Apesar do processo trabalhista versar de matéria específica, o art. 769 da CLT abre as portas para a aplicação subsidiária do direito processual comum. Nesse sentido, apesar da antiguidade da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em comparação com o Código de Processo Civil de 2015, a Instrução Normativa de n° 39 de 2016 dispõe de forma não exaustiva quais artigos do CPC se aplicam de forma subsidiária ao processo do trabalho. No caso, o art. 3°, XXI da Instrução normativa expressamente informa que é aplicável ao processo trabalhista o parcelamento do crédito exequente.
Partindo desse pressuposto, é importante compreender, a priori, a aplicação desse instrumento no próprio CPC a fim de entender o porquê de a aplicação do mesmo no processo trabalhista ser um equívoco.
No processo civil, o parcelamento do art. 916 é aplicável somente nos processos de execução por quantia certa, onde o executado, no prazo para opor embargos à execução, realiza o depósito de 30% do valor da execução – com isso reconhecendo que é devido o crédito executado -, e solicita permissão do juiz para pagamento do valor restante em até seis parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros.
Essa modalidade legal de parcelamento, no entanto, não é aplicável no cumprimento de sentença, por força do §7° do art. 916 do CPC. Tal fato é endossado pelo art. 523 do mesmo código que determina a aplicação de multa e acréscimo de 10% de honorários sobre o valor não depositado.
Quanto a distinção entre cumprimento de sentença e processo de execução apesar das inúmeras semelhanças, a diferença reside principalmente na espécie de título executivo que se executa.1
De um lado, no cumprimento de sentença, executa-se o título formado pelo juiz após fase de conhecimento. Do outro lado, há a execução de título extrajudicial formado por vontade das partes envolvidas na relação jurídica, não sendo necessário a formação de fase de conhecimento anterior. Nessa há ação autônoma e aquela ocorre a partir dos autos da ação de conhecimento. O CPC estabelece ritos específicos, inclusive, criando capítulo próprio para o processo autônomo de execução.
Estabelecida tal distinção e já compreendido a impossibilidade de parcelamento do crédito devido no cumprimento de sentença, avança-se para o processo do trabalho, no qual as ações ajuizadas sob sua égide, raramente se tratam de demandas executivas de título extrajudicial. 2
Na Justiça do Trabalho a maioria esmagadora dos processos são reclamações trabalhistas que discutem principalmente verbas rescisórias devidas pelos empregadores aos seus ex-empregados.3 Essas ações, em regra, alcançam título executivo somente após a fase de conhecimento. Assim, só há formação de título executivo após a sentença do juiz, que após a liquidação do julgado, inicia a fase executória a pedido da parte interessada.
Essa fase de execução trabalhista possui maior semelhança com o cumprimento de sentença do processo comum justamente pela forma com que se forma o título executivo. No caso, não há como equiparar tal fase com a ação autônoma de execução do processo civil devido as diversas incompatibilidades, sendo a principal delas a formação do título de execução e já existir no processo do trabalho a possibilidade de ação autônoma de execução de títulos executivos extrajudiciais, sendo essa ação semelhante com aquela utilizada no processo comum.
Dessa maneira, não há sentido na aplicação do parcelamento do art. 916 do CPC nas fases de execução trabalhistas (cumprimentos de sentença) quando o próprio artigo proíbe de forma clara o uso de tal instrumento nos cumprimentos de sentença das ações ajuizadas sob a égide do processo comum.
Isso ocorre por uma necessidade de interpretação e aplicação da norma analisando o conjunto normativo no qual ela faz parte, não sendo adequado interpretar o texto normativo de forma solta e aleatória decidindo quais trechos deveriam ser utilizados ou não.
Em endosso, o próprio TST ao reconhecer a possibilidade de aplicação do art. 916 do CPC ao processo do trabalho, determinou também a aplicação dos parágrafos, ou seja, o §7° que determina que não é aplicável tal parcelamento no cumprimento de sentença também foi acolhido pelo TST.
No entanto, a Justiça do Trabalho tem seguido três correntes quanto a essa aplicação. Há quem entenda ser aplicado o parcelamento, mesmo com a expressa discordância do exequente.4 Há entendimento moderado no sentido de permitir o parcelamento com a anuência do exequente, prevalecendo o negócio processual. E o mais correto, o entendimento de inaplicabilidade do parcelamento do crédito nos termos do art. 916 nos cumprimentos de sentença trabalhistas.5
O TST não costuma julgar recursos de revistas que versem sobre a aplicabilidade desse instrumento no processo do trabalho. Reiteradamente costuma entender que se trata de discussão de lei infraconstitucional sem violação direta e literal a Constituição.
Porém, entende-se de forma contrária, inclusive, sob a ótica da transcendência jurídica, pois a matéria não pacificada representa agressão as regras do processo, permitindo que seja aplicado instrumento claramente proibido pelo mesmo dispositivo que o cria, e por sua vez, causando prejuízo à parte exequente, violando a legalidade e o próprio devido processo legal.
Dessa maneira, conclui-se no sentido de que só é possível a aplicação do parcelamento do art. 916 no processo trabalhistas nas ações que versem de execução de título executivo extrajudicial.
John Juan Tayrone Santana da Silva. Pós-Graduado em Direito Previdenciário e Pós-Graduado em Direito material e processual do trabalho. Bacharel em Direito pelo Centro Universo Salvador. Advogado (OAB/BA). E-mail: advocaciajohn@gmail.com
Referências
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1. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2021.
2. O principal título executivo extrajudicial executado na Justiça do Trabalho é o Termo de Ajuste de Conduta (TAC).
3. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Relatório geral da justiça do trabalho. Brasília, 2021. Disponível em: site. Acesso em 24 abr. 2022.
4. Verificar Acórdãos: (TRT-4 – AP: 00200094120195040014, Data de Julgamento: 18/06/2020, Seção Especializada em Execução) (TRT-2 00020019020135020431 SP, Relator: LIANE MARTINS CASARIN, 3ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 02/03/2021)
5. Verificar Acórdãos: (TRT-3 – APPS: 00107751020215030138 MG 0010775-10.2021.5.03.0138, Relator: Marco Antonio Paulinelli Carvalho, Data de Julgamento: 24/03/2022, Decima Primeira Turma, Data de Publicação: 24/03/2022.) e (TRT-7 – AP: 00003876920175070011 CE, Relator: EMMANUEL TEOFILO FURTADO, Seção Especializada II, Data de Publicação: 23/07/2021)