Invasão na Ucrânia: a situação dos brasileiros

Invasão na Ucrânia: a situação dos brasileiros

Entendendo a política internacional entre Brasil e Rússia

Para compreender o relacionamento interestatal na comunidade internacional, é necessário analisar a política internacional sobre determinados eventos e/ou temas em um dado lapso temporal. Ressalte-se que o recorte de tempo não deve ser investigado de maneira estrita quanto ao caso concreto, principalmente quando se trata de invasões e conflitos armados, como está acontecendo na Ucrânia. Pelo contrário, é necessário que seja realizado um exame anterior ao início dos fatos.

No caso da política internacional brasileira quanto à invasão na Ucrânia, é necessário remeter à visita do Presidente Jair Bolsonaro ao Presidente Vladimir Putin, no Kremlin Moscovo, no dia 16 de fevereiro de 2022, 8 dias antes do início da invasão. Naquele momento, o clima de tensão entre a Rússia, a Ucrânia e o Ocidente já estava instaurado. Porém, ainda assim, Bolsonaro assumiu um posicionamento de solidariedade em favor de Putin, principalmente em pautas sobre defesa, agricultura e petróleo, gás e fertilizantes.1

Apesar de não haver confirmação de menção da crise entre a Rússia e os países membros e aspirantes da OTAN pelo Presidente brasileiro, como orientado, ele mencionou que a paz para o mundo é interesse de todos e agradeceu pela defesa da soberania brasileira na defesa da Amazônia como patrimônio da humanidade. Além disso, mencionou parcerias a nível de biotecnologia e sustentabilidade.2

Por um lado, a análise da visita brasileira remete ao já sinalizado desprestígio internacional alcançado por Bolsonaro, principalmente nos EUA, na União Europeia e, mais recentemente, na própria América do Sul com a queda de regimes de extrema-direita.3 De acordo com Zbigniew Ivanovsky, da Academia Russa de Ciências, “(…) para o brasileiro médio, ele [Bolsonaro] vai tentar mostrar essa reaproximação como uma conquista para ganhar uma parte do eleitorado de centro, uma vez que ele é considerado um político de direita”.4 Estes pontos se apresentam como as principais estratégias brasileiras para justificarem a manutenção da visita à Rússia diante de um iminente conflito armado.

Por outro lado, em termos de política internacional russa, a visita do Brasil representa que a Rússia não está internacionalmente isolada com relação ao Ocidente.5 E, mais, que está recebendo apoio por parte de um aliado preferencial extra-OTAN, título concedido por Donald Trump ao Brasil em agosto de 2019.6 Há também quem argumente que foi uma forma de a Rússia começar a exercer uma influência política maior na América Latina.7 Portanto, muito embora Jair Bolsonaro não seja uma figura política muito reconhecida pela população russa por não ter obtido destaque positivo no cenário político internacional, ele representa uma subversão à ordem norte-americana, em razão do distanciamento entre Brasil e EUA nos últimos meses.

Por fim, para ambos, é uma tela que pretende representar que o Presidente brasileiro não é de extrema-direita e que o Presidente russo não é de extrema-esquerda. É importante ressaltar que esta é uma imagem que se pretende pintar de ambos. Porém, em nenhum dos casos, corresponde às ações adotadas enquanto dirigentes de cada um dos seus respectivos Estados.

Posicionamento do Itamaraty sobre a retirada de brasileiros da Ucrânia

Como foi possível verificar, a visita de Bolsonaro ao Kremlin se tratou de uma estratégia política e econômica em favor de ambos os Estados. Muito embora tenha sido negada uma conversa sobre a situação da Ucrânia e da OTAN, o fato de o Presidente do Brasil ter agradecido “a acolhida e a confiança depositada em nosso país”8 gerou uma certa dúvida sobre o seu conhecimento acerca da situação.

Enquanto alguns países, como Reino Unido, Alemanha, Canadá, Austrália, EUA e Noruega já tinham começado a retirar os familiares dos diplomatas de Kiev e emitido alertas para que seus nacionais não viajassem para a Ucrânia desde meados de fevereiro,9 o embaixador brasileiro na Ucrânia, Norton de Andrade Mello Rapesta, relatou que o clima era de “plena normalidade”. Em 8 de fevereiro de 2022, uma semana antes da viagem de Bolsonaro para Moscou, o embaixador afirmou que “Não se pode falar em plano de retirada quando não há fato concreto que o motive” e, ainda, complementou que “O fato concreto seria se, na eventualidade, que não se considera possível, de uma agressão externa ao país, ou de tsunami, terremoto”.10

No dia da invasão, em 24 de fevereiro de 2022, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil se manifestou sobre a inexistência de um plano de resgate. De acordo com o embaixador Leonardo Luis Gorgulho Nogueira Fernandes, “No entendimento básico, a evacuação comporta a retirada de pessoas que estão dentro do país, por meios próprios ou por meios do governo brasileiro já lá localizados, o resgate envolveria o envio de algum contingente daqui, meios ou pessoas”. Além disso, a orientação inicial foi de que brasileiros residentes em Kiev permanecessem em casa e aguardassem novas orientações da embaixada. Já para aqueles que estavam no leste do país, a instrução era se encaminhar para Kiev e entrar em contato com a embaixada.11

Após 6 dias do conflito armado, em 02 de março, o Itamaraty escreveu a seguinte nota: “Dou instruções. À luz do agravamento da situação na Ucrânia, sobretudo com a possibilidade da intensificação de ataques a Kiev, e da necessidade de adaptar as ações do governo brasileiro à nova realidade, determinei novas medidas, de natureza emergencial, com o objetivo de intensificar os esforços da diplomacia brasileira na assistência aos nacionais brasileiros que desejam deixar o território ucraniano ou que estão em trânsito em países vizinhos”.12 Neste mesmo dia, o embaixador brasileiro em território ucraniano, Rapesta, e sua equipe deixaram Kiev e foram para Lviv, na região oeste do país.13 Estas ações demonstraram uma mudança no posicionamento do governo brasileiro com relação aos seus civis frente à invasão na Ucrânia.

No dia seguinte, o MRE confirmou a mudança de posicionamento acerca do resgate de brasileiros ao indicar o envio da aeronave KC-390, Millennium, da Força Aérea Brasileira (FAB), com carga de 26 toneladas e com capacidade para 80 pessoas. De acordo com as informações, o avião decolará na segunda, 07 de março, de Brasília para Varsóvia, na Polônia, levando produtos para ajuda humanitária. O transporte aéreo chegará ao destino final na quinta, 10 de março, pois realizará paradas técnicas em Recife, Cabo Verde e Lisboa. Enquanto isso, a recomendação é de que os brasileiros, que conseguirem, embarquem em trens saindo de Kiev para outros países vizinhos.14

A situação de brasileiros na Ucrânia

Há relatos de que existiam cerca de 500 brasileiros na Ucrânia quando a invasão teve início.15 Ao longo dos últimos dias, muitos deles preferiram deixar o país por conta própria, já que não havia manifestação brasileira sobre um plano de resgate. Como foi o caso de famílias que caminharam por horas no frio em busca de proteção.16

Outros, abrigaram-se em bunkers17  ou abrigos. Este foi o caso das brasileiras Kedma, Laryssa e Gabriela, jogadoras de futebol na Ucrânia, que se pronunciaram fazendo “(…) novamente um apelo aos governantes do Brasil, à embaixada que realmente dê um suporte com segurança para a gente sair daqui porque também a gente não pode sair sem saber como que vai ser na rua, com três mulheres. Então, a gente pede ajuda do governo e que eles possam tirar nós três e os demais brasileiros que ainda restam aqui na Ucrânia”.18

No dia 03 de março, cerca de 126 brasileiros ainda permaneciam no local, sendo que “70 brasileiros querem voltar e passaram a localização de onde estão na Ucrânia; 40 querem voltar, mas ainda não souberam dizer ao Itamaraty exatamente em que cidade ucraniana estão; 13 declararam que não querem ser repatriados;19 3 estão em Lviv e solicitaram, oficialmente, apoio para ir para Polônia”.20 Destes, estima-se que cerca de 72 irão embarcar na aeronave na quinta.21

Sem dúvidas, a situação é de urgência e necessita de medidas ágeis do Itamaraty para proteger os brasileiros residentes e turistas na Ucrânia. Além disso, é necessário também uma atenção àqueles que, possivelmente, não tenham sido resgatados com ajuda do MRE e, portanto, precisem de auxílio para a obtenção do status de refugiados no país de acolhimento.

Informações importantes

O Itamaraty disponibilizou um formulário para registro dos brasileiros que estão na Ucrânia. Além disso, as informações estão sendo atualizadas nas redes sociais do Facebook, Twitter e Telegram.  E, também, está sendo realizado plantão consular internacional (+380 50 384 5484) e no Brasil (+55 61 98260-0610).

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Márcia Carolina Santos Trivellato

 

Referências

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1. GALVANI, Giovanna. Bolsonaro em encontro com Putin: “somos solidários à Rússia”. CNN Brasil, São Paulo, 16 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3hG2r9m. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

2. É importante lembrar que as relações comerciais brasileiras com a Rússia não estão nem entre as 10 maiores, exceto no caso da compra de fertilizantes por parte do Brasil e de carnes e outros produtos agrícolas por parte da Rússia. (GALVANI, Giovanna. “Pregamos a paz e respeitamos quem age dessa maneira”, diz Bolsonaro ao lado de Putin. CNN Brasil, São Paulo, 16 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3hAGQ22. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.; COMO visita de Bolsonaro a Putin é vista na Rússia. 1 vídeo (07min 17seg). BBC Brasil, Moscou, 15 fev. 2022. Disponível em: https://bbc.in/35L9Bq2. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.)

3. NOGUEIRA, Pablo. Visita de Bolsonaro à Rússia é benéfica para Putin, diz especialista em relações internacionais na Unesp. Jornal da Unesp, São Paulo, 15 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3CsOTHX. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

4. COMO visita de Bolsonaro a Putin é vista na Rússia. 1 vídeo (07min 17seg). BBC Brasil, Moscou, 15 fev. 2022. Disponível em: https://bbc.in/35L9Bq2. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

5. Em termos de parcerias, o governo russo tem se aproximado cada vez mais de outro opositor político do Ocidente, a China. Um dos atos públicos que demonstraram isso foi o comparecimento de Putin para a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, ocasião na qual foi firmada uma cooperação nas áreas econômica, política e militar. (Para entender mais sobre o tema: NOGUEIRA, Pablo. Visita de Bolsonaro à Rússia é benéfica para Putin, diz especialista em relações internacionais na Unesp. Jornal da Unesp, São Paulo, 15 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3CsOTHX. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.)

6. O título remete a países que não são membros oficiais da OTAN, mas que são parceiros. (Ver mais em: MATIAS, Átila. ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN). Brasil Escola, Goiânia, [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/3Kj13pe. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.)

7. Segundo Vladimir Sudarev, do Instituto de Relações Internacionais de Moscou, “a viagem vai permitir que Putin incomode os Estados Unidos na América Latina e expanda a esfera de influência russa bem no ponto fraco dos americanos”. (Ver mais em: COMO visita de Bolsonaro a Putin é vista na Rússia. 1 vídeo (07min 17seg). BBC Brasil, Moscou, 15 fev. 2022. Disponível em: https://bbc.in/35L9Bq2. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.)

8. GALVANI, Giovanna. “Pregamos a paz e respeitamos quem age dessa maneira”, diz Bolsonaro ao lado de Putin. CNN Brasil, São Paulo, 16 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3hAGQ22. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

9. PAÍSES mandam retirar seus cidadãos e diplomatas da Ucrânia após alerta. Uol, São Paulo, 12 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3pFkZe2. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

10. CHADE, Jamil. Plano de evacuação foi evitado para não minar encontro Bolsonaro-Putin. Uol, [s.l.], 04 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3pzmdri. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

11. CASTRO, Ana Paula. Itamaraty diz não ter plano de resgate para brasileiros na Ucrânia. G1, Brasília, 24 fev. 2022. Disponível em: https://glo.bo/34dcnE2. Acesso em: 03 mar. 2022, s.p.

12. ORTIZ, Délis. Ministro manda embaixadas no leste europeu intensificarem ajuda a brasileiros na Ucrânia. G1, Brasília, 02 mar. 2022. Disponível em: https://glo.bo/3hCrAl1. Acesso em: 03 mar. 2022, s.p.

13. EMBAIXADOR brasileiro e equipe deixam capital da Ucrânia. Uol, São Paulo, 02 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3pELXCz. Acesso em: 04 mar. 2022.

14. Nestes casos, o embarque é gratuito e a prioridade é de mulheres, crianças e idosos. (Ver mais em: ARAÚJO, Carla; BARRETO FILHO, Herculano. Governo enviará na segunda avião da FAB para resgatar brasileiros. Uol, São Paulo, 03 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3vFSlxl. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.)

15. CHADE, Jamil. Plano de evacuação foi evitado para não minar encontro Bolsonaro-Putin. Uol, [s.l.], 04 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3pzmdri. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

16. MANTOVANI, Flávia. Brasileiros enfrentam frio e horas a pé para fugir da Ucrânia. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3KgtlAL. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p. ; BRASILEIROS enfrentam frio e horas a pé para fugir da Ucrânia. O Tempo, [s.l.], 26 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3hFmjcC. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.; BRASILEIROS contam drama para fugir de bombardeio na Ucrânia. R7, [s.l.], 03 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/35QHTbf. Acesso em: 04 mar. 2022.

17. Trata-se de uma estrutura fortificada, construída embaixo da terra, com a finalidade de resistir a projéteis de guerra.

18. ORTIZ, Délis. Ministro manda embaixadas no leste europeu intensificarem ajuda a brasileiros na Ucrânia. G1, Brasília, 02 mar. 2022. Disponível em: https://glo.bo/3hCrAl1. Acesso em: 03 mar. 2022, s.p.

19. Dentre eles, o padre brasileiro Lucas Perozzi Jorge, que reside em Kiev e ficará para auxiliar civis; e a jornalista Paula Pereira, que mora em Odessa e é casada com um ucraniano (13 BRASILEIROS não querem sair da Ucrânia, mesmo em meio à guerra, diz Itamaraty; veja histórias. G1, São Paulo, 03 mar. 2022. Disponível em: https://glo.bo/3hCvdaL. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.).

20. 13 BRASILEIROS não querem sair da Ucrânia, mesmo em meio à guerra, diz Itamaraty; veja histórias. G1, São Paulo, 03 mar. 2022. Disponível em: https://glo.bo/3hCvdaL. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.

21. Inclusive, há notícias de que, se for necessário, será enviada uma segunda aeronave para resgatar mais brasileiros. (Ler mais em: ARAÚJO, Carla; BARRETO FILHO, Herculano. Governo enviará na segunda avião da FAB para resgatar brasileiros. Uol, São Paulo, 03 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3vFSlxl. Acesso em: 04 mar. 2022, s.p.)

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