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Enfim o que é o racismo ambiental?

Assistindo a defesa da tese da Doutora Larissa Vieira – “Para eles tanto faz a gente morrer ou viver aqui”: Trajetórias de luta contra o racismo ambiental e pela reparação integral de comunidades atingidas pelo projeto Minas-Rio” – venho refletindo sobre as situações de vulnerabilidade que o racismo tende a sobrepujar determinadas comunidades.

É sabido que o racismo, assim como outras formas de discriminação, não deve ser considerado apenas pelas condutas individuais, mas como resultado institucional.1 Neste sentido o racismo ambiental é uma vertente que indica a segregação e precariedade das pessoas em virtude da questão racial e do etnocentrismo2 como problemas centrais do cenário brasileiro no qual se inserem os grupos sociais envolvidos nos conflitos. O termo, portanto, foi cunhado pelo reverendo Benjamin Chavis pela primeira vez durante sua participação na luta em Warren County, nos Estados Unidos.3

Era início dos anos 1980, e a população negra dessa cidade da Carolina do Norte lutava desde o final da década anterior para que rejeitos tóxicos não fossem depositados naquele local, visto que, entre outros efeitos, tais rejeitos contaminavam o lençol freático superficial da região. Em 1982, a situação atingiu seu clímax quando os habitantes tentaram impedir com os próprios corpos a passagem dos caminhões. Mais de quinhentas pessoas foram presas durante o protesto que não conseguiu evitar que o carregamento fosse despejado. Porém, a população negra de Warren não perdeu completamente a batalha: o protesto tornou-se notícia, e o governador se comprometeu com o fechamento imediato e a limpeza do depósito (que só terminaria no início do século XXI). Mais importante ainda, um novo momento para a luta pelos direitos civis havia começado.4 

Percebe-se que o local que era contaminado era habitado apenas por pessoas negras e por esse motivo Chavis, que era formado em química, conhecia os perigos da contaminação e afirmou:

Racismo ambiental é a discriminação racial nas políticas ambientais. É discriminação racial no cumprimento dos regulamentos e leis. É discriminação racial no escolher deliberadamente comunidades de cor para depositar rejeitos tóxicos e instalar indústrias poluidoras. É discriminação racial no sancionar oficialmente a presença de venenos e poluentes que ameaçam as vidas nas comunidades de cor. E discriminação racial é excluir as pessoas de cor, historicamente, dos principais grupos ambientalistas, dos comitês de decisão, das comissões e das instâncias regulamentadoras.5 

Em solo brasileiro o racismo ambiental pode ser identificado em diversas comunidades indígenas, quilombolas, refugiados, etc, que são prejudicadas pelas indústrias poluidoras, mineradoras, entre outras empresas que não se preocupam em extinguir todas e quaisquer práticas que possam prejudicar ou ameaçar as vidas dos integrantes destas comunidades com suas atividades. A título de exemplo menciono as mineradoras em Minas Gerais, Estado eternamente traumatizado, que ainda utilizam o método a montante, o mais perigoso para as comunidades ao seu redor.6

Cristiane Faustino identifica que o racismo ambiental, portanto, permite caracterizar a problemática racial e étnica tanto como fator de produção das injustiças que esses grupos enfrentam como elemento que constituem os poderes políticos, econômicos e culturais dominantes, que controlam a implementação e o funcionamento das atividades econômicas geradoras desses conflitos.7

Como todo e qualquer viés segregatório ou preconceituoso, a título de exemplo o racismo, homofobia e xenofobia, assumir-se em posição de agente não é algo fácil na nossa cultura. Como ressaltam Felipe González Morales e Jorge Contesse Singh (Ceja/OEA, 2004), ao contrário dos Estados Unidos, onde, após o término da escravidão, mantiveram-se políticas oficiais de segregação até a metade do século XX, no Brasil prevaleceram a omissão do Estado e a ‘mistura racial. Isto, contudo, conduziu à falsa ideia da inexistência do racismo.8.

Por este motivo o racismo ambiental não é tratado e muito negligenciado em nossa vivência como sociedade e deve ser reconhecido cada vez mais, como um meio de mitigar os seus efeitos e danos, sejam eles a saúde e a natureza das populações e ecossistemas atingidos pelas atividades poluidoras e extrativistas que pouco, ou não, se preocupam com as populações socialmente vulnerabilizadas.

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Olívia Maria Silva Felício

 

Referências

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1. FELÍCIO, Olívia. Representatividade institucional importa? Magis – Portal Jurídico. SP. Disponível em: https://bit.ly/3IR9EiN. Acesso em: 07 mar. 2022.

2. O etnocentrismo é o julgamento preconceituoso de outras culturas, povos, etnias ou religiões. A diferença pode ser observada nesta passagem: ‘Se o etnocentrismo é um comportamento muito generalizado – e até mesmo tido como normal – de se reagir à diferença, privilegiando o seu próprio modo de vida em relação aos outros possíveis, o racismo, ao contrário, é uma forma de se usarem as diferenças como um modo de dominação. Primeiro, ele serviu para a dominação de um povo sobre os outros, depois, para a dominação de um grupo sobre o outro dentro de uma mesma sociedade. Dessa forma, o racismo não é apenas uma reação ao outro, mas uma maneira de subordinar o outro.”(conceito retirado do documento de Formação de Professoras/es em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações Étnico-Racial para o curso Curso Gênero E Diversidade Na Escola, produzido pelo Ministério da Educação, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Disponível em: https://bit.ly/3pMkEq5. Acesso em: 07 mar. 2022.)

3. Chavis, 1993: 3 apud PACHECO, T., and FAUSTINO, C. A Iniludível e Desumana Prevalência do Racismo Ambiental nos Conflitos do Mapa. In: PORTO, M.F., PACHECO, T., and LEROY, J.P., comps. Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013, p. 84-85. Disponível em: https://bit.ly/3IQPyFr. Acesso em: 07 mar. 2022.

4. PACHECO, T., and FAUSTINO, C. A Iniludível e Desumana Prevalência do Racismo Ambiental nos Conflitos do Mapa. In: PORTO, M.F., PACHECO, T., and LEROY, J.P., comps. Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013, p. 84-85. Disponível em: https://bit.ly/3IQPyFr. Acesso em: 07 mar. 2022.

5. Chavis, 1993: 3 apud PACHECO, T., and FAUSTINO, C. A Iniludível e Desumana Prevalência do Racismo Ambiental nos Conflitos do Mapa. In: PORTO, M.F., PACHECO, T., and LEROY, J.P., comps. Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013, p. 84-85. Disponível em: https://bit.ly/3IQPyFr. Acesso em: 07 mar. 2022. (grifos nossos)

6. Este era o método utilizado nas barragens de Mariana e Brumadinho quando ocorreram os desastres em 2014 e 2019, respectivamente.

7. PACHECO, T., and FAUSTINO, C. A Iniludível e Desumana Prevalência do Racismo Ambiental nos Conflitos do Mapa. In: PORTO, M.F., PACHECO, T., and LEROY, J.P., comps. Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013, p. 74. Disponível em: https://bit.ly/3IQPyFr. Acesso em: 07 mar. 2022.

8. PACHECO, T., and FAUSTINO, C. A Iniludível e Desumana Prevalência do Racismo Ambiental nos Conflitos do Mapa. In: PORTO, M.F., PACHECO, T., and LEROY, J.P., comps. Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013, p. 74. Disponível em: https://bit.ly/3IQPyFr. Acesso em: 07 mar. 2022.

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