealdade, confiança e transparência entre os contratantes. Dever que considera o caráter diferenciado que a extinção de um vínculo de emprego adquire, quando a iniciativa de ruptura é do empregador.

O desembargador do TRT da 15ª Região, Jorge Luiz Souto Maior,3 defende a proteção contra a dispensa arbitrária, utilizando-se dos seguintes argumentos:

A proteção contra a dispensa arbitrária, portanto, encontra no ordenamento jurídico fundamentos que transcendem até mesmo à própria discussão em torno da aplicabilidade do art. 7o., I, da CF.

Mas, mesmo mirando-se a questão neste aspecto, a proteção contra dispensa arbitrária tem plena vigência.

O inciso I, do art. 7o, em questão, faz menção, é verdade, à indenização como forma de concretizar a garantia constitucional e o artigo 10, inciso I, do ADCT, estipulou a indenização de 40% sobre o saldo do FGTS, para valer enquanto não votada a Lei Complementar, mencionada no inciso I, do art. 7o. No entanto, há de se reconhecer que a Constituição ao proibir a dispensa arbitrária acabou por criar uma espécie qualificada de dispensa.

Desse modo, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos termos do art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo, sob pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista no inciso I, do art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à dispensa sem justa causa, que não se considere arbitrária, visto que esta última está proibida, dando margem não à indenização em questão, mas à restituição das coisas ao estado anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou, não sendo isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.

Lembre-se, a propósito, que o art. 7o., I, mesmo tratando da indenização não exclui a pertinência da aplicação de “outros direitos”, como forma de tornar eficaz a garantia.

Assim, aplicados os preceitos constitucionais e legais, sob o âmbito individual, passam a existir quatro tipos de dispensa: a) a imotivada (que ora se equipara à dispensa arbitrária); b) a motivada (mas, sem justa causa); c) a com justa causa (art. 482, da CLT); e d) a discriminatória (prevista na Lei n. 9.029/95);

A dispensa imotivada equipara-se à dispensa arbitrária e é proibida constitucionalmente.

Portanto, é possível dar efetividade à proteção contra a dispensa arbitrária, não obstante, no aspecto econômico o empregador estará engessado, dificultando a efetiva e futura contratação de novos empregados.

 

Referências

____________________

1. TEIXEIRA, Sergio T.. Proteção a relação de emprego. São Paulo, LTr, 2008.

2. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo, Saraiva Jur, 2022.

3. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista de direito do trabalho, São Paulo, v. 30, n. 116, p. 110-125, out./2004.

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