É possível utilizar criptomoedas como a Bitcoin para evitar as sanções econômicas impostas à Rússia?

É possível utilizar criptomoedas como a Bitcoin para evitar as sanções econômicas impostas à Rússia?

homem segurando um bitcoin

Desde o dia 24 de fevereiro de 2022 até a data da presente publicação o conflito da Rússia contra a Ucrânia persiste, em resposta, a comunidade internacional intensificou os esforços a fim de encerrar tal conflito. Entre as atitudes tomadas pela comunidade, incluem-se sanções econômicas, cabendo destacar principalmente a exclusão de bancos expressivos da Rússia do sistema S.W.I.F.T – Society for Worldwide Interbank Financial, que em tradução livre significa Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais.

O S.W.I.F.T trata-se de uma tecnologia de rede bancária que é utilizada por mais de 11 mil membros espalhados ao longo do globo terrestre (bancos e outras instituições financeiras) para enviar e receber informações bancárias internacionalmente de forma rápida, precisa e segura, ou seja, por meio desta rede possibilita-se a transferência internacional de dinheiro, portanto, tal sistema é um dos grandes responsáveis por interligar o mundo do ponto de vista monetário. Ressalta-se que tal rede se trata apenas de um sistema que envia informações, não possuindo fundos ou títulos e nem sendo responsável por gerenciar contas bancárias.1

De acordo com Blenkinsop,2 foram sete as instituições bancárias russas afetadas pela sanção, sendo elas, o segundo maior banco da Rússia, o VTB (VTBR.MM), Otrkitie, Novikombank, Promsvyazbank (PSKBI.MM), Bank Rossiya, Sovcombank e VEB, que terão 10 dias (contados do dia 02 de março de 2022) para desabilitar suas operações na rede S.W.I.F.T.

A retirada dos bancos russos do sistema S.W.I.F.T notoriamente representou uma forte pressão na economia do país, vez que se diminuíram as possibilidades de transferências internacionais da Rússia, bem como se diminuiu a liberdade monetária daqueles que habitam a Rússia. Em síntese, o termo liberdade monetária faz alusão ao direito do indivíduo poder escolher a sua moeda, ou seja, mesmo morando na Rússia o cidadão ter a possibilidade de trocar sua moeda corrente (Rubro) por qualquer uma de sua escolha, seja ela o dólar, o euro, iene, etc.3

De acordo com um estudo de 2021 do The Global Economic4  a respeito da liberdade monetária de países, a Rússia obteve a posição 158 dos 180 países analisados, portanto, a Rússia demonstra índices baixíssimos de liberdade monetária, de forma que a exclusão total do país do S.W.I.F.T (que não é o caso até o presente momento) levaria o país as últimas posições do índice, podendo ocorrer percalços ao que tange ao comércio internacional, bem como (do ponto de vista individual) um gigantesco cerceamento da liberdade monetária dos indivíduos. Por este motivo, o governo russo explora alternativas a esta sanção, sendo que uma das possibilidades que foi elencada diz respeito a criação de uma rede de pagamentos (tal como o S.W.I.F.T), porém somente entre os países que integram o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).5

Embora tal sanção econômica tenha surgido com o objetivo de pressionar o governo russo desistir dos conflitos armados, resta evidente que as consequências da sanção afetam muito além de apenas o governo, atingindo diretamente os próprios cidadãos da Rússia, que do ponto de vista individual, não tem culpa dos atos violentos de seu governo. Portanto, tais sanções enfrentam uma linha tênue, pois ao desestruturar o governo russo (a fim de findar a guerra), também desestruturam a vida dos cidadãos russos, que terão de sofrer as consequências das decisões de seu líder.

Isto posto, questiona-se: é possível utilizar criptomoedas como a bitcoin6  para evitar as sanções econômicas impostas à Rússia?

Tal resposta, subdivide-se em dois olhares: um olhar direcionado ao governo e outro direcionado aos cidadãos. Do ponto de vista do governo, para se evitar as sanções econômicas por meio da bitcoin seria necessária uma adequação jurídica (leia-se regulamentação) da bitcoin ou de outras criptomoedas como moeda corrente na Rússia. Cabe mencionar que, recentemente tal aceitação foi observada em El Salvador, que em setembro de 2021 se tornou o primeiro país a adotar a bitcoin como moeda corrente.7  Todavia, cabe esclarecer que o processo para a aceitação de uma criptomoeda como moeda corrente de uma país não se trata de uma tarefa simples, em razão dos impactos que tal medida pode causar (que devem ser analisados pelo governo previamente), bem como o próprio processo legislativo para a aprovação de tal medida, que depende de uma aceitação política.

Já do ponto de vista dos cidadãos da Rússia há plena viabilidade para evitar as sanções econômicas por meio da bitcoin ou de outras criptomoedas, em especial trocando a moeda corrente por uma criptomoeda, vez que o rublo (moeda russa) nos últimos dias enfrentou uma queda de 30 %,8 portanto, uma vez que os russos tenham acesso às corretoras de criptomoedas9  os mesmos podem exercer sua liberdade monetária por meio de operações com tais ativos, sejam ele a bitcoin ou outras criptomoedas. Cabe citar que, embora os criptoativos sejam comumente vistos como operações extremamente voláteis, há também operações estáveis (stable coins)10 , como é o caso das criptomoedas que se equiparam ao dólar (Tether, USD Coin e Binance USD).

Em síntese, do ponto de vista do governo a bitcoin não se mostra viável para evitar as sanções econômicas impostas, todavia, do ponto de vista individual (atinente aos cidadãos russos) há a viabilidade do uso de criptomoedas para evitar as sanções, garantindo a preservação da liberdade monetária.

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Pedro Alberto Alves Maciel Filho

 

Referências

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1. SETH, Shobit. How the SWIFT System Works. Disponível em: https://bit.ly/3IKLC94. Acesso em 3 de mar. de 2022.

2. BLENKINSOP, Philip. EU bars 7 Russian banks from SWIFT, but spares those in energy. Disponível em: https://reut.rs/35Lk6ts. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

3. ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. 1ª Edição. São Paulo: Editora Instituto Ludwing von Mises, 2014.

4. THE GLOBAL ECONOMY. Monetary freedom – Country rankings. Disponível em: https://bit.ly/3sGVyuw. Acesso em 3 de mar. de 2022.

5. JONES, Claire. The impact of throwing Russia out of Swift. Disponível em: https://on.ft.com/3pDaGaG. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

6. Bitcoin trata-se de uma criptomoeda, ou seja, algo que se assemelha a uma moeda digital, porém com a tecnologia criptográfica; para uma melhor compreensão do conceito recomenda-se a leitura de outro artigo da coluna disponível em: https://bit.ly/3HCvvcp. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

7. BBC. IMF urges El Salvador to remove Bitcoin as legal tender. Disponível em: https://bbc.in/3tqiCNo. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

8. THOMPSON, Mark. Rublo cai 30%, e Rússia sobe juros de 9,5% para 20% após enxurrada de sanções. Disponível em: https://bit.ly/3vCZVsD. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

9. Destaca-se que no momento da publicação há pleno funcionamento de corretoras de criptomoedas na Rússia, como é o caso da Binance (maior corretora cripto do mundo) que emitiu uma nota afirmando que não irá bloquear as contas dos usuários russos, leia mais em: https://cnb.cx/3vGzQJ8. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

10. Stable Coins são criptomoedas que tentam atrelar seu valor de mercado a alguma referência externa visando uma estabilidade em seus preços. As stablecoins podem ser atreladas a uma moeda fiduciária como o dólar americano ou ao preço de uma commodity como o ouro.

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