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Existe um compliance eleitoral?

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Essa coluna estreia com a intenção de desconstruir alguns mitos que surgiram em torno desse novo ramo jurídico (que nem é tão novo mais), que são os departamentos de compliance nas empresas e outros tipos de instituições (públicas ou privadas).

Os programas de compliance, em apertadíssima síntese, podem ser definidos como estruturas de controle de movimentações financeiras, dentro das empresas, ou outros tipos de entidades, inclusive Partidos Políticos, em que sejam monitoradas as condutas, tanto das próprias pessoas jurídicas, quanto das pessoas físicas vinculadas (sócios, diretores, gerentes, empregados, fornecedores, clientes, consultores, etc.), a fim de evitar a prática de ilícitos1 criminais, cíveis ou administrativos.

Embora a ideia de compliance tenha sido concebida como um mecanismo antilavagem de capitais e anticorrupção, hoje o conceito já foi estendido para outras áreas como compliance trabalhista, compliance ambiental, entre outras denominações que vem recebendo.

Os anos de eleições no Brasil são sempre muito agitados. O povo brasileiro, infelizmente, se vê acostumado a uma realidade de muita corrupção na política, através da malversação de recursos públicos, e outras formas nefastas de dano ao erário. A intervenção privada no processo eleitoral se mostrou uma realidade em várias eleições passadas, e que precisa ser combatida.

Alterando o xadrez político brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, em 2015, no julgamento da ADI 4.650, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil,2 julgou inconstitucional as doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Isso se revelou uma mudança significativa, visto que grande parte do financiamento de campanhas era oriunda dessa fonte.

No cenário atual, os partidos políticos precisam procurar outras formas de captação recursos, através de contribuições de seus afiliados, doações de pessoas físicas, e outras alternativas. Com esse posicionamento, os departamentos de compliance das empresas não precisarão monitorar as movimentações da própria pessoa jurídica, mas deverão manter a atenção sobre as condutas das pessoas físicas vinculadas, em especial, sócios, acionistas e diretores, ou seja, pessoas que são capazes de indiretamente movimentar recursos da pessoa jurídica.

Contudo, campanhas eleitorais possuem, principalmente a nível nacional, um alto custo de marketing – panfletagem, viagens, chamadas em rádio e televisão, redes sociais, etc. – que precisam ser subsidiados, por meio de uma fonte que possa suportar tamanho volume financeiro. Então, colocando fogo no debate público sobre as eleições e uso de recursos públicos (oriundos da alta carga tributária brasileira), o Congresso Nacional aprovou o chamado “Fundo Eleitoral”, no valor de R$4,9bi, para o financiamento de campanhas.

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), carinhosamente apelidado de “Fundão”, foi divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, através da Portaria n. 579/2022, em junho desse ano, e servirá para custear a campanha das Eleições 2022.

Segundo informações do Portal Online do TSE,3 as cifras serão divididas entre os partidos políticos, através de critérios, como por exemplo, a representatividade do partido no Congresso Nacional. Todavia, na notícia divulgada, consta uma observação importante: “Os recursos do Fundo Eleitoral ficarão à disposição do partido político somente depois de a sigla definir critérios para a distribuição dos valores. Esses critérios devem ser aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional e precisam ser divulgados publicamente.”

Assim sendo, o Tribunal Superior Eleitoral exigirá total transparência dos partidos políticos, no uso desses recursos. Isso é de fundamental importância, porque já há pesquisas de substância no Brasil, apontando que o financiamento de campanhas é uma forma de captura do processo político, por entes privados.4

Além disso, a “Operação Lava-jato” e o “Caso Mensalão” revelaram que empresas de publicidade e os “marqueteiros”, pessoas especializadas marketing eleitoral, foram instrumentos de lavagem de capitais oriundos de práticas corruptivas. Dessa forma, o Fundão não deixa de ser uma forma de retirada de recursos públicos (que poderiam ser aplicados em outras pautas, de maior relevância), para a inserção em entidades privadas (agências de publicidade, marqueteiros, etc.).

A proibição do Supremo Tribunal Federal, que pessoas jurídicas façam doações eleitorais, fechou uma porta de entrada de recursos privados no processo político. Entretanto, deve se rememorar que pessoas físicas podem fazer doações para campanhas, inclusive, pela recente plataforma PIX.5 Embora o TSE tenha restringido a doação, somente por quem utilizar chave o CPF, é uma forma extremamente volátil de se realizar movimentações financeiras, que se revela extremamente arriscada.

Por essa razão, que é importante se atentar a como os partidos políticos farão o controle da distribuição dos recursos vindos do Fundo Eleitoral. No entanto, o Brasil ainda está atrasado, nesse aspecto, pois não exige (em Lei) que os partidos políticos tenham um departamento de compliance.

Apesar de o Brasil trabalhar com a ideia de Pessoa Politicamente Exposta, esse conceito não é automaticamente estendido aos partidos políticos. Atualmente, tanto no Congresso Nacional, quanto no Senado Federal, tramitam Projetos de Lei, que tentam regulamentar a exigência de programas de compliance dentro de partidos políticos, porém, eles não avançaram o esperado, ou até o necessário.

O Projeto de Lei do Senado n. 429, de 2017, de autoria do Senador Antônio Anastasia (PSDB/MG),6 modifica a Lei dos Partidos Políticos, Lei n. 9.096/1995, exigindo que os partidos políticos adotem programas de integridade os moldes da Lei n. 12.846/2013 e Decreto n. 11.129/2022, mas não foi submetido à votação.

Os Partidos Políticos, na realidade, deveriam ser os primeiros a implementar programas de compliance, obrigação que se acentua quando passam a dispor de recursos integralmente públicos. Perante o eleitor, esses gastos devem ser justificados, visto que o Fundão foi objeto de muita crítica pública, pela alta cifra destinada, que poderia ser aplicadas em muitas outras áreas, em que o país é carente.

Ademais, os Partidos Políticos, enquanto baluarte das democracias livres, devem sempre se atentar para obrigações de ética, responsabilidade social e boa-governança. Há uma espécie de obrigação de se liderar pelo exemplo. Ou seja, os Partidos Políticos, como primeira etapa de ingresso do candidato, na vida pública, devem ser os mais exigentes em torno das obrigações de ética e integridade.

Considerando que a ideia de compliance, em muito se aproxima de concepções de ética, é necessário dizer que muitos partidos criaram, por iniciativa própria, a despeito da ausência de previsão legal, seus programas de integridade. Isso se revela uma iniciativa salutar e que o eleitor deve levar em conta, na hora de escolher seu candidato.

Portanto, apesar de na legislação não existir a previsão expressa de “compliance eleitoral”, no cenário quase caótico das eleições brasileiras, o eleitor já pode se sentir à vontade para exigir que o partido político de sua preferência, tenha um programa de integridade.

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Marcelo Gonçalves

 

Referências

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1. Para uma compreensão mais completa sobre o compliance no sistema legal pátrio ver: GONÇALVES, Marcelo. Os Programas de Compliance na Realidade do Direito Penal Brasileiro. 1. ed. CURITIBA: EDITORA CRV, 2021.

2. STF conclui julgamento sobre financiamento de campanhas eleitorais. Notícias STF. 2015. Disponível em: https://bit.ly/3Sn1nIF. Acesso em: 04 ago. 2022.

3. TSE divulga montante do Fundo Eleitoral destinado aos partidos para as Eleições 2022. Notícias TSE. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3SvQvZ4. Acesso em: 04 ago. 2022.

4. Para um estudo mais profundo sobre esse tema, recomenda-se a leitura da obra: CARAZZA, Bruno. Dinheiro, eleições e poder: As engrenagens do sistema político brasileiro. 1ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

5. Apenas pessoas físicas que utilizem o CPF como chave PIX poderão doar recursos para partidos e candidatos. Notícias TSE. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3JzKHJJ. Acesso em: 04 ago. 2022.

6. BRASIL. Projeto de Lei do Senado n° 429, de 2017. Disponível em: https://bit.ly/3oT6fri. Acesso em: 04 ago. 2022.

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