Jogos e violência: explorando a complexa relação entre jogos eletrônicos, violência e agressividade

Jogos e violência: explorando a complexa relação entre jogos eletrônicos, violência e agressividade

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Os jogos eletrônicos se estabeleceram como uma forma popular de entretenimento, abrangendo uma vasta gama de gêneros e estilos. No entanto, ao longo das décadas, uma questão tem sido debatida de modo fervoroso na sociedade e na Internet de forma geral, a relação entre jogos e violência. Numerosas são as pessoas que sustentam uma suposta relação entre jogos eletrônicos, especialmente os violentos, e o comportamento agressivo na vida real.

Não obstante a relação entre jogos e violência seja, em regra, abordada de modo extremamente reducionista, simplista e sensacionalista, em verdade, a essa questão é profundamente complexa e multifacetada.

 

O Cenário dos Jogos Eletrônicos Violentos

Antes de nos debruçarmos nos detalhes da complexa relação entre jogos e violência, é necessário que se compreenda o cenário dos jogos eletrônicos e dos jogos violentos.

Desde seus primórdios com o lançamento de Tennis Programing (Tennis for Two) em 19581 até a atualidade, a indústria de jogos eletrônicos cresceu de forma acelerada, tornando-se a a mais lucrativa no mundo do entretenimento.2 Hodiernamente essa indústria oferece uma ampla gama de experiências que variam desde aventuras pacíficas e criativas até jogos de ação intensa e violência explícita.

Destaca-se, ainda, que a violência nos jogos pode ser classificada em diferentes graus e contextos. De modo que, existem jogos que se concentram inteiramente na carnificina,3 e outros que incorporam diferentes graus de violência como parte de uma narrativa mais ampla.4

 

Perspectivas Conflitantes: Evidências Científicas

A questão central em torno da relação entre jogos e violência, isto é, jogos eletrônicos violentos e comportamento agressivo é se a exposição a esses jogos realmente influencia as ações e atitudes dos jogadores na vida real.

Com vistas a melhor abordar esse tema, diversas pesquisas científicas ao redor do mundo foram realizadas para entender essa possível conexão entre jogos e violência. No entanto, os resultados obtidos ao longo dos anos têm sido amplamente divergentes.

Os primeiros estudos realizados sugerem que a exposição a jogos violentos pode resultar em um aumento temporário na agressividade.5  Tais estudos geralmente se baseiam em experimentos que medem a agressividade após um período de jogo. As evidências coletadas ao longo desses estudos sugerem que jogos com teor violento podem levar o jogador a um estado de excitação emocional que, por sua vez, pode levar a um aumento temporário na agressividade. Os referidos estudos sugerem, ainda, que esse aumento temporário da agressividade é, em maior grau, vislumbrado em indivíduos do sexo masculino e, também, indivíduos que já possuem, naturalmente, maior agressividade.

Por outro lado, as pesquisas mais recentes sugerem a inexistência de uma ligação sólida entre jogos violentos e o comportamento agressivo no mundo real.6 Sobre o tema, diversos especialistas ao redor do mundo argumentam que o relacionamento é complexo demais para ser definido em termos simples de causa e efeito. Outros fatores, como predisposições pessoais, ambiente familiar, educação e contexto social, desempenham papéis cruciais na influência sobre o comportamento humano, sendo que o fato de determinando indivíduo jogar, ou não, jogos eletrônicos violentos não ocasiona eventos de violência como os gravíssimos atentados à escolas.

Em entrevista à CNN o pesquisador associado da Universidade de Oxford, Andrew Przybylski, o qual estuda mídias digitais afirma que:

“A tendência geral é que a sociedade se preocupa com novas tecnologias, pais ou legisladores se envolvem, e talvez os pesquisadores não tenham muita experiência com a tecnologia. Portanto, as primeiras poucas tentativas de estudar o assunto são feitas de modo bastante precário”.7

Constata-se, portanto, que a noção de uma relação clara e definitiva entre jogos e violência é, cada vez mais, tida como ultrapassada e anticientífica. Notadamente, pois os estudos realizados inicialmente sobre o tema foram permeados de incorreções e, ignoraram quaisquer elementos que não o fato de jogar jogos eletrônicos, limitando um complexo estudo a uma única causa. Nesse sentido, hodiernamente, o discurso de que jogos eletrônicos incitam a violência é uma afirmação falsa e anticientífica.

 

Correlação ou Causalidade?

É importante enfatizar a diferença entre correlação e causalidade ao discutir a relação entre jogos eletrônicos violentos e comportamento agressivo. Embora estudos possam mostrar uma correlação entre jogar jogos violentos e comportamento agressivo, isso não significa necessariamente que um leve ao outro de forma direta e linear. A correlação pode ser influenciada por diversos outros fatores, incluindo características individuais dos jogadores, histórico familiar e influências sociais.8

Uma abordagem mais holística considera os jogos eletrônicos como apenas um dos muitos elementos que podem influenciar o comportamento humano. Ao isolar os jogos como o único fator contribuinte para a violência, ignoramos a complexidade do problema e simplificamos excessivamente um fenômeno intrincado.

 

Fatores Contextuais e Individuais

Para compreender adequadamente a relação entre jogos eletrônicos violentos e violência na vida real, é essencial levar em consideração fatores contextuais e individuais. Cada pessoa é única, com diferentes experiências, valores, predisposições e ambientes. Isso significa que a forma como alguém responde aos jogos violentos pode variar significativamente.

O contexto também desempenha um papel importante. A violência nos jogos pode ser interpretada de maneiras diferentes dependendo do enredo, da narrativa e da apresentação visual. Um jogo que retrata a violência como um último recurso em uma história complexa pode ser percebido de maneira diferente de um jogo que glorifica a violência sem contexto ou consequências.

 

Responsabilidade Compartilhada

A discussão sobre jogos eletrônicos violentos não deve se limitar apenas à influência direta que eles podem ter sobre o comportamento dos jogadores. Todos os atores da sociedade têm um papel a desempenhar na forma como lidamos com essa questão. Isso inclui pais, educadores, desenvolvedores de jogos, profissionais de saúde mental e formuladores de políticas.

Os pais desempenham um papel crucial em orientar o tempo de jogo e o tipo de jogos que seus filhos jogam. Uma comunicação aberta e uma compreensão dos jogos que seus filhos estão experimentando podem ajudar a moldar suas perspectivas.9

Os desenvolvedores de jogos também têm uma responsabilidade ética. Eles podem escolher criar experiências que vão além da violência sem sentido e abordar temas mais profundos e significativos. Narrativas enriquecedoras e escolhas de design podem influenciar positivamente a percepção dos jogadores sobre a violência.

Os profissionais de saúde mental e educadores podem desempenhar um papel importante na compreensão das influências dos jogos eletrônicos e no desenvolvimento de resiliência emocional. Educar os jovens sobre a diferença entre ficção e realidade, bem como fornecer maneiras saudáveis de lidar com emoções, pode mitigar qualquer influência negativa potencial dos jogos.

 

Jogos, Violência e Política

O discurso anticientífico de que jogos causam violência ainda é comum em muitos membros da sociedade, notadamente nas camadas de faixa etária mais elevada, grupos religiosos mais radicalizados e em membros da política que veem os jogos eletrônicos como um bode expiatório para justificar sua incompetência na resolução de casos complexos de extrema violência como atentados em escolas.

Nos Estados Unidos, o outrora presidente, Donald John Trump, sugeriu em seus discursos políticos que os jogos de tiro seriam a causa de atentados violentos à escolas como os ocorridos nos Estados de Ohio e Texas, à época.10

Seguindo a mesma postura combativa e anticientificista do ex-presidente dos Estados Unidos da América, em relação aos jogos eletrônicos, no Brasil, após a ocorrência de chacinas em escolas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que os jogos são a causa dessa violência e afirmou inexistirem jogos sobre amor ou educação. 11

A verdade que se impõe é que os membros do mais alto escalão político de todo o mundo são incapazes de lidar com a complexa questão de chacinas em escolas e outras formas igualmente gravosas de extrema violência. Nesse sentido, diante da necessidade de apontar culpados e apaziguar os ânimos da sociedade, se utilizam desses discursos anticientíficos que sugerem uma ligação de causa e efeito entre jogos e violência para afastar sua responsabilidade dos ocorridos.

 

O Futuro da Relação Entre Jogos Eletrônicos e Violência

À medida que a indústria de jogos eletrônicos continua a evoluir, a discussão em torno da relação entre jogos violentos e comportamento agressivo também deve evoluir. Em vez de polarizar a questão, é fundamental adotar uma abordagem mais nuance, que considere a complexidade do fenômeno e leve em consideração uma variedade de fatores.

A influência dos jogos eletrônicos é apenas um dos muitos aspectos que moldam o comportamento humano. Embora seja importante examinar essa influência, também é crucial não perder de vista os fatores sociais, econômicos e psicológicos que contribuem para a violência. Abordar a violência requer um esforço colaborativo, que envolve educadores, pais, desenvolvedores de jogos, pesquisadores e formuladores de políticas.

Em última análise, a relação entre jogos eletrônicos e violência é um reflexo da complexidade da sociedade moderna. Ao abordar essa questão de maneira informada e equilibrada, podemos criar um ambiente em que os jogos eletrônicos sejam apreciados como uma forma de entretenimento, enquanto nos esforçamos para criar uma sociedade mais harmoniosa e compassiva.

 

Conclusão: Abraçando a Complexidade

Em última análise, a relação entre jogos eletrônicos violentos e comportamento agressivo é uma questão complexa e multifacetada. Enquanto evidências científicas sugerem que pode haver uma conexão entre exposição a jogos violentos e agressividade temporária, a relação causal não é direta nem linear. Fatores individuais e contextuais desempenham papéis fundamentais, e simplificar a questão ignora sua complexidade.

Em vez de demonizar ou simplificar demais os jogos eletrônicos, é essencial adotar uma abordagem equilibrada e informada. Isso envolve educar os jogadores, pais e educadores sobre os diferentes tipos de jogos, seus conteúdos e

possíveis influências. Também é crucial incentivar pesquisas contínuas e aprimorar a conscientização sobre o impacto dos jogos eletrônicos, para que possamos tomar decisões informadas sobre seu papel em nossa sociedade cada vez mais digital.

A relação entre jogos eletrônicos e violência não é um problema que possa ser resolvido com respostas simplistas. Exige uma compreensão profunda, uma avaliação objetiva das evidências e uma abordagem coletiva para promover um ambiente saudável e equilibrado para os jogadores e a sociedade como um todo.

 

Referências

____________________

1. BATISTA, Mônica de Lourdes Souza; QUINTÃO, Patrícia Lima; LIMA, Sérgio Muinhos Barroso; CAMPOS, Luciana Conceição Dias; BATISTA, Thiago José de Souza. Um Estudo Sobre a História dos Jogos Eletrônicos. Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery, n.3, 2007. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

2. COELHO, Daniel. Indústria dos games: a mais lucrativa no mundo do entretenimento. Gazeta do Povo. 19 ago. 2022. Todos os direitos reservados.Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

3. Como exemplo mais notório pode-se citar o jogo eletrônico Carmageddon.

4. Podem-se citar nesse espectro jogos como: GTA – Grand Theft Auto, COD – Call of Duty, Mortal Kombat, God of War, dentre muitos outros.

5. ANDERSON, Craig A.; DILL, Karen E. Video games and aggressive thoughts, feelings, and behavior in the laboratory and in life. Journal of Personality and Social Psychology, v.78, i.4, p.772–790, 2000. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

6. JOHANNES, Niklas; VUORRE, Matti; MAGNUSSON, Kristoffer; PRZYBYLSKI, Andrew K. Time Spent Playing Two Online Shooters Has No Measurable Effect on Aggressive Affect. Collabra: Psychology, v.8, i.1, 01 maio 2022. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

7. AZAD, Arman. Estudos afastam relação entre videogames e violência. CNN Brasil. 08 mar. 2020. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

8. JOHANNES, Niklas; VUORRE, Matti; MAGNUSSON, Kristoffer; PRZYBYLSKI, Andrew K. Time Spent Playing Two Online Shooters Has No Measurable Effect on Aggressive Affect. Collabra: Psychology, v.8, i.1, 01 maio 2022. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

9. A respeito da temática da autoridade parental sugere-se a leitura de: LAS CASAS, Fernanda. A Violência Escolar e a Responsabilidade Parental. Magis: Portal Jurídico. 13 abr. 2023. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

10. VOYTKO, Lisette. Trump Suggests Video Games Connected To Violence. Research Doesn’t Support That. Forbes. 05 ago. 2019. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

11. GLOBO. Lula critica jogos de tiro em discurso: “Resulta nessa violência”. Globo. 18 abr. 2023. Disponível em: site. Acesso em 25 ago. 2023.

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