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Em tempos de Black Friday: algumas linhas sobre plataformas digitais

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Nos artigos anteriores, falamos das estratégias de publicidade comportamental e do consumidor na Era Digital. Ambos os temas estão diretamente relacionados com plataformas digitais, assunto do dia.

Sabemos que plataformas digitais fazem parte do nosso dia a dia e podem representar uma gama de serviços disponíveis na Internet, que podem incluir mercados, mecanismos de busca, redes sociais, pontos de conteúdo criativo, lojas de aplicativos, serviços de comunicação, sistemas de pagamento etc. Em tempos de Black Friday, destacam-se os e-commerces ou comércios eletrônicos, como o Mercado Livre e a Shopee.

Essas plataformas digitais, que cresceram exponencialmente nas últimas décadas, têm um papel fundamental na economia digital, utilizam tecnologias de informação e comunicação para facilitar a interação entre os usuários, coletando e explorando seus dados, em um efeito de rede. Portanto, impulsionam a inovação e desempenham um papel vital nas economias e sociedades digitais.1

Fazemos um parêntese para apresentar a expressão introduzida em 2003 por Tirole e Rochet denominada two-sided markets – mercados de dois lados, designando situações em que se atendem, simultaneamente, dois ou mais grupos de consumidores, o que é a realidade da esmagadora maioria das plataformas digitais. Em suas palavras:

Um mercado é de dois lados se a plataforma pode afetar o volume de transações cobrando mais de um lado do mercado, reduzindo o preço pago pelo outro em um montante equivalente; em outras palavras, o preço da estrutura importa e as plataformas devem desenhar isso de forma a trazer ambos os lados para o negócio.2

Frisa-se que as plataformas baseadas em estruturas de web podem apresentar não apenas dois, mas múltiplos lados e o modelo de funcionamento de tais plataformas tem a presença de dois (ou mais) grupos de usuários e precisa de uma plataforma para realizar a intermediação.3

Fechando o parêntese, de modo geral, existem diversas formas de classificar plataformas digitais. Sob um ângulo estrutural, as plataformas podem ser classificadas de acordo com seus escopos e estruturas. Assim, haveria superplataformas ou plataformas de plataforma, em que usuários utilizam um único portal para acessar diversas plataformas; constelação de plataformas, pertencentes a uma única empresa e que podem ser perfeitamente interoperáveis, compartilhar dados ou ter sinergias entre si, mas podem ser acessadas separadamente, sem a necessidade de passar por um único portal e; as plataformas independentes, autoexplicativas.4 Outra possibilidade de classificação pode limitar as plataformas em categorias funcionais, de acordo com seus usuários ou com os dados que são coletados.5

Uma das características que facilitam na compreensão da sua dinâmica, conforme explica a OCDE,6 são os efeitos de rede. Tais efeitos podem ser divididos em positivos e negativos, assim como efeitos diretos e indiretos. Os primeiros correspondem ao aumento ou diminuição da utilidade de uma plataforma para um grupo quando mais usuários exploram o mesmo produto. Já os efeitos de rede diretos se referem à influência direta que o aumento ou diminuição de um grupo provoca no outro.

Os efeitos de rede indiretos, por sua vez, fazem com que um grupo seja afetado indiretamente pelo aumento de seus membros.7 Os efeitos de rede diretos, em sua maioria, são positivos. Por exemplo, quanto mais usuários em uma plataforma, maior a procura por outros.

Outra característica das plataformas digitais está relacionada à dinâmica de precificação diferenciada. Em alguns casos, pode ser benéfica a adoção da estratégia de cobrar de forma diferenciada entre os diferentes grupos, como usuários e anunciantes, ao invés de uma cobrança uniforme. Em decorrência disso, um grupo é subsidiado pelo outro. Entre os exemplos desse tipo, encontram-se as plataformas de buscas e redes sociais (ninguém aqui paga mensamente para usar o Instagram – só com dados pessoais, assunto para outro dia).

Em paralelo, também se destaca como característica de plataformas digitais o crescimento em escala, refletindo a possibilidade de crescimento exponencial com baixos custos operacionais. É possível oferecer um mesmo serviço a diversos usuários sem muitas contratações e investimentos em infraestrutura. Esses são apenas alguns dos elementos que caracterizam plataformas digitais.

Vale mencionar que, apesar de as plataformas não serem as únicas empresas que capitalizam por meio da exploração de dados dos usuários, elas se destacam pela enorme quantidade de dados aos quais têm acesso. Nesse contexto, Monteiro pontua que a geração de valor por meio de tais ativos intangíveis decorre, principalmente, de três estratégias – personalização de produtos e serviços, publicidades comportamentais (veja nosso artigo nesta coluna sobre o tema) e venda de bases de dados.8 Nos próximos artigos, exploraremos ainda mais tais estratégias.

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Pietra Daneluzzi Quinelato

 

Referências

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1. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. An introduction to online platforms and their role in the digital transformation. Paris: OECD Publishing, 2019. p. 21.

2. No original: “A market is two-sided if the platform can affect the volume of transactions by charging more to one side of the market and reducing the price paid by the other side by an equal amount; in other words, the price structure matters, and platforms must design it so as to bring both sides on board.” (ROCHET, Jean-Charles; TIROLE, Jean. Two-Sided Markets: A Progress Report. RAND Journal of Economics, v. 37, n. 3, outono de 2006, p. 664-665. Tradução nossa).

3. Cf. ROCHET, Jean-Charles; TIROLE, Jean. Platform Competition in Two-Sided Markets. Journal of the European Economic Association, v. 1, n. 4, p.990-1029, jun. 2003; EVANS, David S. The Antitrust Economics of Two-Sided Markets. 2002. Disponível em: https://bit.ly/3xJxJmE. Acesso em: 03 jan. 2020; SHAPIRO, Carl; VARIAN; Hal R. Information Rules: A Strategic Guide to the Network Economy. Boston: Harvard Business School Press, 1999; KATZ, Michael L.; SHAPIRO; Carl. Systems Competition and Network Effects. The Journal of Economic Perspectives, v. 8, n. 2, p. 93-115, 1994.

4. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. An introduction to online platforms and their role in the digital transformation. Paris: OECD Publishing, 2019. p. 62. Disponível em:  https://bit.ly/3EcGCaN. Acesso em: 24 abr. 2020.

5. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. An introduction to online platforms and their role in the digital transformation. Paris: OECD Publishing, 2019. p. 63. Disponível em: https://bit.ly/3DdkoEg. Acesso em: 24 abr. 2020.

6. Cf. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. An introduction to online platforms and their role in the digital transformation. Paris: OECD Publishing,2019. p. 22 e ss. Disponível em: https://bit.ly/3octbCl. Acesso em: 24 abr. 2020.

7. Cf. SHY, Oz. A short survey of network economics. Review of Industrial Organization. March 2011, v. 38, n. 2. p. 121.

8. Cf. MONTEIRO, Gabriela. Big Data e Concorrência: uma avaliação dos impactos da exploração de Big Data para o método antitruste tradicional de análise de concentrações econômicas. Dissertação (Mestrado em Direito da Regulação) – Escola de Direito do Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 2017. p. 39. Disponível em: https://bit.ly/3Dc1P3w. Acesso em: 15 maio 2020.

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