Gestão de riscos contratuais: uma realidade cada vez mais necessária

Gestão de riscos contratuais: uma realidade cada vez mais necessária

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Os eventos ocorridos nos últimos dois anos, ocasionados pela pandemia da COVID-19, mostraram às pessoas que o risco é um companheiro invisível, mas sempre presente. Muito se discute nos campos da Sociologia e do Direito os estudos de Ulrich Beck acerca da sociedade de riscos, segundo o qual à medida que a ciência e as relações vão se desenvolvendo e ganhando complexidade, mais riscos irão surgir.

E, de fato, nas últimas décadas, é perceptível como a sociedade vem sendo impactada por eventos imprevisíveis ou inevitáveis, de enorme magnitude e cada vez mais frequentes que implicam em sérios riscos de grande escala. Tais eventos são de variadas sortes, podendo ser de origem humana, como por exemplo o ataque terrorista sofrido pelos EUA no World Trade Center; de origem ambiental, como o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho; de origem sanitária, como a disseminação de vírus como o COVID-19 e o Ébola; entre outros.

A implementação de tais riscos causa profundos impactos na vida social das pessoas, na economia, na política e, consequentemente, no Direito. Assim, é perceptível a movimentação legislativa para criar normas que abarquem e controlem os riscos concretizados; o crescimento de demandas a serem solucionadas pelo judiciário acerca de lides decorrentes desses riscos; e a implementação pelo executivo de políticas públicas para munir a sociedade do apoio necessário para enfrentar as situações causadas. Todo esse quadro esteve perceptível na tentativa de controlar os impactos causados pela pandemia ainda sendo enfrentada.

Diante desse contexto caótico, os contratos não permanecem imunes. Os instrumentos contratuais são ferramentas presentes em toda a vivência da sociedade e em todos os níveis da economia, mesmo que de forma imperceptível à primeira vista. Assim, pode-se afirmar que os contratos fazem parte da base da sociedade em que vivemos, e quando essa base é abalada pela implementação de riscos, os contratos também são.

A ocorrência desses eventos, invariavelmente, vai levar à impossibilidade ou à dificuldade do cumprimento de obrigações contratuais. Dessa forma, conforme os estudos de Guido Alpa sobre o tema, os riscos podem ser concretizados nos contratos de duas formas: risco do descumprimento do contrato, sendo o inadimplemento de responsabilidade do devedor, de terceiro, de fato do príncipe ou caso fortuito; e risco econômico, quando ocorre dificuldade na satisfação econômica do negócio pela existência prévia ou posterior de circunstâncias previsíveis ou imprevisíveis que irão gerar um desequilíbrio na relação contratual.

Dessa maneira, em se tratando de riscos implementados nos contratos, é situação muito presente na atualidade pois a pandemia e as restrições que ela impôs levaram ou à impossibilidade total de cumprimento dos contratos (como por exemplo um contrato de prestação de serviços para uma festa de casamento que não pode ocorrer pela proibição de aglomerações), ou dificultaram o cumprimento do contrato por uma das partes que foi prejudicada pelo desequilíbrio causado (como por exemplo a dificuldade de adimplemento de um contrato de aluguel comercial de uma loja disposta em shopping que não estava funcionando).

Assim, uma grande lição extraída do atual contexto de pandemia e já vivenciada em momentos anteriores, é sobre a importância de se realizar uma gestão de riscos cuidadosa e eficiente  na confecção de contratos, especialmente os inter empresariais. Tal prática é fundamental para garantir a continuidade daquele instrumento ou para assegurar que as partes diminuam seus prejuízos o mínimo possível.

O Ordenamento Jurídico nacional não é desprovido de normas que objetivam gerir os possíveis riscos de um contrato. O CC/02 dispõe de normas supletivas de gestão dos riscos, as quais buscam dar respostas no caso concreto caso as partes tenham sido silentes no instrumento contratual acerca das medidas a serem tomadas a partir da implementação de eventuais riscos. Tais disposições, porém, não impedem que os contratantes criem suas próprias regras de gestão de riscos no âmbito da sua autonomia privada, claro que levando em consideração os princípios contratuais/constitucionais que sempre devem informar os contratos.

Dessa forma, é cada mais comum e necessário que os contratantes, no momento das negociações, tratem de como serão alocados os riscos que podem atingir aquele contrato. A gestão dos riscos contratuais envolve um olhar para o passado – analisando os motivos que levaram as partes a realizarem aquele negócio e quais as vantagens que espera – , para o presente – momento em que o contrato está sendo negociado e firmado-, e, principalmente, para o futuro – pois as partes tentam antever os riscos futuros que podem influenciar no cumprimento das obrigações assumidas. Assim, busca-se ampliar a álea normal do contrato (os riscos esperados daquele tipo de negócio) para abarcar situações extraordinárias, que então estarão regulamentadas pelas partes.

A gestão dos riscos pode ocorrer das formas mais variadas, já que é um reflexo da autonomia privada. Porém, normalmente é dividida em duas espécies: gestão positiva de riscos, que é a “distribuição dos riscos entre os contratantes nas cláusulas contratuais, determinando-se, no concreto regulamento contratual, a quem cabem os ganhos econômicos e as perdas resultantes da verificação do risco.”[1]; e gestão negativa, realizada nos chamados contratos incompletos, os quais possuem lacunas propositais que serão preenchidas pelas partes durante consecução do contrato.

No que tange à gestão positiva, existem algumas cláusulas que vem sendo mais comumente utilizadas. Há a cláusula resolutiva expressa, a qual dispõe que o contrato será resolvido imediatamente após o inadimplemento por alguma das partes, sem necessidade de interpelação judicial; Também existe a cláusula de garantia, segundo a qual a obrigação contratada permanece, se possível, mesmo diante de caso fortuito ou força maior; Fala-se na cláusula de força maior extrema, que ocorre no caso de impossibilidade absoluta do cumprimento da obrigação contratual, uma das partes ou ambas, se desobrigam do seu cumprimento; é comum também a cláusula de “hardship”/ dificuldade, na qual, as partes, no exercício da boa-fé, estabelecem que, em situações de dificuldade, elas irão, inicialmente, exercer um dever de renegociação do contrato.

Percebe-se assim, que a gestão dos riscos contratuais é uma necessidade cada vez mais presente no universo contratual, pois é uma forma de tentar resgatar o equilíbrio da relação quando for abalado por algum risco. As partes podem fazer uso da sua autonomia privada para se precaver de eventuais prejuízos, sempre levando em consideração as especificidades da atividade desenvolvida.

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Ana Tereza Costa Rocha

 

Referências

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1. TERRA, Aline Miranda Valverde; BANDEIRA, Paula Greco. A Cláusula Resolutiva Expressa como Instrumento de Gestão Positiva de Risco nos Contratos. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGDir./UFRGS, Porto Alegre, v. 11, n. 1, ago. 2016. ISSN 2317-8558. Disponível em: https://bit.ly/32fjvP3. Acesso em: 17 dez. 2021.

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