Escalando Startups parte 02 – O contrato de mútuo como ferramenta de aporte em startups

Escalando Startups parte 02 – O contrato de mútuo como ferramenta de aporte em startups

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Após a análise do “financiamento coletivo através de plataformas digitais”, também conhecido como equity crowdfunding na língua inglesa, a coluna dá prosseguimento aos tipos de investimentos específicos do ecossistema das startups.

O investimento em startups é diferente do investimento na atividade empresarial usual, considerando que esta não possui um modelo de negócios enxuto, escalável e inovador. Essas características devem ser consideradas ao se aportar capital, pois no caso do investimento em startups há maior assunção de riscos, pois (i)desenvolvem um produto disruptivo que pode falhar ainda na fase de testagem e ideação, (ii) caso consiga validar seu PVM (produto viável mínimo) ainda corre o risco de se deparar com entraves de caráter regulatório, financeiro, consumerista etc. que acarretem o insucesso do empreendimento.

Além dos riscos inerentes ao desenvolvimento de sua atividade, as startups necessitam de aportes mais vultuosos, sem, contudo, possuir bens ou receita necessários para aprovar ou garantir tais empréstimos. Por fim, o investimento em startups costuma contar com um tempo maior de resgate do valor aportado, considerando que depende de um evento de liquidez para possuir receita suficiente para realizar o desinvestimento, ou ainda se converte o valor aportado em participação societária (equity).

Dessa forma, pretende-se analisar o contrato de mútuo, mediante sua regulação no Código Civil, suas especificidades no âmbito de concessão de empréstimo bancário e por fim o mútuo conversível.

O mútuo é empréstimo de coisa fungível, ou seja, coisa que possua características de gênero e qualidade semelhares a outras, não sendo exclusiva, ou “insubstituível”. O mutuante empresta coisa fungível ao mutuário, que por fim se obriga a restituir o que dele recebeu no mesmo gênero, qualidade e quantidade. O mútuo transfere ao mutuário o domínio da coisa emprestada, por cuja conta correm todos os riscos, desde a sua tradição.

Quando o mútuo possuir fins econômicos, presumem-se devidos juros, que, contudo, não podem exceder a taxa consoante ao art. 406 do Código Civil.1 Contudo, quando se trata de uma instituição financeira na qualidade de mutuante, não se aplica o limite imposto nem pelo art. 406, nem pela Lei de Usura, Decreto nº 22.626/1933, devido a entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, além de também incidir “IOF” (imposto sobre operação financeira), previsto pelo Decreto nº 6.306/2007.

Além da incidência de juros, o mútuo oferecido pelas instituições financeiras geralmente exige garantias que não são suportáveis pelas startups, como patrimoniais (penhor), fidejussórias (aval, fiança) ou até fiduciárias, em adição à comprovação de fluxo de caixa que ateste a capacidade financeira da startup em arcar com as parcelas do empréstimo.

As startups em sua fase inicial de ideação e de PVM necessitam de aportes para sobreviver às questões regulatórias e para poder custear a testagem e validação de seu protótipo, sem, contudo, possuírem fluxo de caixa que possa garantir adimplência quanto ao valor mutuado, nem possibilidade de onerar bens para garantir o empréstimo.

Aventa-se a hipótese de se onerar a quota de uma startup constituída como limitada como forma de garantir o mútuo junto à instituição financeira, considerando se tratar de um bem móvel.  Nesse caso, a quota pode ser dada mediante alienação fiduciária ou constituindo penhor. Nesse caso, caso a startup vá aceitar novos sócios, ou alienar seu controle societário para investidores, as quotas indisponíveis podem se mostrar como manifesto impedimento. Sem contar a possibilidade da instituição financeira, mediante inadimplemento, se imitir na posse das quotas, o que nesse caso deve ocorrer a liquidação das quotas, em decorrência da affectio societatis, e consequentemente a redução do capital social.

Dessa forma, conclui-se que o empréstimo através de instituições financeiras se mostra como incompatível com a realidade e necessidade das startups, devendo buscar modalidades de investimentos que sejam compatíveis com sua atividade.

O mútuo conversível, diferentemente do mútuo pactuado com instituições financeiras, é uma tropicalização das “convertible notes” norte-americanas e se aproximam em alguns aspectos da debênture conversível, sem possuir assembleia de debenturistas ou agente fiduciário.

No contrato de mútuo conversível, um agente, geralmente oriundo do ecossistema em inovação, aporta capital mediante contrato de empréstimo, que no que couber segue as regras previstas no Código Civil. A distinção reside no fato que o contrato de mútuo conversível possui uma condição suspensiva, qual seja, operando-se um evento de grande liquidez, o valor mutuado é convertido em participação societária, e o investidor torna-se sócio da sociedade.

Esse evento de liquidez pode ser outro grande aporte de capital, ou a valorização da startup no mercado, a entrada de novos sócios, ou a transformação da startup limitada em companhia, realizando sua oferta pública inicial ou seu I.P.O. no mercado de capitais.

Caso não se dê gatilho à condição suspensiva, o contrato funciona como um contrato de mútuo usual, devendo suas parcelas serem reajustadas com a incidência de juros previstos no art. 406 do Código Civil, mediante prazo pactuado.

O contrato de mútuo conversível se mostra como uma solução mais viável para as startups pois não exige a constituição de garantias como ocorre com os empréstimos bancários, os juros possuem limite quanto sua incidência.

Além disso, os valores aportados são compatíveis com as necessidades das startups, em adição ao investidor ser um agente inserido no ecossistema, possuindo expertise em inovação e tecnologia, podendo agregar conhecimento e direcionamento à startup em que futuramente configurará como sócio.

Último fato interessante acerca do mútuo conversível, é que, caso este seja registrado na CETIP – Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos Privados, o contrato se torna um valor mobiliário previsto no rol do art. 2º da Lei nº 6.385/1976, podendo ser negociado pela startup de forma coletiva através de plataformas digitais, através da modalidade crowdfunding, tema abordado na última matéria da coluna.

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Bernardo Rocha da Motta Pereira

 

Referências

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1. Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

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