Execução na fase de implementação dos processos estruturais

Execução na fase de implementação dos processos estruturais

Processo

Para a matéria deste mês, vamos dialogar sobre a execução na perspectiva dos processos estruturais.1 Do início. O processo estrutural, grosso modo, está dividido em dois importantes momentos: (1) o primeiro, atrelado à decisão, buscando afirmar as violações e desconformidades que ensejam o próprio pleito pelo structural litigation; e no (2) segundo momento, na fase de implementação, é que as dificuldades ganham forma, tendo em vista a necessidade de estruturação para que as instituições tenham condições de operacionalizar e tornar palpável as mudanças delineadas pela decisão estrutural.2 3

Deve-se ter como norte, em relação ao objeto do processo estrutural, a perspectiva que não será apenas um direito tutelado, mas uma série de interesses e bens jurídicos abarcados simultaneamente, em condições jurídicas não convergentes. A partir do momento que apenas um processo será responsável pela gestão deste emaranhado de direitos, há proeminente necessidade de que os provimentos judiciais correspondentes gerem efeitos “em cascata” satisfatórios e capazes de trazer repercussão social, econômica e na própria gestão pública.4 5

Edison Vitorelli6 assevera que “a implementação de uma decisão estrutural será propulsionada por ordens judiciais que irão impor obrigações de fazer aos indivíduos responsáveis pela instituição que se quer remodelar,” denominando o momento processual como “execução estrutural”.

Neste sentido, observa-se que a execução estrutural não se pauta, necessariamente, pela restituição pecuária de determinado valor (pagar quantia certa), ou até mesmo na conversão da obrigação em perdas e danos, mas na tutela de obrigações de fazer e não fazer.

Frente a isso, verifica-se que tais modelos executivos encontram fundamento nas disposições do CPC, regidos pelos artigos 536 e seguintes e artigo 814. Neste caso, a tutela apresenta natureza específica (fazer ou não fazer), afastando-se do simples adimplemento de prestação pecuniária. No caso, as partes, assim como o magistrado, devem buscar o cumprimento da tutela específica, a fim de concretizar o direito efetivamente definido na sentença judicial (estrutural), porquanto, conforme se denota do artigo 497 do CPC, cabe ao magistrado implementar todos os meios executivos disponíveis para que a o resultado prático se perfectibilize.7

Ao tratar sobre a possibilidade de alteração da natureza do pedido da causa de pedir, consolidada pelo processo tradicional, Ana Maria Damasceno de Carvalho Faria8  sustenta que a possibilidade de alteração de institutos é fundamental para que a decisão judicial possa trazer a “pacificação social” e a “efetividade de direitos”. Nesta condição, há uma necessária e inevitável alteração no título judicial do processo estrutural, o qual, tradicionalmente, sempre fora visto como imutável, face aos requisitos seus substanciais (certeza, liquidez e exigibilidade), demonstrando a eminente necessidade de releitura do processo executivo estatal.

As características do processo estrutural, o qual exige uma nova envergadura de decisão, culmina em interessante interação entre as fases cognitiva e executiva. Como deduz Francisco de Barros e Silva Neto,9 “enquanto se aprende o caso, já se interfere na realidade: a cognição e execução ao mesmo tempo e, possivelmente, em mais de uma instância.”10 Ao seu turno, Henrique Alves Pinto11 afirma que “ação estrutural via judicial se encontra naquilo que está para acontecer para que se possa interferir de forma mais precisa na realidade que precisa ser renovada.”

Exatamente por isso, a lacuna cognitiva preconizada na sentença estrutural necessita existir, a fim de garantir as condições para que o magistrado possa dosar os atos executivos, de acordo com o comportamento das partes e evolução das fases a serem implementadas.12 Isto é, prevalece o interesse e a preocupação com a concretização fática daquilo que a decisão estrutural definiu, tendo como motivador, justamente, a execução plena plano de trabalho, mesmo que isso exija o retorno ao título judicial ou mesmo a reavaliação dos pedidos, causa de pedir ou liquidação de sentença, por isso, “a sentença estrutural demanda um tratamento diferenciado em sua fase de cumprimento.”13 14

Seguindo pelo mesmo trilho, é preciso levar em consideração que o processo estrutural traz uma nova dinâmica executiva a partir do momento que foge da simples relação credor-devedor. Não mais há apenas um núcleo de interesse em que as discussões, ou mesmo a permanência de atos executivos concentrados (em que há prevalência da ideia de lide com desenho procedimental alicerçado em uma ideia de antagonismo e bipolaridade), mas sim diversos centros de interesse, integrantes de um processo policêntrico, do qual emerge inevitável conflituosidade interna, face a complexidade do direito e dos fatos discutidos.15

De algum modo, diferente da dinâmica executiva tradicional em que o executado deve suportar toda a carga de atos executivos, estando o exequente, de plano, imune a sanções ou reprimendas, o processo estrutural apresenta outra possibilidade. Neste caminho, Francisco de Barros e Silva Neto,16 sustenta a possibilidade de regulamentação do comportamento da parte autora, mesmo que vencedora (colocada na condição de exequente), tendo em vista a dinâmica “hipercomplexa” dos litígios estruturais, pois as medidas definidas e tomadas, muitas vezes, fogem da lógica simples e única, baseada apenas no interesse do vencedor.

Diante desta nova dinâmica processual, Henrique Alves Pinto identifica a necessidade de utilização da “técnica legislativa aberta”. O objetivo é permitir a aplicação de medidas específicas e soluções diferenciadas no caso concreto, a fim de garantir ao julgador a possibilidade de “adotar uma variação de formas executivas para melhor atender às ameaças, lesões e negligências sofridas pelos direitos fundamentais”.17

Outro ponto chave na execução estrutural diz respeito à intervenção de terceiros. No processo tradicional, a concretização da norma individualizada, muitas vezes, se dá de modo impositivo, enquanto o processo estrutural, justamente por sua natureza consensual, traz a efetivação da decisão concebida de forma dialética, a qual utiliza, como base legal, a promoção de medidas atípicas por parte do magistrado, autorizado pelo CPC em seus arts. 139, IV, e 536, parágrafo primeiro. A partir disso, buscando executar a decisão estrutural, mostra-se possível a delegação do cumprimento para terceiros, a partir da criação de “entidades de infraestrutura específica para resolução de conflitos coletivos (claim resolution facilities).”18

É interessante observar que o próprio Diploma Processual autoriza a prática de atos executivos por terceiros nas obrigações de fazer (art. 817), no intuito de cumprir aquilo que restou definido na sentença estrutural, “se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado”. Sérgio Cruz Arenhart, Marco Félix Jobim e Gustavo Osna indicam, inclusive, a possibilidade imposição de sanções aos terceiros, em caso de inobservância das obrigações, baseado no dever de colaboração.19

Desta forma, a fase de implementação do processo estrutural se desenvolve de forma aberta e voltada aos objetivos transformadores que fundamentam o instituto processual. As técnicas executivas que, talvez, apenas se mostravam aplicáveis ao processo tradicional, adquirem uma abordagem ressignificada, a fim de contribuir com a concretização das mudanças que as medidas estruturais esperam realizar.

Um abraço e aguardo vocês nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) para discorrermos um pouco mais sobre o conteúdo da matéria deste mês e sugestões para as próximas.

Vejo vocês em novembro.

 

Referências

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1. Trecho extraído de: MÖLLER, Guilherme Christen; ZANDONÁ, Everton Luís Marcolan. As possíveis contribuições da tutela jurisdicional executiva à fase de implementação do processo estrutural. In: VITORELLI, Edilson; OSNA, Gustavo; ZANETI JR., Hermes; REICHELT, Luís Alberto; JOBIM, Marco Félix; ARENHART, Sérgio Cruz. (Orgs.). Coletivização e unidade do direito. Londrina: Thoth, 2023. v. 4. p. 287-330.

2. ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Curso de processo estrutural. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

3. VITORELLI, Edilson. Processo civil estrutural: teoria e prática. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 84.

4. FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. A liquidação de sentença como etapa fundamental ao cumprimento de sentenças estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 174.

5. GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Processos estruturais. Objeto, normatividade e sua aptidão para o desenvolvimento. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 234.

6. VITORELLI, Edilson. Processo civil estrutural: teoria e prática. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 84.

7. FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. A liquidação de sentença como etapa fundamental ao cumprimento de sentenças estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 186.

8. FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. A liquidação de sentença como etapa fundamental ao cumprimento de sentenças estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 176.

9. SILVA NETO. Francisco de Barros e. Breves considerações sobre os processos estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 454.

10. SILVA NETO. Francisco de Barros e. Breves considerações sobre os processos estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 454.

11. PINTO, Henrique Alves. A condução de decisões estruturais pelo código de processo civil de 2015: breve análise teórica e pragmática. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 560.

12. FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. A liquidação de sentença como etapa fundamental ao cumprimento de sentenças estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 187.

13. FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. A liquidação de sentença como etapa fundamental ao cumprimento de sentenças estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 188.

14. VOGT, Fernanda Costa; PEREIRA, Lara Dourado Mapurunga. Novas técnicas decisórias nos processos estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 429.

15. VOGT, Fernanda Costa; PEREIRA, Lara Dourado Mapurunga. Novas técnicas decisórias nos processos estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 424-425.

16. SILVA NETO. Francisco de Barros e. Breves considerações sobre os processos estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 457.

17. VERBIC, Francisco. Ejecución de sentencias en litigios de reforma estructural en la República Argentina dificultades políticas y procedimenta les que inciden sobre la eficacia de estas decisiones. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 68.

18. DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicado ao processo civil brasileiro. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Processos Estruturais. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 485.

19. ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix; OSNA, Gustavo. Curso de processo estrutural. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

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