Com desígnio de se discutir limite de juros tem de se admitir como pressuposto uma noção sobre o conceito de juros: valor pago pelo tempo que se utiliza o dinheiro do outro (seja uma pessoa ou uma instituição financeira), bem como da classificação dos juros: a) Quanto a finalidade, que pode ser: a.1) Juros compensatórios (remuneratórios) são aqueles pagos pelo devedor com o objetivo de compensar (remunerar) dinheiro emprestado durante o período da contratação; a.2) Juros moratórios são aqueles pagos como forma de indenizar a inadimplência do pagamento daquela prestação. E quanto a origem, que pode ser: b.1) Juros Convencionais: aqueles pactuados entre as partes; b.2) Juros Legais: são aqueles fixados pela própria lei.1
O Código Civil de 1916 passa a prever que: a taxa dos juros moratórios quando não convencionada será de 6% ao ano (art. 1062, CC/1916); também serão de 6% ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada (art. 1063, CC/1916).
Contemporaneamente à época do Código Civil de 1916, ocorreu em 1929 uma crise econômica (conhecida como a Grande Depressão ou Crise de 1929) nos Estados Unidos com repercussões globais. Em razão da crise econômica os bancos estavam contidos na oferta de crédito, então as pessoas poderiam cogitar assumir o risco do crédito com vista a obter grandes margens de lucro, o que degradaria ainda mais a economia.
Com fito de evitar esse cenário editou-se o Decreto 22.626/1933, comumente denominado como Lei da Usura, que dispõe sobre o limite de juros no artigo 1º: “É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal”.2.
Combinando o entendimento da Lei da Usura com o Código de 1916, depreende-se que poderia ser cobrados juros remuneratórios de no máximo 12% ao ano.
Tal limite não se aplica as instituições financeiras, pois a Súmula 596, STF dispõe que “As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”.3
A redação original do artigo 406 do Código Civil de 20024 substituiu art. 1.062 do Código Civil de 1916. Optou-se por fazer uma remissão à taxa que estiver em vigor para a mora de impostos devidos à Fazenda Nacional. Essa taxa é, hoje, a SELIC. Por esse motivo o entendimento do STJ é no sentido de que a taxa legal de juros referida no artigo 406 CC é a SELIC, enquanto o entendimento dos Tribunais Estaduais é no sentido de que a taxa legal de juros é de 1%, em decorrência da disposição do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional5.
Em considerando que a Lei de Usura ainda está vigente poder-se-ia cobrar como juros remuneratórios o dobro do legal, limite esse não aplicável as instituições financeiras.
A Lei 14.905 alterou o art. 406 do CC/20026 , que uniformizou a taxa legal de juros a taxa SELIC menos o IPCA (se a Selic for inferior a inflação não terá juros legais moratórios, apenas a atualização monetária). Essa lei está com uma aplicação condicionada ao desenvolvimento de uma ferramenta pelo BACEN para facilitar essa conta.
A Lei 14.905 também promove uma flexibilização da Lei de Usura:
Art. 3º Não se aplica o disposto no Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, às obrigações:
I – contratadas entre pessoas jurídicas;
II – representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;
III – contraídas perante:
a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;
b) fundos ou clubes de investimento;
c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito;
d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou
IV – realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.7
A aplicabilidade da Lei 14.905 sobre os contratos vigentes é questionável.
Por fim, quanto ao limite de juros, cabe destacar a Súmula 382, STJ que dispõe: “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.8 Ainda, assim há balizas para a fixação de juros, que devem estar de acordo com as taxas praticadas no mercado.
Nessa linha de intelecção a Súmula 530, STJ que dispõe: “Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada – por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.“9 Ainda, nesse cenário, os juros computados deverão incidir de maneira simples.
Referências
____________________
1 LEITE, Fabrício Carvalho Amorim. Regime jurídico de aplicação dos juros moratórios previstos no Código Civil. Conjur. 2022. Disponível em: site. Acesso em: 29 ago. 2024.
2. BRASIL. Decreto 22.626. Lei da Usura. 1933. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.
3. BRASIL. Súmula 596. STF. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.
4. “Artigo 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. (BRASIL. Lei 10.406. Código Civil. 2002. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.
5. REISDORFER, Renata Carlos Steiner. Taxa legal de juros no Brasil: a saga continua. Migalhas. 2021. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.
6. “Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código (…)”. (BRASIL. Lei 10.406. Código Civil. 2002. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.
7. BRASIL. Lei 14.905. 2024. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.
8. BRASIL. Súmula 382. STJ. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.
9. BRASIL. Súmula 530. STJ. Disponível em: site. Acesso em: 28 ago. 2024.